Projeto: Cidade Transversal - Ao Fim do Ciclo
“A vida tende a repetir o seu ciclo, não importa aonde esteja.”
Ao redor daquele lugar, conhecido como o Complexo, havia apenas a completa vastidão do nada absoluto. Ali era o centro de todo o tempo conhecido e desconhecido. Dali era possível ver os futuros que desenrolariam a seguir na multitude do multiverso, o ponto original onde o tempo se desdobra naquilo que ele o é nos universos que o seguem.
Não havia como saber se aquele lugar existia antes do tempo ou se o mesmo viera com o tempo, na verdade, a quem ali passava, por algum motivo que não era possível discernir com precisão, o espanto da existência daquele lugar era como sem igual. De tempos em tempos – e como é engraçado usar esta palavra em questão – os guardiões mudavam, mas eles eram constantes ali, dando um começo, meio e fim a eternidade.
Nada é perpetuo, nada é eterno a não ser os ciclos que permeiam a vida e a morte dos universos. Conquanto ali fosse possível compreender as finas linhas de todo o tempo e destas as microscópicas linhas que eram as vidas de cada ser que compunha aquele tempo – sabido que seja quais foram os multiversos criados, as linhas da vida são uma só, uma corda que se divide em várias branas, mas que, ainda assim, é uma coisa só.
A complexidade de como a vida se expande ao ponto de popular todos os multiversos conhecidos era o principal mistério do começo de tudo. Como era possível algo deste tipo acontecer? E por mais que muitos dos multiversos, aparentemente, eram desprovidos de vida, eles, ainda assim, tinham as suas linhas entrelaçadas com todas as outras que estavam nos multiversos com vida. Passaram-se dezenas, centenas, milhares, milhões de anos e ainda não se sabe entender este grande mistério, mas milhares de raças ainda tentam entender o que o Cosmos quer de todos.
Um grande projeto, de proporções dantescas. Um daqueles guardiões observava uma das centenas de milhares de telas que estavam a disposição ali, ou, pelo menos, pareciam ser telas. Ele fora especificado para um projeto em especial, um que vem se perpetuando em duas galáxias distintas e que, até agora, vem sendo um relativo sucesso. Ele esteve na Cidade Transversal, mas precisavam dele ali agora.
“Como bem sabe...” – Disse uma mulher que estava em torno, possivelmente, dos seus cinquenta anos. Era humanoide em sua aparência, mas ele não sabia discernir de qual raça era e tão pouco perguntara. “Na parte que concerne o seu universo, as coisas estão indo como deveriam ir. Os seus e de sua espécie e todos aqueles que foram tocados por ela, seja naquilo que eles sabem ser o passado remoto, assim como o passado distante, estão chegando num ponto nuclear.” – Ela passou a mão numa das telas e várias delas mostravam algumas mesmas raças de uma galáxia conhecida por eles, onde as ações se divergiam e algumas delas havia apenas o vazio da galáxia. “Este é um dos cenários que podem ocorrer, mas que só deve ocorrer em último caso.” – Continuou. “Os seres do outro lado não podem vir para cá, porque se eles perceberem onde estamos, o Plano não pode ser continuado e a Eternidade perecerá.”
“Compreendo, mas você sabe que eu já fiz a minha parte inúmeras vezes na Cidade Transversal e vocês me disseram que o meu papel seria desfeito e eu poderia seguir em frente.” – Disse o homem. “Mas, ainda assim, estou aqui.”
“Você fez a sua parte e dissemos o que dissemos, no entanto, a força maior requer um toque de finesse para que as coisas aconteçam como devem acontecer. Não que os outros multiversos estejam errados, não existe nada de errado no erro comum de dezenas de espécies ao longo de vários ciclos. Mas a principal missão eles não estão seguindo, sendo desviados por aqueles que são conhecidos como Titãs naquela galáxia. O Fundo Cósmico continua a não ser investigado, a canção enigmática que veio a moldar os nossos pensamentos sem percebermos. O sussurro que faz parte do universo e que ainda não entendemos. Outros como nós, em outras partes do Complexo, estão exercendo a mesma função que a gente, talvez nunca os vejamos, talvez um dia nós nos encontremos e o nosso objetivo é entender e impedir as criaturas do outro lado.”
“Mas e a minha parte? Minha alma.... minha linha está tão esticada e está cansada.” – A voz que vinha dele não demostrava nem raiva e nem tristeza, era como se constatasse um fato. “Já vi e revi tantas vezes quanto possíveis que seriam para uma pessoa como da minha espécie poderia ver os ciclos se formando e tomando força na Cidade Transversal e, ainda assim, parece que não o fiz por completo. Falta-me algo, o bastante para acabar...”
“E é desta forma, quando o bastante para acabar chegar ao seu fim,” – Respondeu a mulher. “É que de fato a sua jornada irá acabar, você sabe bem que é uma peça no grande teatro da vida, por mais que não seja a peça mais importante, é, ainda assim, aquela que faz as demais peças do multiverso se mexerem. Você tem a compreensão exata, apesar de não completa, do Plano.”
“O Plano que ninguém diz quem criou, como começou e porque é escrito num livro com variáveis irreconhecíveis, por caminhos tortuosos que parecem simples, por escolhas nefastas, mas que parecem ser puras.” – Ele dera um meio sorriso, parecia mais um desafio sarcástico que perfazia com os seus lábios. “A minha família faz parte deste plano, cinco gerações guiadas para que eu pudesse existir e mais várias gerações a seguir para que eu pudesse chegar aqui. Ainda assim não sabemos do Plano além de entender o sussurro que permeia os nossos pensamentos e nossas células. Entender o porquê, afinal de contas. Mas eu pensei que...”
“A sua parte consistia em suas galáxias e não uma outra a mais onde os seus antepassados brincaram de Deuses, e alguns deles mesmo assim o tornaram e nada fizeram? O seu trabalho é infindável, meu caro amigo, mas um dia você vai achar conforto, no seu passado, no seu presente, no seu futuro, pois você sabe que apesar da sua linha estar repartida em várias branas, de estar seguindo uma ordem não natural, você é o que é, o seu passado, o seu presente e o seu futuro. Outros da sua espécie presenciaram isso, com a ajuda de um amigo nosso em comum, uma certa letra do alfabeto. Ele fez com aquela pessoa pudesse compreender qual é o destino não só da humanidade, mas de todas as espécies, não é mapear sistemas solares, nem descobrir novas formas de vidas ou civilizações, mas entender, compreender as infinitas possibilidades da existência. O fim está próximo.” – Terminou ela. “Os próximos passos são importantes e as peças precisam estar em seu devido lugar, o ciclo precisa ser fechado para ser reiniciado.”
O homem com o seu braço metálico negro, estava com o seu olho direito brilhando fortemente, o seu olho esquerdo completamente negro com a íris vermelha apenas observava a mulher se levantar do seu local e caminhar por um dos infinitos corredores do Complexo. Ele suspirou e sacou algo do seu bolso direito. Em sua mão jaziam símbolos de outrora, de uma vida que já lhe passou.
Guardando os objetos em seu bolso. Ajeitou-se, estalou os dedos da mão direita e uma espécie de portal abriu-se a sua frente. Ali uma espécie de torre verde brilhava fortemente, na verdade era uma explosão advinda de uma Grande Cidade e ele sabia o porquê. Agora era hora de mexer as peças de xadrez. Atravessou o portal e disse por fim. “Ao fim do ciclo.”