O ALIENÍGENA PERDIDO
 

     Observo, pensativo, o alienígena inanimado à minha frente.

     Quando o trouxemos para dentro de nossa espaçonave, adotamos todos os cuidados de segurança. A criatura estava inconsciente, mas limpa. Os micro-organismos que constituíam uma boa parte de seu corpo não podiam nos fazer mal. Diante da extraordinária descoberta daquela cápsula de sobrevivência à deriva no espaço, pelos menos assim se apresentava, achamos sensato manter o alienígena isolado até que obtivéssemos informações mais relevantes sobre ele.

     A tecnologia da cápsula de sobrevivência era, até certo ponto, sofisticada, porém não se poderia comparar com a eficiência das nossas. O sistema de manutenção da vida alienígena era obsoleto porque não permitia um controle sistemático de renovação celular eficaz. Aquele ser envelhecera no espaço e, ao que tudo indicava, parecia estar entrando em fase final de vida.

     Em um dos filamentos que se lhe projetavam do corpo, encontramos um artefato tecnológico interessante. Tratava-se de uma caixa pequena cheia de botões coloridos. Tentamos analisar o dispositivo com cautela. Poderia ser uma arma. Um mecanismo autodestrutivo. Um sinalizador para outros de sua espécie, o que nos deixou apreensivos porque, quem vai saber, talvez tal criatura fizesse parte de uma raça usurpadora de outros mundos!

     Mas a tal caixinha não passava de um simples repositório de informações e imagens da cultura desconhecida de onde aquela criatura horrenda viera. Levamos algum tempo para analisar os grunhidos que eles emitiam entre si como forma de comunicação! Investimos um tempo considerável nesta área para decifrar o seu dialeto. Depois de alguns ciclos de intenso trabalho, obtivemos a real dimensão do contexto em que se encontrava aquele espécime perdido no espaço.

     A “coisa” presumia ser o último de sua raça. Trazia material genético para recriar a espécie em outro planeta compatível, caso houvesse algum imprevisto durante a viagem. Neste momento, peço desculpas, contudo acho que não vale a pena entrar em detalhes dos seus registros de bordo. Por isso, vou restringir-me a um breve relato do que descobrimos acerca de sua história.

    O planeta da criatura estava morrendo. As reservas naturais de todo o seu ecossistema, que permitiam a manutenção de vida, foram se exaurindo aos poucos pela contaminação dos seus próprios habitantes. Em meio a disputa por um líquido precioso que chamavam de “água”, fonte vital de subsistência, houve guerras entre as facções mais fortes. Armas de destruição em massa foram acionadas. Aconteceu o caos!

     Antes do colapso total, uma embarcação espacial tripulada por cientistas foi lançada ao espaço com objetivo de pesquisar outro lugar que oferecesse as condições de um biossistema adequado à sua natureza. Decorridos alguns anos, infelizmente, um aglomerado de asteroides atingiu a espaçonave comprometendo a vida da tripulação. Entre eles, em uma luta acirrada de vida e morte, o mais apto fugiu na única cápsula de sobrevivência que ainda funcionava. Na fuga, conseguiu se apoderar do material genético: o legado de uma espécie condenada à extinção que se autodenominava orgulhosamente de “A Raça Humana”.

     Agora, observo o alienígena deitado à minha frente. É, sem dúvida, uma criatura feia! Há uma protuberância orgânica na parte superior do corpo esguio que encerra toda a sua inteligência e possibilita-o expedir comandos neurais para a locomoção do mesmo. Ainda bem que não precisamos de tal expediente para prover nossos corpos de mobilidade. Essa limitação deles seria insuportável para nós.

     A intenção dos humanos de perpetuar a espécie, há que se dar crédito, foi muito inteligente. Uma das luas de nosso planeta, que é do tamanho do planeta deles, pode bem servir para oferecer as condições necessárias para voltarem a prosperar. Desvendamos a ciência da hereditariedade deles e, temos certeza, poderíamos ajudar na recomposição desta linhagem genética descuidada. No entanto, o Grande Conselho dos Anciões já decidiu o seu destino.

​​​​​​​     Não queremos lhes dar outra chance!

​​​​​​​     Não é tanto pela feiura deles não! Já nos relacionamos com criaturas igualmente feias. O que o Grande Conselho concluiu é que se eles tiveram a insensatez de se destruir mutuamente, imaginem só o que eles não fariam se pudessem entrar em contato com outras culturas! As armas humanas de destruição em massa, embora arcaicas, poderiam seriamente nos comprometer também.

​​​​​​​     Por isso, o Grande Conselho me delegou a missão de colocar o último indivíduo da raça humana, juntamente com o seu material genético, de volta à cápsula de sobrevivência para, sem muitas formalidades, enviá-la à estrela incandescente mais próxima.

​​​​​​​     Sou da mesma opinião que Os Anciões, posso até estar cometendo um erro grave de julgamento, mas acredito que tal espécie não merece florescer novamente em nosso universo!

 
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Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 30/08/2020
Reeditado em 12/08/2021
Código do texto: T7050007
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