População: 4

[Continuação de "Cidade Morta"]

O heliponto do Complexo Hospitalar Berceaumès apresentava uma plataforma que se apoiava diretamente sobre um pequeno centro de recepção abaixo dele, e onde decidimos montar nossa base operacional. As estruturas eram interligadas por uma escada externa e uma rampa (provavelmente para facilitar a passagem de macas), a qual ostentava ainda um pequeno elevador em plano inclinado (para transporte de cadeiras de roda ou similares). No interior do centro de recepção, intacto mas empoeirado, havia dois elevadores e escadarias para os andares inferiores.

- Portas corta-fogo não foram projetadas para ficarem trancadas, mas vamos adaptar um fecho nesta - avaliei, após analisar a entrada da escadaria. - Pode desincumbir-se disso, Martim?

- Claro, Lucas - redarguiu ele, indo buscar o equipamento de solda.

Jana e Susana já haviam instalado os quatro geradores de campo, um em cada quina da parte externa do centro de recepção. Jana também ponderara que talvez aquilo não fizesse muito sentido.

- Sei que é procedimento de segurança padrão, mas de que adianta ter geradores de campo cercando uma área que só pode ser alcançada pelo ar... ou de dentro?

- A escadaria interna é o nosso ponto cego, já que os elevadores obviamente não funcionam por falta de energia - repliquei. - Vamos ter que descer e fazer uma avaliação rápida dos andares abaixo antes de decidir se vale a pena mudar a disposição dos geradores.

Martim estava trabalhando no fecho da porta corta-fogo, e decidi que deixaria Susana e o ADA 421 com eles. Eu e Jana descemos então para o andar inferior pela escadaria escura, pistolas .40 em punho e o ADA 687 à nossa frente com suas luzes de navegação acesas.

- Estamos em frente à porta corta-fogo do sexto andar - informei pelo transceptor. - O ADA vai abrir e fazer uma varredura.

Cautelosamente, o autômato abriu a porta, revelando um pequeno hall, do qual partia um corredor longo e vazio, com portas em ambos os lados. Ali havia uma claridade difusa, que entrava pelas janelas de algumas das salas laterais, e o ADA desligou as suas.

- Avaliação de perímetro? - Indaguei ao autômato.

- Seguro, até o nível do solo - declarou ele.

Eu e Jana nos entreolhamos, aliviados.

- O ADA varreu o Berceaumès e ele está oficialmente limpo - informei pelo transceptor.

- Ótima notícia! - Respondeu Susana. - Descemos ou ficamos aqui?

- Fiquem aí - determinei. - Como essa é uma avaliação preliminar, vamos apenas dar uma olhada nos outros andares e depois subimos para revisar o levantamento detalhado que faremos a partir de amanhã. Alguma possibilidade de termos água nos chuveiros do centro de recepção?

- Martim vai trabalhar nisso... mas pelo que pude ver, ainda há água na caixa do prédio - informou Susana.

Jana e eu prosseguimos nossa caminhada ao longo do corredor, precedidos pelo ADA, que lembrava um grande caranguejo metálico. Algumas das portas estavam entreabertas, outras fechadas. Ao passarmos em frente ao Centro Cirúrgico, verificamos pelo vidro da porta que havia um corpo coberto por um campo operatório sobre a mesa de cirurgia.

- Alguém morreu aqui - comentei sem necessidade, batendo no vidro com o cano da pistola.

- Não haviam informado que toda a população havia sido desintegrada? - Inquiriu Jana.

- Talvez estar consciente fosse um pré-requisito para a desintegração - ponderei. - Talvez as pessoas que estivessem sedadas ou em coma não tenham sido atingidas... e morreram por falta de assistência médica.

- Que coisa horrível - murmurou Jana.

E, ao dobrarmos uma esquina para acessar uma ala de enfermarias, voltou ao assunto:

- Quando descemos aqui, meu primeiro pensamento foi de que a população de Eycaster era agora de quatro pessoas... o nosso grupo. Mas se essa condição de estar consciente for verdadeira, é possível que haja outros sobreviventes espalhados pela cidade.

- E por que os militares não tentaram contatá-los ou nos advertiram sobre essa possibilidade?

- Talvez nem mesmo eles tenham atinado para isso - replicou Jana. - Afinal, somos os primeiros que põe os pés aqui depois de... o quê? Dez anos?

- Algo assim - assenti.

Na enfermaria, o primeiro sinal de que uma atividade rotineira havia sido bruscamente interrompida: um copo partido e uma prancheta com formulários presos, caídos ao chão. Em dois dos leitos, corpos enegrecidos e ressecados.

- A sua hipótese parece começar a fazer sentido - declarou Jana, solenemente.

[Continua]

- [28-07-2019]