A BOLHA
A bolha. Apelido do invento que Eduardo fizera há três anos. Pareciam gostar da invenção, pois até na Globo falavam dela. Mudou de canal, o Cidade em Alerta passava uma notícia sobre um caso de utilização do experimento. “Bolha salva empresário de criminosos”. E depois outra matéria no mesmo programa: “Invento chamado ‘A bolha’ livra moça de estuprador” e outro caso curioso: “A bolha faz homem rolar e escapar da sogra”.
Porém, apesar de se espalharem as notícias boas de seu "filho", as ligações pra casa dele aumentaram . Ele pensara que não esperava por um sucesso tão rápido e propagandeado assim. Só desejava trazer segurança. Mas o primeiro telefonema que recebera não fora animador.
-Alô. Quem fala?
-Não importa quem é. Só que você tem de sumir.
-Como assim? Quem fala? Por que sumir? Pra onde?
-Cara, não posso dizer mais nada. Só que...olha fuja, entendeu?; querem tem matar.
-Mas. Quem é você? Por favor.
-Vou te encontrar. Na rua mesmo. Quando menos esperar por mim te encontrarei. Tudo no seu tempo. Só te peço uma coisa. Saia de casa, agora.
A ligação ficou muda tal qual a mente de R. Naquele dia, manhã do domingo passado, logo após o culto matutino na igreja presbiteriana, ele somente correu para seu apartamento e se trancou. Dia seguinte, em entrevista a um programa televisivo de sucesso foi com a bolha em si mesmo.
-Então, veste o seu próprio invento –disse o entrevistador, tom sarcástico.
-É necessário.
Ele se levantou da poltrona de frente à R e se aproximou dele.
-Sim, claro, claro! Então o criador dessa bolha aí – Bateu nela tal qual se batesse na porta de um visitante – Aiiiiii, que droga é essa!
-É a proteção. A bolha tem choque de 220 volts e posso aumentar aqui com meu controle remoto.
O público caiu na gargalhada. O entrevistador, nitidamente controlando a fúria, afastou-se de R. Olhava, agora, o público, enojado.
-Então, é assim que é. Quando nos aproximamos de um ser humano?
R sabia a que ponto ele queria chegar. Já tinha pensado sobre essa discussão filosófica toda.
-A gente cria a solução para problemas maiores. Os menores são os próprios humanos que criam e não importa o quanto tentemos, nós inventores sempre estaremos sujeitos à recriminações e críticas.
O entrevistador abaixou a cabeça e voltou para o lugar dele. Lia algumas notícias.
-Então aqui nos jornais diz que vai disponibilizar essa bolha para os soldados. Para todos? Como vai ser o critério? Qualquer um poderá comprar? Mesmo terroristas e tal?
R. não havia ponderado sobre isso ainda. Ele tinha pensado sobre segurança e não tinha lido aquele jornal mencionado pelo entrevistador.
-Eu desconheço isso. Nunca disse que forneceria a bolha para soldados.
-Mas, é claro que isso pode acontecer, não é?
R. formulou rapidamente as consequências do que poderia falar. Mais uma vez a mídia fazendo suposições. Aliás, era contra ela, essa grande mídia podre, nojenta, ativista de grandes corporações para implantar o caos, a insegurança, que ele havia tomado motivação para virar inventor, há dez anos. Ainda lecionava química e física na universidade, porém, cansara de questiúnculas ideológicas midiáticas. E odiava mais ainda o método de aparente imparcialidade e desfaçatez dos jornalistas. Método satânico. Maldito. E, agora, ele estava ali, contra um desses malditos representantes de tudo o que ele odiava e ele tinha que manter a calma.
Retornando ao raciocínio, se acaso ele dissesse sim à possibilidade de fornecer às forças armadas entraria numa discussão sem limites. Dizendo não, seu intento de segurança, de proteção de todas as pessoas, sem exceção poderia estar comprometido. Mas, de outro lado, poderia se comprometer somente com a segurança civil, por enquanto. O plano foi formulado. O método dele seria, pois, o mesmo utilizado pelos militantes da extrema-imprensa: condicionar.
-Olha, por enquanto eu fiz a bolha para civis se protegerem. Como disse os problemas pequenos são criados e podem ser solucionados facilmente. Não me importo com isso. Cada um tem o seu espaço de atuação. Cada um resolve seus problemas individuais.
Nesse momento, um homem invadiu o pódio do programa e correu para cima do apresentador, tomando o microfone dele.
R. ficou paralisado. O jovem rapaz, esquelético, olhos esbugalhados e vermelhos, todo tatuado, parecia mais um daqueles ativistas drogados, típicos de Ongs financiadas pelo dinheiro público.
-Vocês pagarão! Estão aplaudindo esse monstro! E ele sacou um revólver, apontando para o apresentador que saiu correndo.
O maluco atirou na direção do apresentador, errando o alvo, acertando uma das câmeras laterais.
-Fuja, seu fascista!
R. continuava estático.
-Você, cara! Tire essa bolha, agora!
-Não tiro.
-A é? Então eu vou atirar em você, seu palhaço, fascista!
-Atire!
-Eu vou atirar sim, ok? Tá duvidando?
R. foi se aproximando do rapaz.
-Você é um imbecil alienado. A bolha é só uma proteção contra homens como você, meu jovem!
-Como assim, fique aí, onde está. Senão atiro na tua cabeça, entendeu? Nessa cabeça fascista!
-Acalme-se. Eu forneço a segurança a você. A sociedade que você apoiou, essa sociedade que você nasceu, retirou tudo de você, eu sei!
-Como assim? - Disse o rapaz, coçando a testa com o revólver.
R. retirou a parte de cima da bolha, a que protegia do pescoço à cabeça e continuou se aproximando do moço.
-Você não viu isso, não teve oportunidade de ver como tínhamos belas-artes, boa música, poesias, bons filmes, séries, livros! Eu sei que está se sentindo desorientado e buscando algum sentido. Mas, isso que está fazendo não faz sentido.
O rapaz jogou a arma no chão e desabou a chorar.
Os seguranças do estúdio de TV o seguraram com violência, dominando-o em segundos.
-Você pode me dar segurança, professor?
-Claro que posso – disse R. e se aproximava do seu aluno, aquele mesmo que em uma de suas aulas de física dizia que não aguentava mais matemática. Que gostava de português e era obrigado a estudar em escola particular que insistia em obrigar os alunos estudarem matemática.
-Mas, agora, terá que pagar pelo que fez.
-Sim, professor. Depois me ajude. Volte a me ensinar física. Sei que através dela teremos segurança. Agora eu entendo, eu entendo!
R. abaixou a cabeça, juntando as mãos, quase em súplica pelo garoto. Estava de fato sentindo quase que uma culpa por não ter logo percebido que aquele “maluco” era um aluno dele. Estava bem mais magro, talvez por efeito de anos de drogas. Fazia pelo menos dois anos que não o via. Um enfermeiro chegou até R.
-O senhor está bem?
R. vestiu-se novamente com a bolha.