Um sussurro nas trevas
Maren havia distribuído as tarefas para a equipe de coleta, nas ruínas de um antigo complexo petroquímico, e acompanhada de Jepp, seguira para um centro comercial próximo, no qual algumas das torres ainda teimavam em manter-se de pé, apesar das marcas visíveis deixadas por séculos de exposição às intempéries. Nas ruas, parcialmente tomadas por mato e arbustos, montes de ferrugem assinalavam os locais onde veículos haviam sido abandonados nos últimos dias de atividade da Cidade Morta. Em alguns destes veículos, esqueletos podiam ser vistos.
- Você ainda crê que os Antepassados voltarão para buscar os vivos, se não foram capazes sequer de levar seus mortos? - Provocou Jepp, enquanto procuravam uma entrada desobstruída para a torre mais próxima.
- Esses que aqui ficaram, eram pecadores. Assim como nós - retrucou a mulher, dando a conversa por encerrada. Jepp achou por bem não insistir; afinal, Maren havia ficado de levá-lo até uma possível fonte de componentes para replicar a pilha de combustível dos Beryte. E talvez houvesse outras coisas naquelas construções decrépitas que valesse a pena a viagem...
Finalmente, encontraram um acesso razoavelmente livre por um buraco no estacionamento subterrâneo da torre. Acionando suas lanternas, passaram por fileiras de veículos de superfície empoeirados, alguns dos quais pareciam quase prontos para rodarem novamente.
- São tantos que talvez houvesse um para cada Antepassado - comentou Jepp, enquanto subiam as escadas para os andares superiores. - E alguns daqueles veículos eram bem maiores do que os outros.
- Talvez porque... houvesse mais de um tipo de Antepassado - argumentou Maren, o que fez Jepp lembrar-se do monumento que tinha visto nas montanhas.
A escala do prédio certamente parecia ter sido pensada numa escala maior do que a média dos seres humanos. As portas eram mais altas e largas do que as que vira em habitações humanas e o mobiliário remanescente também indicava que ao menos em parte, criaturas de grande estatura ali conviveram com pessoas comuns. Que só houvessem sobrevivido humanos e nenhum dos gigantes, dava o que pensar.
Finalmente, forçou a entrada num conjunto de salas, que parecia ter servido como depósito de alguma oficina de manutenção. Não havia nenhuma possibilidade, mesmo que remota, de que pudesse encontrar ali peças capazes de permitir a recriação de um "Muro de Jericó", já que as instalações eram civis e o Muro um equipamento militar, mas Jepp descobriu componentes suficientes para replicar várias pilhas de combustível e assim resolver a situação dos Beryte. Como iria apaziguar os Yelocaah, era algo que ele iria pensar no caminho de volta, embora já tivesse uma ideia para colocar em prática.
- Conseguiu tudo o que queria? - Indagou Maren, quando ele terminou de encher a mochila de peças, manuais e ferramentas.
- Acho que tenho o suficiente para começar - declarou, sem entrar em maiores detalhes.
Haviam iniciado o caminho de volta por um longo corredor vazio, quando um barulho abafado fez-se ouvir no andar que tinham acabado de deixar. E depois, distintamente, um zumbido grave que soava cada vez mais alto.
- Isso não é um bom sinal - sussurrou Jepp, olhando para a escuridão atrás deles. - Precisamos sair daqui, rápido!
Deu a mão à Maren, e juntos, começaram a correr de volta ao estacionamento.
[Continua]
- [25-03-2020]