O Muro de Jericó

Jepp ia dizer que nunca havia visto nada como aquilo, mas isto soaria ou como uma confissão de ignorância ou de que ele era jovem demais para o cargo de faz-tudo; o que, tecnicamente, era verdade, em ambos os casos. Portanto, engoliu as suas dúvidas com uma talagada da cerveja artesanal dos Beryte, e utilizou as técnicas de engenharia social que havia aprendido na escola de aprendizes, meses atrás.

- Está bem danificado... - avaliou, virando a caneca de cerâmica na língua, para aproveitar até a última gota do líquido dourado.

Ao seu lado, braços cruzados e cara de poucos amigos, Zak, o líder dos Beryte, lançou-lhe um olhar atravessado.

- Claro que está bem danificado! Sabe há quantas gerações o Muro de Jericó protege o meu povo?

"Muro de Jericó", anotou mentalmente Jepp. Agora, tudo começava a ficar claro: era um dispositivo de defesa passiva, se bem recordava as aulas de tecnologia militar dos Antigos. Desculpou a própria ignorância, visto que não devia haver muitos daqueles dispositivos em estado operacional naquele lado das montanhas.

- É um modelo bastante antigo - comentou, fazendo cara de conhecedor, enquanto limpava a sujeira incrustada sobre a placa de identificação no painel frontal do aparelho: era um JC-2200, com um alcance máximo de quatro km. Das duas células de combustível que forneciam energia para o dispositivo, uma estava totalmente descarregada, e a outra teria talvez 10% de sua carga máxima. Obviamente, à medida em que a potência diminuía, o mesmo acontecia com o raio de ação do JC-2200. Essa era uma informação que os inimigos dos Beryte considerariam extremamente valiosa, caso tivessem acesso à mesma, avaliou Jepp, curvando-se na traseira da máquina e cheirando a válvula de entrada do combustível.

- Com o que tem alimentado o Muro? - Questionou, embora já soubesse a resposta.

- Álcool de milho - replicou Zak.

As quantidades informadas pelo líder estavam dentro das especificações recomendadas pelo fabricante, o que era notável, após séculos de operação. Mas como a segurança deles naquele meio hostil dependia disso...

- O problema está na pilha de combustível A - tentou explicar em termos leigos. - Não vai funcionar mais, está totalmente queimada.

Zak coçou a cabeça.

- E pode consertar?

- Não é uma coisa simples - admitiu Jepp. - Eu precisaria de um conversor molecular, ou quem sabe, de uma impressora 3D para fazer uma nova. Talvez possa conseguir uma peça usada na Cidade Morta, mas não dou nenhuma garantia disso, é como procurar agulha em palheiro. O ideal, contudo, seria trocar ambas as pilhas para estender o tempo de vida da máquina.

Zak o ouviu com atenção, fazendo um esforço óbvio para entender o palavreado do faz-tudo.

- Conversor molecular? Fala de um Reprodutor? Você o alimenta e ele produz... coisas? - Indagou, testa franzida.

- Sim, estou falando deste tipo de aparelho - redarguiu Jepp, satisfeito por ter sido minimamente entendido.

- Sei onde há um desses - afirmou Zak, cruzando os braços novamente. - Do outro lado das montanhas, no Vale dos Cavalos Amarelos.

E perante o ar surpreso de Jepp, complementou:

- O único problema é que lá moram os nossos inimigos.

[Continua]

- [21-03-2020]