CONTO SOBRE UM CONTO- O FUTURO QUE JÁ VIVEMOS

 
SINOPSE: Um Cântico Para Leibowits- por Walter M. Miller-1956


     Numa abadia medieval monges copiam, gerações após gerações, documentos contendo trabalhos de Leibowitz, o beato fundador da sua Ordem, sem entender o significado desses escritos. Leibowitz foi canonizado pelo Novo Vaticano e se tornou um santo, mas ele era, na verdade, um cientista judeu que vivera antes de a civilização ter sido destruída por uma guerra atômica. 
    As relíquias do santo, tão cultuadas e copiadas pelos monges, na verdade, são meras listas de mercearia, um bilhete de loteria e desenhos de sistemas de controle elétrico, mas para os monges, que nada entendem disso, eles são objetos sagrados. 
     Na época em que Leibowitz era vivo, vigia um regime de governo totalitário que desconfiava de todo mundo, principalmente dos cientistas . Ele se refugiou em um mosteiro para não ser preso.       Sobreveio uma revolução e o governo foi derrubado. Os novos líderes, pessoas ignorantes e sem nenhum preparo, suspeitaram que Leibowits era um cientista que trabalhava para o governo anterior desenvolvendo projetos tecnológicos bastante sofisticados, razão pela qual ele foi preso e martirizado durante a era da Simplificação, época em que os sobreviventes da guerra caçavam os técnicos e os cientistas, culpando-os pela catástrofe. Séculos depois, quando a civilização se organizou novamente e um Novo Vaticano foi instalado para administrar a religião, a memória de Leibowitz foi recuperada e ele se tornou um santo, pois suas anotações e  trabalhos foram as únicas relíquias que foram encontradas nas ruínas do antigo convento.

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    Imagine-se um mundo devastado por uma guerra atômica, onde os únicos sobreviventes são as pessoas que viviam longe dos centros tecnológicos mais desenvolvidos. Gente que não conheceu rádio, televisão, internet, telefone, computador, etc. 
    Imagine-se também que toda informação foi armazenada em poucas fontes e que essas fontes também são destruídas com os demais depósitos de tecnologia e saber.
    Se você conseguiu visualizar um cenário como esse, pode imaginar que é exatamente o que estamos vivendo nos dias de hoje.     
    Praticamente estamos caminhando para um mundo onde todo o saber da humanidade, em pouco tempo, estará contido em poucos pacotes de informação, tipo google, youtube, uol, instagran, etc. E toda essa informação estará armazenada numa só rede, a qual estará, por sua vez, sediada em satélites.
    Fácil de imaginar, não é? Um mundo assim é fácil de desmoronar. Esse é exatamente o tema do conto fantástico de Walter M. Miller. Ele descreve um mundo que foi destruído por uma guerra atômica. Toda a tecnologia, toda a informação, todo o saber organizado desapareceu e só restou fragmentos incompreensíveis das antigas conquistas tecnológicas e espirituais das civilizações destruídas pela guerra.

