Unidade de conservação

Caminhávamos com cuidado pela mata, tentando fazer o mínimo de barulho naquele início de manhã. Ao nosso redor, árvores centenárias, troncos cobertos de musgo, onde volta e meia surgiam focinhos curiosos de macacos, ou pássaros coloridos esvoaçavam por entre os ramos.

- Estão ouvindo? - Indagou em voz baixa o nosso guia. - O rio é mais à frente.

Eu e Júlia apuramos os ouvidos. Sim, o ruído de água corrente já era perceptível, havia uma pequena corredeira no ponto onde a torrente deixava as montanhas cobertas pela selva tropical e adentrava a grande planície para onde nos dirigíamos.

- Geralmente, eles vêm buscar água à essa hora - explicou o guia, pisando com cuidado sobre o solo coberto por uma grossa camada de folhas mortas. Com a nossa passagem, insetos rastejantes e pequenos lagartos corriam em busca de abrigo, evitando serem pisoteados.

- Aqui há lacraias de meio palmo de comprimento - sussurrou Júlia, apertando meu braço.

- Não parece ser um bom lugar para se tirar uma soneca - ponderei.

- Há lugares melhores para descansar, se desejam parar - comentou o guia, afastando alguns ramos secos do caminho.

- Não, está tudo bem - redarguiu Júlia. - Paramos às margens do rio, como combinado.

Seguimos por talvez mais uns dez minutos, vagarosamente e em silêncio, até que o guia fez sinal de alto. Dedo nos lábios, apontou com a outra mão para a paisagem que se descortinava além das árvores à nossa frente: um barranco, e depois o rio, que corria rápido por entre pedras escuras. E junto a água, uma grande onça-pintada bebia, despreocupadamente. Paramos, e Júlia ergueu a câmera para tirar algumas fotos. Subitamente, o animal ergueu a cabeça e as orelhas, olhando diretamente para a margem oposta, a cauda movendo-se sinuosamente. Vimos então o que havia despertado a atenção da onça: um grupo de cerca de dez índios, corpo pintado de preto e vermelho, com longos arcos e flecha nas mãos.

Certamente não era a primeira vez em que a onça se deparava com os índios, e sabia o que poderia esperar do confronto. Rodou sobre os calcanhares, e rápida como uma flecha, partiu na direção onde estávamos eu, Júlia e o guia. Nós a vimos passar a menos de um metro de nós, levantando uma pequena nuvem de folhas enquanto corria para a segurança da mata densa. No outro lado do rio, o grupo de índios desistiu da perseguição e também desapareceram entre as árvores da sua margem.

- Pegou tudo? - Indaguei para Júlia, de olho no visor de LCD da câmera.

- Sim, as imagens ficaram excelentes! - Replicou ela, voltando-se depois para o guia. - Será que podemos chegar mais perto dos índios? Tirar algumas fotos da aldeia?

Ele abriu as mãos num gesto de desculpas.

- Essa parte do programa ainda não foi implementada - declarou. - Por ora, o que vocês podem fazer é registrar esses encontros fortuitos, no meio da selva. Uma interação com seres humanos exige muito mais capacidade de processamento do que a exigida para animais, mesmo de grande porte como essa onça que viram.

Tínhamos uma ideia de que essa seria a resposta, mas a ideia da reserva natural virtual era bem-vinda. Principalmente num mundo onde índios e florestas tropicais eram coisas do passado, destruídos pela agricultura intensiva e pela especulação imobiliária.

- Talvez queiram fazer uma pausa agora, fora do simulador - sugeriu o guia.

Cheguei a levantar a mão para os óculos de realidade virtual que cobriam meus olhos, mas Júlia me interrompeu, tocando em meu braço.

- Vamos até a margem do rio, quero ter a experiência completa...

Caminhamos mais algumas dezenas de metros até um remanso abaixo das corredeiras, onde viam-se pequenos peixes nadando contra a areia escura. Júlia descalçou as botas e entrou até as canelas na água.

- Quanto realismo! - Exclamou alegre. - Está fria!

- Melhor não se demorar - alertou o guia. - Há sanguessugas na lama...

Júlia saiu rapidamente.

- Acho que vou pular essa parte da experiência interativa - declarou, antes de tocar em seus óculos e desaparecer da realidade simulada perante os nossos olhos.

- O que acontece se alguém mergulhar no rio? - Indaguei ao guia, antes de desconectar meus óculos.

- Por ora, não é uma experiência das mais emocionantes - informou. - Mas em pouco tempo, você poderá estar nadando no meio de botos-cor-de-rosa...

Aquilo sim, prometia ser divertido, imaginei. E provavelmente iria requerer também um grande tanque de água dentro do simulador...

- [15-12-2019]