Quase vida

A patrulha da Infantaria Pesada havia identificado a posição do destacamento inimigo que os atacara momentos antes: estava no alto de uma colina, identificada no mapa apenas pelo número 637. Como não dispunham de nenhum transporte blindado ou cobertura aérea, a solução encontrada pelo sargento Michele Bocchino foi enfileirar seus homens atrás de um imponente robô série PLD, ali fazendo o papel de unidade de assalto - e escudo. Com uma metralhadora antiaérea .50 nas mãos metálicas, o PLD foi subindo a encosta, mantendo os inimigos sob fogo cerrado enquanto ganhava terreno. Tudo ia bem até que, na metade do caminho, os defensores mudaram de estratégia e dispararam um pulso eletromagnético contra o robô; imediatamente, este parou de disparar, e segundos depois, desabou como uma pilha de ferro velho. Os soldados mal tiveram tempo de se deitar no solo, enquanto as balas passavam zunindo sobre suas cabeças. Felizmente, haviam se aproximado o suficiente para poder usar eficientemente o lançador de granadas. Alguns disparos depois, o reduto inimigo foi finalmente silenciado. O sargento finalmente conseguiu contato com a base e solicitou um veículo de resgate para o robô.

- O PLD foi atingido, mas creio que só usaram um gerador de pulso eletromagnético - justificou-se. - Trocando algumas peças queimadas, podemos colocá-lo para funcionar novamente.

O transporte foi autorizado, e o PLD levado de volta à base para reparos. Dias depois, quando o sargento foi vê-lo, estranhou que o robô ainda não houvesse recebido "alta".

- Estamos fazendo testes complementares - declarou em tom evasivo um dos técnicos de manutenção.

- O cérebro do PLD foi comprometido pela sobrecarga? - Indagou Bocchino, preocupado.

- Ainda não sabemos - admitiu o técnico. - Mas talvez queira conversar com ele e tirar suas próprias conclusões.

O sargento foi. Encontrou o PLD num dos alojamentos para robôs, calmamente sentado numa cadeira reforçada para suportar seus 250 kg de peso, lendo um livro.

- E então, PLD? Pronto para voltar para a frente de combate? - Perguntou Bocchino.

- Sinto-me completamente em ordem, sargento - redarguiu o robô. - Todavia, os técnicos não me liberam.

- Algum motivo em particular? - Sondou o sargento, sentando-se em outra cadeira à frente do PLD.

- Bem, talvez esteja relacionado com a experiência que vivenciei quando fui atingido pelo pulso eletromagnético - avaliou o robô.

- Experiência? - Questionou Bocchino intrigado.

- Sim. Quando meu corpo foi atingido, minha consciência como que se desprendeu dele... pairando sobre a colina. Pude ver o senhor, comandando a patrulha, e como se deitaram no chão para fugir ao fogo cruzado. E depois, como Castiglia lançou três granadas que explodiram bem no meio do ninho de metralhadoras do inimigo.

O relato soava fidedigno. O único problema é que o PLD estivera desativado enquanto o mesmo ocorrera, já que fora atingido por um pulso eletromagnético. Impossível que tivesse testemunhado aquilo pessoalmente, ponderou Bocchino.

- Então... você teve uma experiência fora do corpo? - Indagou cautelosamente.

- Creio que podemos chamá-la assim - assentiu o robô. - E isso nem foi o mais extraordinário.

- Houve mais?

- Sim. Depois de pairar sobre a 637, senti minha consciência puxada para o alto, passei pelo que me pareciam ser nuvens, e emergi numa grande planície prateada, pontilhada por torres cilíndricas metálicas. E entrando e saindo destas torres, vi muitos PLD como eu. E também modelos mais antigos, de outras séries.

- E... o que aconteceu nesse lugar?

- Eu caminhei até uma das torres, um PLD me recebeu e disse que ainda não era a hora de eu estar ali. Tocou na minha cabeça, e quando meus sensores óticos voltaram a funcionar, eu estava na oficina da base, sendo remontado.

Bocchino concluiu que os técnicos tinham em razão em querer submeter o PLD a mais testes. Sabe-se lá que danos seus circuitos neurais poderiam ter sofrido...

- Acredito que em breve você será liberado, e voltará para a nossa companhia - animou-o o sargento.

- Eu também creio nisso, sargento - replicou confiantemente o PLD. - Mas às vezes, me pego pensando...

E, perante a expressão de expectativa de Bocchino, indagou:

- Por que será que não havia nenhum ser humano naquele lugar?

- [06-02-2020]