     Apenas as pessoas mais simples, aquelas que viviam longe da civilização, sobreviveram. Como, por exemplo, os nossos índios lá no meio da selva amazônica, que nenhum contato têm com o mundo civilizado, e por isso nada entendem da sua cultura, da sua técnica e do modo que vivem. No mundo que conhecemos restaram as cidades destruídas, com suas carcaças de máquinas, restos arqueológicos de edifícios, pedaços de equipamentos, fragmentos de livros e outros resquícios do saber humano, fragmentados, destruídos, carcomidos pelo tempo e pela destruição sistemática que se seguiu logo após o término da guerra. E os sobreviventes, enlouquecidos e enfurecidos pela destruição causada pelas bombas e pela ação da radiação, puseram-se a caçar e queimar nas fogueiras de uma Nova Inquisição, os técnicos e os cientistas, culpando-os pela catástrofe.
      Depois de alguns séculos de barbárie e perseguição, feita por uma Inquisição promovida por um Novo Vaticano, a humanidade voltou a organizar-se. Então os monges da nova igreja começaram a recolher restos de documentos da antiga civilização, como os monges da Idade Média faziam com os restos do conhecimento das civilizações anteriores, e a desenterrar artefatos e documentos oriundos desse passado morto, os quais foram a copiados e recopiados, sem que ninguém pudesse entender o significado e a utilidade deles. Na falta de um conhecimento técnico e científico, esses artefatos foram tomados como objetos de culto religioso. E as ideias e fragmentos de trabalhos científicos como expressões de um espírito místico, que os monges do Novo Vaticano imaginam que os antigos possuíam. Mas ou menos como julgamos hoje, os antigos egípcios, os maias, os gnósticos e os hindús da antiguidade.
      A ideia sugerida pelo autor é bastante clara. O que aconteceu no passado, quando o Império Romano caiu e as tribos bárbaras ocuparam as antigas províncias romanas é um exemplo disso. Pouco a pouco, as conquistas de uma civilização que havia ocupado a metade do mundo conhecido se perderam. As pessoas educadas, os técnicos e os cientistas  morreram e não conseguiram transmitir seus conhecimentos, pois os seus sucessores bárbaros não eram capazes de entendê-los. 
      Por outro lado, a evangelização promovida pelo Vaticano não poupou a rica literatura e o saber tradicional dos povos catequizados. A intolerância dos catequizadores mandou para a fogueira a grande maioria dos livros antigos e seus autores, cujo conteúdo não estava de acordo com o novo saber, e aboliu os costumes, crenças e tradições, que na opinião da Igreja de Roma, não eram consentâneos com a moral e a ética da nova religião. 
      Como não entendiam absolutamente nada do que estavam lendo, ou dos costumes e práticas dos povos que estavam catequizando, acabaram enterrando, junto com as superstições e as lendas desses povos, todo o antigo saber que a humanidade acumulara em vários milênios de civilização. 

      Foi preciso que a civilização ocidental iniciasse uma nova marcha para o Oriente, onde a sanha dos catequizadores, cristãos e muçulmanos principalmente, não conseguiu substituir as conquistas do engenho humano por um conjunto de dogmas obscuros e doutrinas intolerantes, para que a civilização ocidental recuperasse o seu rumo. Isso aconteceu com as Cruzadas e depois com a Renascença. Mas antes disso, quase mil anos de obscurantismo e ignorância se passaram.
      A pergunta que fica é: Quantas vezes isso terá acontecido no passado? No atual estágio da arqueologia, nós ainda não conseguimos entender a civilização egípcia pré-histórica, aquela que floresceu antes das pirâmides. Quem sabe, os textos escritos até agora recenseados, que os antigos deixaram nas ruínas dos monumentos históricos e no conteúdo místico de suas lendas, não contenham o testemunho de um saber desconhecido que ainda não conseguimos decifrar? 
      O que terá sido, por exemplo, a famosa Atlântida de Platão, cuja memória  remanesce nas lendas da maioria dos povos antigos? E que informações contém os megalitos da Ilha da Páscoa, os templos dos maias, astecas e povos andinos anteriores aos incas, perdidos nas selvas da América Central, e nos altiplanos do Perú , onde ainda sobrevivem as memórias de uma civilização desconhecida e muitas vezes milenárias? 
     O conto de Walter M. Miller não é apenas uma peça literária de muita imaginação. É uma indagação que nos dá muito o que pensar. Será que é prudente ficar armazenando a totalidade da informação em poucos pacotes eletrônicos?

     Em alguns anos mais todo o saber da humanidade estará depositado em computadores, os quais estarão interligados em rede. As fontes de energia, a partir das grandes usinas elétricas, térmicas e atômicas também estarão acumulando praticamente a totalidade da energia utilizável. Quando mais essa centralização se dá, maior o perigo de uma pane. Temos visto isso com os apagões que constantemente ocorrem e nos deixam muito preocupados. 
     Um Cântico Para Leibowitz foi publicado nos meados dos anos cinquenta (1956,57,58). Há mais de meio século, portanto. Ele não é apenas mais um fenômeno de antecipação, como as Mil Milhas Submarinas, de Júlio Verne, ou Mandrágora e o Terror, de Hans H. Ewers e outras obras de ficção que antecipam o futuro. É principalmente, um bom motivo para reflexão.