Salvados
As sementes de Cucurbita maxima haviam sido recuperadas dos destroços de um cargueiro que fazia a rota Laksia-Nomish, e que se estatelara contra a menor das luas de Nomish, Huguh, cerca de cem anos atrás. A carga principal que resistira ao impacto, constituída basicamente de implementos agrícolas autônomos, fora recuperada na época e transportada até o porto de destino, mas ninguém se preocupara com as sementes que haviam vazado dos contentores metálicos. Portanto, quando eu e Nyla chegamos ao local, afastado de tudo, para tirarmos algumas fotos, não havia nada que nos impedisse de levar punhados de sementes congeladas como suvenir.
- O que pretende fazer com isso? - Questionou Nyla pelo rádio do traje espacial, ao me ver encher um recipiente de amostras com o conteúdo de um dos contentores rachados.
- Vou plantar no quintal, em casa - gracejei. - Temos o clima ideal em Tanazo para abóboras... talvez possa ganhar algum concurso com elas.
Nyla iluminou os contentores avariados com sua lanterna.
- Você nem sabe se irão germinar... já estão aí há quase um século.
- Ficaram congeladas, no escuro e sem oxigênio - ponderei. - Possivelmente, estão perfeitamente preservadas.
- Mas são sementes produzidas para Nomish, provavelmente sob encomenda - prosseguiu ela. - As especificações podem ser bem diferentes das de Tanazo.
- Não custa nada tentar - respondi para encerrar a discussão.
Saímos dos destroços do cargueiro e voltamos para o nosso diminuto helijato de dois lugares. Instantes depois, decolamos para Innanni, a lua maior de Nomish, onde ficava o nosso hotel e o principal astroporto daquele sistema solar.
* * *
Duas semanas depois, já de volta à nossa casa na península Oda em Tanazo, cumpri o prometido: plantei parte das sementes no quintal, e para minha satisfação, elas brotaram normalmente dias depois.
- Viu como eu tinha razão? - Provoquei Nyla.
- Vamos aguardar - foi a resposta cautelosa dela.
Após uma rápida floração, as abóboras começaram a se desenvolver rapidamente; muito mais depressa, aliás, do que seria de esperar. E os frutos também apresentavam uma conformação peculiar: quatro gomos superiores e quatro inferiores, separados por uma "cintura" grossa. Foi só então que, diante do ar de mofa de Nyla, resolvi pesquisar online o manifesto do cargueiro, para saber exatamente o que havia de diferente com aquelas abóboras. E na manhã seguinte, bem cedo, fui para o quintal com um facão.
- Você já está fazendo a colheita? - Questionou ela ao me ver, ocupado cortando os talos dos frutos.
- Não, estou interrompendo o crescimento dessas coisas - repliquei, prosseguindo na faina.
- Você não disse que gostaria de ganhar um concurso? - Ironizou Nyla. - Deveria deixar que amadurecessem!
Parei de cortar os talos e olhei para ela.
- Nyla, essas não são abóboras comuns... são abóboras-casa!
As abóboras-casa haviam sido utilizadas, há um século, para resolver um problema habitacional em Nomish. Não são próprias para consumo, mas crescem até atingir cerca de quatro metros de raio e quase 270 m³ de volume. Retirada a polpa e limpas as divisões internas, fornecem uma habitação orgânica e reciclável, com oito cômodos, quatro em cada "andar".
- Acho que não estamos precisando de uma edícula - declinou Nyla, braços cruzados.
- [16-05-2020]