CLICHÊ

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Miguel Carqueija




O rapaz materializou-se no quarto da casa, no momento em que outro rapaz examinava uns papéis em sua escrivaninha.
- Aqui estou, vovô! Vim para matá-lo!
- Que história é essa? Quem é você, como entrou aqui?
- Não está vendo que eu apareci do nada, velho idiota? Estou falando sério, sempre te odiei e vim te matar – e apontou o revólver.
- Espere, explique-se! Deve haver algum mal-entendido, eu não sou velho e muito menos o seu avô! Aliás eu nem te conheço!
- Pois saiba que eu sou o teu neto, sim. Estou vindo de 60 anos no futuro, não está vendo este aparelho a tiracolo? É a minha máquina do tempo, invenção minha modéstia à parte! Estou vindo me vingar de todas as perseguições que fez contra mim e contra mamãe, por ter ficado a favor de meu pai contra ela, por todas as tuas safadezas...
- Mas veja bem... apesar de que eu não acredito no que me diz, mas se for verdade... eu ainda nem fiz as coisas de que me acusa!
- Mas para mim já fez, velho safado, tudo isso já é do meu passado!
- Mas se você me matar... você morrerá imediatamente. Não está vendo, seu imbecil? Se eu ainda nem gerei o seu pai, aí muito menos você nascerá...
- Conheço essa história do paradoxo do avô. Mas não cola. Já estudei o assunto, pois entendo de física quântica, e cheguei à conclusão de que eu não desaparecerei.
- Tem certeza?
- Absoluta. Isso é apenas uma lenda. Já que eu estou vivo, que eu existo materialmente, a minha existência independe agora do princípio. Você deixará de gerar o papai em outra linha temporal, pois esta não poderá ser destruída. Como vê, eu pensei em tudo e agora chega, vou acabar com a tua raça!
Engatilhou a arma. O outro, porém, atirou primeiro, com a arma que havia tirado sorrateiramente da gaveta.
O invasor tombou fulminado, vitimado por uma bala no coração. O dono da casa se ergueu e, ao examinar o cadáver, monologou:
- Você cometeu um erro de qualquer forma. Se realmente não iria sumir com a minha morte, também não poderia me matar. É simples. Se os paradoxos não podem acontecer, então você não poderia matar o seu avô antes do seu nascimento e continuar vivo. Mas é claro que poderia morrer, pois isso em nada afetaria a minha existência.
Após alguns minutos o cadáver desvaneceu e sumiu, com as roupas, a arma e o aparelho. O sobrevivente, que ainda examinava os papéis do morto e constatara a sua identidade com data futura de nascimento, e testemunhou esses mesmos papéis desaparecerem diante de seus olhos, enxugou o suor da testa e concluiu:
- Sem dúvida era uma máquina do tempo... já programada para o retorno. E ninguém saberá quem atirou nele. Começo a entender porque ocorrem tantos crimes insolúveis...



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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 07/08/2019
Código do texto: T6714222
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