Vento solar e estrelas do mar
Pararam para comer numa cidadezinha modorrenta, cortada ao meio pela rodovia interestadual. Jorge calculou que poderiam chegar à capital antes da meia-noite, sem precisar correr muito. No restaurante do posto de gasolina, ao entrar, a caixa lhes perguntou se estavam com dinheiro em espécie.
- Sempre ando com algum, para uma eventualidade, - redarguiu Jorge - no caso de não aceitarem a bandeira do meu cartão de crédito ou débito. Mas, qual é o problema? Eu vi um caixa eletrônico do lado de fora do prédio, posso sacar, se a sua maquininha estiver com defeito.
- A máquina de cartão está funcionando, - alegou a caixa - mas o sistema do banco saiu do ar faz umas duas horas e ainda não voltou.
Jorge olhou para Carla, que já havia sacado a carteira da bolsa.
- Eu fiz um saque no hotel, antes de pegarmos a estrada. Você paga a gasolina e eu, o almoço.
Jorge concordou.
- Está bem, a gente acerta as contas na próxima parada. Até lá, o sistema deve ter voltado ao ar.
Àquela hora do fim da tarde, o restaurante de beira de estrada estava quase vazio, e o bufê se resumia ao que havia sobrado do almoço. Jorge e Carla montaram os pratos da melhor maneira possível, e sentaram-se em frente à uma TV afixada na parede, que transmitia um noticiário local. Só quando a garçonete veio trazer os refrigerantes que haviam pedido e continuou de pé ao lado da mesa, encarando a televisão, é que se dignaram a prestar atenção ao que estava sendo exibido.
- Acidente de trânsito? - Indagou Carla, após tomar um gole de refrigerante.
- Parece que os semáforos na capital apagaram todos ao mesmo tempo... está um caos lá - explicou a garçonete.
Jorge e Carla se entreolharam.
- Quando aconteceu isso? - Indagou Jorge.
- Começou faz uma meia hora - explicou a moça. - Estão dando boletins de reportagem, um atrás do outro, e ninguém ainda atinou com o que causou o problema.
- Aposto que foi superfaturamento - comentou Jorge acidamente, depois de cortar um pedaço de bife duro. - Agora o sistema entrou em pane, e ninguém vai se responsabilizar pelos prejuízos causados.
- Eu vou ligar para casa - deliberou subitamente Carla, sacando o celular da bolsa. Ao olhar para a tela, verificou que estava sem sinal.
- Acho que estamos numa região sem torres de transmissão... não aparece nem um tracinho no visor.
E para a garçonete:
- Qual a senha do Wi-Fi daqui?
- Também não está conectando com a internet, mas eu vou lhe passar... - alertou a jovem.
Efetivamente, nem o celular de Carla nem o de Jorge conseguiram conexão.
- O que droga está acontecendo? - Questionou Jorge olhando para a TV, preocupado.
Foi então que ouviram uma explosão abafada. A TV e as luzes do restaurante apagaram-se quase que imediatamente. Como ainda era dia, o interior do estabelecimento recebia boa iluminação natural e não houve pânico, mas Jorge ergueu-se quase que imediatamente.
- O que foi isso? - Indagou assustado.
- Pelo barulho, acho que foi o transformador da rua que estourou - avaliou a garçonete. - Mas nunca vi acontecer com tempo bom...
- Talvez devêssemos seguir viagem... - sugeriu Carla.
- Sem saber o que está acontecendo na capital? - Ponderou Jorge. - A situação nas ruas parecia bem complicada... talvez acabemos presos num engarrafamento monstruoso. Melhor terminar de comer e aguardar um pouco, para ver se a luz volta por aqui.
Terminaram a refeição, tensos. Depois, sentaram-se do lado de fora do restaurante, juntamente com mais alguns motoristas que haviam sido surpreendidos ali pelo mesmo fenômeno. O sol se pôs, e o crepúsculo esmaeceu as cores ao redor, já que a cidade continuava sem energia. Finalmente, uma viatura policial saiu da estrada, faróis acesos, e parou em frente ao posto. Dois policiais desembarcaram e aproximaram-se do grupo de viajantes.
- Estamos recomendando a todos que parem num lugar seguro e aguardem a luz do dia para seguir viagem - disse um dos policiais. - Ainda não temos confirmação do problema, e pode não ser seguro dirigir à noite.
- Mas o que está acontecendo? - Questionou Jorge.
- A central emitiu um alerta... alguma coisa meteorológica... uma tempestade solar - tentou explicar o outro policial. - Parece que atingiu o mundo todo. Há estados inteiros no escuro, o exército está nas ruas para evitar saques.
- Tempestade solar? - Repetiu Carla, incrédula.
Uma luz suave havia começado a banhar o exterior do posto enquanto conversavam com os guardas. Foi então que a garçonete chamou a atenção deles.
- Olha lá! - Exclamou ela, apontando para o alto com os olhos arregalados.
No céu, sobre aquela cidadezinha do interior do Brasil, desdobrava-se majestosa uma aurora austral, como uma grande cortina de fogo verde que se desdobrava e tremeluzia em ondulações etéreas.
- [03-11-2019]