A visita do avaliador

Entrei no palacete com um certo receio, prancheta nas mãos, como se estivesse adentrando o covil de alguma besta pré-histórica - um urso ou leão-das-cavernas, talvez. A cena com a qual me deparei, certamente não contribuiu para tranquilizar meus temores.

- Você... usa isso tudo? - Indaguei cautelosamente ao meu anfitrião.

- Como assim? - Replicou ele, perplexo.

- Todas essas... coisas... - aludi, fazendo um gesto para a sala imensa atravancada de objetos, muitos dos quais eu não tinha a menor ideia para o quê serviam.

- Aqui há itens de decoração nestas estantes... algumas antiguidades... estátuas... tapetes raros... quadros nas paredes... e livros - comentou, mão no queixo. - Vocês usam quadros e livros, imagino.

- Apenas os livros de referência imprescindíveis - informei, mãos atrás das costas, prancheta sob o braço. - Qualquer outra coisa, pode ser encontrada numa biblioteca comunitária. Quanto aos quadros, há quem os aprecie, mas nunca vi tamanha profusão como neste único aposento. Talvez, apenas num museu...

- Creio que você pode pensar neste ambiente como um museu... um museu pessoal - divagou, em tom de desculpas. - São lembranças da minha família, há quadros pintados por meus antepassados, fotografias deles...

- E por que não leva tudo isso para um museu de verdade, onde poderão ser vistos por outras pessoas? - Questionei.

- Bem... como eu disse, tudo isso é muito pessoal. Eu não gostaria de ter que dividir com mais ninguém - admitiu, constrangido.

- Você mora só, aqui? - Questionei.

- Sim... hoje sim.

Balancei a cabeça, num gesto menos de concordância e mais de concretização de expectativas. Isso apenas tornava as coisas piores.

- Imagino que tenha um armário cheio de roupas - avaliei. - E uma sapateira.

- Na verdade, um closet - confessou, acabrunhado.

Se ele não dissesse, eu fatalmente acabaria por descobrir, é claro.

- O que vocês irão fazer com esta casa? - Perguntou, finalmente.

- Ela é grande demais para os nossos padrões - ponderei. - Grande demais para servir de residência, mesmo para uma família numerosa... e nós não temos famílias numerosas.

Olhei ao meu redor, para as paredes e espaços atravancados de coisas, belas, sem dúvida, mas perfeitamente inúteis. Ainda mais para um homem solitário.

- Talvez façamos dela um museu, mostrar como era o modo de vida das pessoas influentes do seu povo - cogitei. - Mas, você sabe, não sou eu quem toma essas decisões, apenas faço o trabalho de avaliação. Se isso ocorrer, você poderá vir sempre aqui, relembrar seus antepassados...

Eu sabia que essa hipótese era improvável. Já tínhamos vistoriado muitos palacetes como aquele, naquele mesmo bairro, e o que menos precisávamos era de monumentos à uma cultura perdulária e egocêntrica. Provavelmente, todo o entorno seria posto abaixo, e uma bela floresta plantada por cima, para que alguns dos efeitos deletérios daquela civilização sobre o próprio planeta, pudessem ser mitigados. Mas o sorriso no rosto do meu anfitrião, quando eu disse aquelas palavras, o fez acreditar, por um minuto que fosse, que o poder de persuasão da sua sociedade decadente ainda pudesse prevalecer.

Não mais, pensei, não mais.

- [17-12-2019]