E as luas continuam tão brilhantes
O foguete desceu do céu escuro e pousou ereto na planície avermelhada sobre seus trens de aterrissagem. Sob a luz das pequenas luas que cruzavam o céu estrelado, dois homens em trajes espaciais desembarcaram através de uma escada desdobrável e deram uma olhada ao derredor.
- A gravidade aqui é de 38% a da Terra - comentou em tom casual o primeiro astronauta, o capitão Robles. - Faz a gente sentir como se pudesse dar saltos olímpicos.
- As regras das Olimpíadas terão que ser adaptadas para Marte - replicou o segundo homem, o tenente Gardner. - Veja ali, capitão.
Robles voltou-se na direção indicada e percebeu que uma luz, como um farol de motocicleta, aproximava-se deles, vinda das montanhas distantes.
- Pensei que estivéssemos sozinhos aqui - ponderou Robles.
- Talvez sejam os marcianos, que construíram as grandes cidades hoje em ruínas - sugeriu Gardner.
- Imaginei que estivessem todos extintos - replicou o capitão.
- Talvez tenham apenas ficado escondidos esse tempo todo, com receio de nós - avaliou Gardner. - Com o nosso histórico de contatos com povos originários lá na Terra, eu também teria medo.
- Nós viemos em paz - minimizou Robles.
A luz estava agora bem próxima, e viram que provinha de um veículo que lembrava uma grande libélula metálica com quatro asas translúcidas, voando silenciosamente a cerca de um metro do solo. Sentada sobre ela com as pernas cruzadas, uma mulher de pele marrom e olhos dourados, magnificamente vestida com o que parecia ser um traje de baile marciano, repleto de volutas intricadas e laços caprichosos de luz colorida e tremeluzente. A mulher ergueu a palma direita em saudação e o veículo parou à frente dos astronautas.
- Olá! Vocês vieram para a festa? - Indagou ela.
Robles apontou para o capacete, indicando que podiam ouvi-la, mas que não tinham como comunicar-se sem um aparelho de rádio.
- A atmosfera é respirável - explicou ela.
Robles e Gardner entreolharam-se.
- Será que é seguro? - Indagou Robles.
- Estamos usando trajes espaciais por precaução - arguiu Gardner. E então, abriu seu capacete e aspirou profundamente o ar marciano.
- Tem cheiro de... ferrugem - analisou.
Robles imitou o gesto.
- Acho que podemos nos adaptar - comentou.
- Vocês querem uma carona para a festa? - Indagou a mulher marciana.
- Como fala tão bem o nosso idioma? - Inquiriu Robles, intrigado.
- Eu não falo - redarguiu ela. - Estamos nos comunicando por telepatia.
- Então não precisávamos ter removido os capacetes - ponderou Robles.
- Não poderiam brindar usando capacetes - disse a mulher com um sorriso. - Mas estamos perdendo tempo; subam que os levarei para a margem do canal, onde será realizada a festa.
Após um momento de hesitação, Robles subiu na plataforma onde estava sentada a mulher, seguido por Gardner. O veículo arrancou em seguida, e apesar de estar desenvolvendo uma expressiva velocidade, os passageiros pareciam ser mantidos no lugar por uma força que os circundava. Após se afastarem alguns quilômetros na direção das montanhas, a planície foi interrompida por um canal de irrigação, cujas águas calmas reluziam à luz das luas de Marte. O veículo desceu por uma das vertentes e passou a seguir o curso das águas, até que chegaram ao que seria uma antiga estação de bombeamento.
- É aqui - disse a mulher, desembarcando.
Não havia mais ninguém à vista sob o domo de pedra da estação, fracamente iluminada por lâmpadas azuis que circundavam a abóbada.
- Imaginei que uma festa pressupunha convidados - comentou Robles ao descer.
- Vocês são os convidados - declarou a mulher. - Tudo isso é para vocês.
E fez um gesto que abrangeu a estação e o maquinário que continha.
- Meus criadores extinguiram-se há milhares de anos, - prosseguiu ela - mas me deixaram instruções sobre como receber os visitantes que um dia viriam da Terra, e como deveriam ser instruídos para colocar os canais novamente em operação.
- Mas nós não somos marcianos - objetou Robles.
- Parece que agora vocês acabaram de ser promovidos - riu a mulher, estendendo-lhes duas taças que pareciam ter surgido no ar. - Brindemos!
E quando Robles e Gardner provaram o conteúdo, era o melhor vinho que jamais haviam bebido em suas vidas.
- [27-02-2020]