Imigrantes ilegais

Hector Alvarado irritou-se quando sua filha, Asunción, manifestou interesse em fazer um teste de DNA para detectar possíveis anomalias genéticas.

- Esses testes são perfeitamente inúteis, mi hija! Mesmo supondo que não vão lhe dar um falso positivo, o que já seria bem ruim, caso acertem, o que você poderá fazer para evitar uma doença que está gravada nos seus genes?

- Mas eu posso ao menos me preparar, caso algum problema seja detectado, pai - argumentou a garota.

- O teste lhe dará, na melhor das hipóteses, uma probabilidade estatística de que algo errado pode acontecer; eles nunca garantem nada com 100% de certeza, até porque, as técnicas ainda não estão muito desenvolvidas. E a maioria desses laboratórios comerciais, que fazem testes de ancestralidade e coisas do gênero, vendem os seus dados para outros laboratórios, institutos de pesquisa, e até para o governo.

- Que interesse o governo tem em testes de DNA particulares, pai? - Questionou Asunción.

- Um banco de dados genético de toda a população do país, mi hija - argumentou Alvarado. - Legalmente, eles só podem coletar essa informação de acusados por crimes graves, mas se você, voluntariamente, fornece uma amostra do seu DNA para um laboratório qualquer, onde acha que ela vai parar depois?

- Bem... eu não tinha pensado nisso - admitiu Asunción.

- A maioria das pessoas não pára mesmo para pensar nisso - redarguiu Alvarado. - Ou mesmo, perde tempo lendo os contratos que assinam com esses laboratórios. Caso seu DNA vá parar nas mãos de terceiros, provavelmente não terá com quem reclamar - se ficar sabendo que isso aconteceu, o que acho difícil.

- É uma perspectiva assustadora - concordou ela.

- Muito mais assustadora se lembrar quem preside o país hoje em dia, - prosseguiu Alvarado - e o que ele declarou sobre colher amostras de DNA de todo imigrante que cruzar a fronteira. Imagine se isso for usado contra nós? Por exemplo, identificando parentes de imigrantes ilegais presos pela imigração, e deportando todos, em retaliação!

- Que horror, pai! - Assustou-se a garota.

- É um horror bem próximo, pelo que podemos deduzir do noticiário - reforçou Alvarado.

- Está bem, pai, desisto de fazer o tal teste; pela segurança da nossa família - disse Asunción solenemente.

- Assim que se fala, mi hija! Veja: você não precisa disso, nosso registro genético é perfeitamente saudável, e os Alvarado são conhecidos por sua longevidade.

- Me convenceu! - Afirmou a garota, rindo.

Depois que a filha saiu, Alvarado telefonou para seu compadre Quesada, de uma linha segura.

- Sabíamos que esse dia chegaria, e que iriam usar toda sorte de truque para tentarem nos localizar em meio à população de imigrantes do país - comentou Alvarado. - Essa das tais clínicas de DNA, é só mais uma da série.

- E quando você vai contar para Asunción que o nosso grupo familiar é... bem... diferente?

- Pela tradição, só posso fazer isso quando ela completar 18 anos e tiver a noção exata do que significa ser um de nós - replicou Alvarado. - Felizmente, este dia está chegando.

- O Dia da Responsabilidade - ponderou Quesada.

- O dia em que celebramos nossa vinda para este mundo - finalizou Alvarado.

- [23-01-2020]