Estado delinquente

[História anterior: "Malware"]

Duas semanas haviam se passado desde o malogrado ataque contra as plantações do Mali por uma nuvem de gafanhotos geneticamente modificados. Embora a Standard Forestry e o próprio governo do Mali evitassem fazer acusações diretas por falta de provas categóricas, a mídia internacional não hesitou em apontar o dedo para o Brasil, país que se tornara um pólo de biopirataria e produção de malware nas últimas décadas.

- Não podemos afirmar isso publicamente ou nos arriscamos a levar um processo, - comentou a dra. Riley Cline, chefe da Divisão de Cibersegurança da Standard Forestry para o norte da África, durante uma videoconferência com o superintendente de Operações da empresa no Mali, Bakari Ndiaye, e o chefe da Segurança Patrimonial, Trenton Avery - mas todas as evidências indicam a participação do governo brasileiro nessa operação de sabotagem.

- Eles teriam os meios e os motivos - assentiu Bakari Ndiaye, em seu escritório em Bamaco. - Com o colapso da produção de alimentos no Mali e Senegal, o Brasil poderia aumentar os preços das suas commodities agrícolas, revertendo a queda da sua participação no mercado mundial pelo uso de todo tipo de manipulação genética suspeita nas plantações.

- De fato, o Brasil foi duramente atingido pela reversão do aquecimento global - aduziu Trenton Avery, que estava num posto de observação em Taudeni, Mali - e suas culturas transgênicas se desvalorizaram; não consigo imaginar nenhum outro grande produtor de alimentos capaz de ser tão beneficiado por esse ataque. Todavia, minha preocupação no momento é com a resposta que os acionistas pretendem dar; deixaram claro que não irão tolerar a repetição de outro incidente deste tipo.

Na tela em frente a ele, viu que Cline e Ndiaye o encararam com desassossego. "Acionistas", neste caso, queria dizer especificamente o poderoso governo chinês, que idealizara e implementara o plano de reflorestamento do Saara.

- Sugeriram que poderiam usar força militar? - Indagou cautelosamente Bakari Ndiaye.

- Esse não é o modus operandi chinês - afirmou Avery. - Todavia eu não ficaria surpreso se nos próximos dias houvesse um colapso, ainda que temporário, em alguma parte essencial da infraestrutura agrícola brasileira. Algo que os lembrasse de que, embora sejam a principal superpotência do planeta, os chineses não precisam necessariamente exibir os músculos para atingir seus objetivos.

No alto da tela, a dra. Cline acedeu.

- Os brasileiros podem ser bons em malware, mas estão longe de dominar o firmware.

- Exibir os músculos... - comentou pensativo Bakari Ndiaye. - Essa expressão me fez recordar que talvez estejamos esquecendo de um outro suspeito, o qual perdeu muita da sua antiga relevância, mas que talvez esteja interessado em tirar do mercado um concorrente melhor posicionado.

E, diante da expressão de expectativa dos colegas, complementou rapidamente:

- Os Estados Unidos da América.

[Continua]

- [22-07-2020]