Um pequeno passo ...

“Aqui, homens do planeta Terra pisaram pela primeira vez na Lua. Julho de 1969. Nós viemos em paz, em nome de toda a humanidade”.

A pequena placa agora repousaria pelos próximos milhares ou milhões de anos na superfície acidentada da Lua. Os dois solitários astronautas, por um breve momento, ficaram olhando-a. O que se passava em seus corações e mentes naquele precioso instante serviria de inspiração para poetas e toda sorte de artistas por muitas gerações.

Dirigiram um último olhar para a placa e em seguida foram instalar um pequeno aparelho refletor de radiação eletromagnética.

Centenas de fotos, alguns equipamentos deixados na superfície, vinte e sete quilos de rochas lunares coletadas e pouco mais de duas horas andando em um terreno acidentado formavam o registro de uma jornada heroica.

Era o ápice de um projeto que havia consumido muitos anos e o trabalho de milhares de homens e mulheres.

Enquanto preparavam-se para embarcar no pequeno módulo e decolarem de volta à Nave Mãe, o comandante da missão pensava na frase que havia dito ao pisar na superfície lunar e que agora ecoava pelos quatro cantos do planeta: “Este é um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade”. Era uma bela frase e esperava que ela ajudasse, minimamente que fosse, as pessoas a perceberem que todos moravam no mesmo endereço e que era hora de acabarmos com os conflitos que tanto mal já haviam causado ...

... Heinrich Lange não estava gostando do que havia escrito. Chegou à conclusão de que não era um bom trabalho. A construção das frases não estava lhe agradando. Falar de homens andando na Lua e placas com mensagens de paz não era uma ideia que fosse ser aceita tranquilamente pela direção do jornal. O melhor seria apagar tudo ou refazer a um ponto de ninguém perceber nenhuma mensagem subversiva. O controle sobre os textos era muito rigoroso e o mais sensato era seguir as determinações exigidas pela direção.

Semanalmente ele publicava um conto no Semanário Ariano. Era um bom emprego e ele se esforçava ao máximo para que seus textos sempre saíssem de acordo com as diretrizes exigidas pelo Partido Nacional-Socialista. Não seria agora que ele iria correr o risco de parar em um campo de reeducação. Se isso acontecesse com certeza sua mulher e filho nunca mais o veriam.

Heinrich Lange preparou um café e acendeu um cigarro para clarear as ideias. Enquanto olhava o movimento da fumaça que saia de sua boca ficou pensando em como o mundo seria caso aquela meia dúzia de bombas atômicas não tivessem sido lançadas sobre Moscou, Londres e Washington.

Tinha sido uma guerra rápida. Em menos de dois anos de conflito a Alemanha, graças a genialidade de seus cientistas, havia desenvolvido a arma definitiva. As centenas de milhares de vidas pulverizadas em segundos pelos cogumelos atômicos garantiram o triunfo final.

O café bebido em goles imensos e o cigarro tragado lentamente pareciam não surtir o efeito desejado. Heinrich Lange percebeu que não conseguia se desvencilhar da ideia de escrever sobre homens caminhando na Lua e deixando mensagens de paz.

Em sua infância gostava de ler histórias de ficção científica e chegara mesmo a escrever algumas historietas sobre viagens no tempo e continentes perdidos. Só que agora era diferente pois o partido não via com bons olhos qualquer expressão artística que falasse de temas diferentes daqueles determinados por ele. Fantasia, ficção cientifica e romances históricos estavam entre os muitos temas proibidos.

As horas escoavam e nada de uma nova ideia surgir. Terminou indo refugiar-se em sua velha poltrona confidente de tantas elucubrações. Perdido em pensamentos deixou-se levar por sua imaginação, afinal ela era sua e não do Partido Nacional-Socialista.

Heinrich Lange sentiu as pálpebras pesarem enquanto fumava mais um cigarro. Dormiu imaginando um mundo em que foguetes gigantescos viajavam ao espaço e onde ninguém era posto em um campo de concentração só por ser diferente.

Acordou no meio da madrugada. Seus pensamentos estavam claros e sentiu-se repentinamente dotado de uma estranha coragem. Decidiu que no dia seguinte iria enviar para publicação o seu conto sobre a conquista da Lua.

* Este conto foi escrito como uma pequena homenagem aos cinquenta anos da conquista da Lua.

** Livremente e levemente inspirado no romance O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 17/07/2019
Código do texto: T6698307
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