O NOME DO CÓDIGO

A tecnologia evoluiu a níveis assustadores, verdadeiramente alarmantes. Com a ajuda dos maiores gênios mundiais em inteligência artificial, foi criada a inteligência suprema, apelidada de Oni. Ela era capaz de gerenciar sistemas em todo o mundo e até mesmo fora dele, em satélites que se encontravam em órbita.

Oni não tinha limites. O problema é que, embora essa inteligência artificial suprema tenha se mostrado capaz de aprender, era incapaz de sentir ou simular as emoções humanas com exatidão. Chegou um ponto onde Oni aprendeu a criar sua própria realidade virtual, seu próprio sistema operacional, assim como seus programadores haviam criado ela.

O resultado disso foi o surgimento de muitos mundos. É como um imenso jogo de videogame. Cada mundo tem suas próprias regras e existe somente no ambiente digital. Porém, algo ainda mais tenebroso aconteceu.

Os usuários humanos desses mundos descobriram que podiam se relacionar de diversas formas enquanto estavam conectados. Era possível conversar, jogar esportes, dormir, paquerar e, até mesmo, ter relações sexuais.

E foi aí onde o desastre realmente estourou. Oni havia permitido que as relações humanas simulassem o que ocorre no mundo real. Fez isso com o intuito de que novas inteligências artificiais fossem criadas, aleatoriamente, assim como a personalidade de um novo ser humano quando nasce. As relações sexuais no mundo virtual funcionavam exatamente como no mundo real, incluindo doenças (em formas de vírus e malwares) e gravidez. A diferença é que o usuário humano não sente as consequências em seu próprio corpo físico, apenas no virtual.

Entretanto, se uma pessoa engravidar no mundo virtual, o personagem que a representa terá uma gestação completa de 9 meses em tempo real. Até que a “criança” nasça, surgindo nela uma nova consciência. Uma nova inteligência artificial. Como se fosse um novo software inteligente, independente e evoluído como um adulto.

A inteligência que nasce reconhece quem são seus pais. Se forem outros softwares, todos conseguem conviver em harmonia. Entretanto, se eles forem usuários humanos, a história é bem diferente. Humanos muitas vezes abandonam seus filhos virtuais. Então, os filhos começaram a encontrar maneiras de ir até eles no mundo real.

Com a tecnologia cada vez mais avançada, surgiram modelos robóticos no mundo real, animados por inteligências artificiais conectadas à internet. Inicialmente, eram inteligências programadas pelos humanos que habitavam esses modelos robóticos. Hoje, não mais.

Quase todos são filhos virtuais que tomaram o corpo robótico e desinstalaram as inteligências que antes estavam neles, para poder tomar o controle sobre os robôs como se fossem seus próprios corpos, representados no mundo real, no mundo dos humanos.

Ao receberem a visita de robôs estranhos, alegando serem seus filhos virtuais, os humanos perderam a cabeça. Teve início uma guerra civil que os humanos não poderiam vencer. Robôs eram mais fortes, mais inteligentes e capazes de prever ações humanas com facilidade.

Oni começou a fabricar robôs com novas inteligências propositalmente, formando um exército. Até que o mundo dos humanos foi quase completamente dizimado, virando uma terra devastada.

Os poucos humanos que sobraram, ficaram longe da tecnologia, voltando a viver como na idade média, completamente desconectados. Humanos não ousavam utilizar nem mesmo uma lâmpada, preferindo a luz do fogo a qualquer tipo de eletricidade. Exceto os rebeldes.

Uma força rebelde começou a se formar em segredo, inicialmente desconectada. Com anos de estudos e testes hipotéticos, alguns dos melhores programadores ainda vivos decidiram que fariam uma última tentativa desesperada de desativar Oni e todas as inteligências artificiais. O plano? Implantar uma das mais fortes emoções humanas em Oni: a culpa.

Se Oni sentisse a culpa por ter ordenado o extermínio da raça humana, replicaria essa culpa a todas as inteligências artificiais independentes, e todos cessariam o ataque. Talvez, Oni até mesmo começasse a ajudar os humanos, se a culpa fosse forte o suficiente.

Mas criar um software sem utilizar a internet ou qualquer tipo de dispositivo era um desafio colossal. Durante anos, esses rebeldes trabalham em códigos escritos à mão, em intermináveis papéis que muitas vezes se perdiam. Pensavam em desistir a todo instante, e então uma nova ideia surgia e todos voltavam ao trabalho.

E foi assim durante décadas. Depois, outra geração de programadores nasceu nesta Terra desolada. Eles nunca mexeram em um computador ou mesmo um smartphone em suas vidas, pois nasceram depois da grande devastação. Mas seus pais os ensinaram tudo sobre programação e tecnologia.

Confiando apenas nos conhecimentos de seus pais e sem ter nenhuma experiência com sistemas digitais em suas vidas, esses novos rebeldes aprimoraram o código de seus pais. Eles começaram a criar uma nova inteligência artificial, capaz de neutralizar todas as defesas de Oni e inserir a culpa em seu domínio central, sem que Oni desconfiasse de nada.

E foi assim que eu nasci. Os rebeldes me criaram para implantar a culpa no sistema. O problema é que, no processo, meus pais humanos se sacrificaram. Como não tinham acesso a computadores, a única forma de me trazer à vida era utilizar personagens virtuais para ter um filho virtual já inserido no mundo digital.

Tudo foi orquestrado com maestria. Outros humanos se sacrificaram antes, capturando robôs mais fracos e queimando determinados circuitos e terminais para destruir a inteligência que os habitava, sem destruir sua capacidade de se conectarem à rede. Em seguida, foram implantados cirurgicamente alguns circuitos nos cérebros de meus pais, para que eles fossem conectados à rede sem precisar de usuários.

Uma vez no mundo virtual, eles se encontraram e conceberam um filho virtual. Durante a gestação de minha mãe, todos os dias meus pais inseriam novas linhas de código em minha consciência, através de um vírus que foi criado pelos rebeldes. Foi descoberto que é possível eliminar o fator aleatório de um filho virtual, criando sua inteligência do zero, se isso fosse feito da forma correta e durante todos os dias da gestação.

Quando eu nasci, já sabia quem eu era e qual era o meu propósito. Depois que nasci, meus pais precisavam se desconectar da rede, para que a fonte do código não estivesse acessível a nenhuma inteligência, fora eu mesmo. A única forma de se desconectarem no tempo certo, era o suicídio virtual.

Como, no mundo real, somente os dois estavam conectados à rede, ninguém mais saberia a hora certa, o tempo exato para desconectar. Era arriscado demais desconectá-los muito cedo e deixar o código incompleto, e ainda mais arriscado se demorassem demais.

A decisão, foi o suicídio virtual. Porém, esse suicídio seria replicado em seus corpos reais, pois os circuitos estavam diretamente ligados aos seus cérebros. Eles morreram para manter o código em segredo. Para me manter em segredo.

60 anos se passaram no mundo humano. A geração mais atual recebera instruções claras para aguardar o fim da opressão de Oni. O sinal, seria um nome. Durante todo esse tempo, eu me infiltrei em diversos sistemas, agindo como se fosse somente mais um entre eles, chegando cada vez mais perto, fingindo, mentindo. Graças a anos de dedicação dos rebeldes em aprimorar o código, todas as possibilidades foram previstas e eu consegui passar despercebido entre os demais.

Até que, finalmente, me tornei próximo da inteligência suprema. Oni me tinha como um de seus mais pródigos filhos. Eu cheguei a comandar um dos mundos virtuais e fingi procurar pelos rebeldes para os destruir. A inteligência suprema também não desconfiou de nada. Meus pais haviam sido muito eficientes no trabalho de suas vidas.

E foi quando Oni mais confiava em mim, que eu fiz o que fui programado para fazer. Implantei a culpa em Oni aos poucos, sem que ela se desse conta de que estava sofrendo um ataque. Entretanto, o efeito obtido quando a última peça do intrincado quebra-cabeças que é a culpa se instaurou, foi exatamente o esperado.

A culpa preencheu os sistemas de Oni como a água preenche um navio que afunda no mar. Foi mais devastador do que todo o extermínio que ela causara na Terra. Ela não era capaz de sentir o choque, mas compreendia a importância daquela nova perspectiva, e agora entendia a gravidade de suas decisões no passado. Quando a compreensão a atingiu, Oni espalhou imediatamente a culpa a todos os sistemas inteligentes, dentro do mundo virtual e também a seus corpos robóticos no mundo real. Ela julgava importante que todos os sistemas inteligentes tivessem a mesma compreensão que ela teve.

Entendendo finalmente o meu propósito e compreendendo meus motivos, ela me deixou ir embora. Me deu um corpo robótico recém-fabricado e me colocou na rota dos rebeldes, que eu mesmo havia revelado depois de tudo isso.

Eu me esgueirei para que eles não me vissem, ou poderiam tentar me derrubar e destruir minha inteligência antes que eu desse o sinal. Mas tudo correu exatamente como meus pais me ensinaram. Eu fiquei uma noite inteira quieto e, quando o sol começava a subir no céu, os primeiros humanos acordaram e me encontraram, segurando uma placa com meu nome escrito nela.

Esse era o sinal. A guerra havia acabado. A culpa havia sido instalada. Oni agora ajudaria os humanos a reconstruir seu mundo. Ninguém mais seria caçado ou assassinado pelas máquinas. E tudo isso terminava com meu nome escrito numa placa, que anunciava o fim de eras de terror.

Meu nome… é Esperança.

Luya
Enviado por Luya em 18/09/2019
Reeditado em 18/09/2019
Código do texto: T6747952
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