Lutar e Morrer

Eu, Hiroshi e Elis avançamos juntos por dentro de uma pequena ravina, cada um com seu fuzil desintegrador destravado, trajes no modo camuflado acionados e comunicação externa em silêncio, o que significava que no momento só podíamos falar uns com os outros, e não com o restante da legião.

- Movimento a frente, 50 metros – ouvi Elis, nosso capacete era equipado com fones e o traje oferecia isolamento acústico suficiente para nenhum decibel escapar.

- Está avançando, 30 metros – repetiu Elis e nesse momento estacamos e apontamos nossos fuzis para a frente.

-15 metros!

Mas não víamos nada ainda, será que usava alguma camuflagem também?

- 5 me... – Elis tentou dizer antes que um clarão surgisse onde deveria estar sua cabeça.

Vi Hiroshi descarregar seu desintegrador no vazio, mas de repente um novo clarão e todo seu corpo evaporou.

Me deitei no chão acionei meu desintegrador atirando na direção de onde supunha vir o ataque, ao mesmo tempo que rolava pro lado. A manobra funcionou parcialmente, pois o solo, onde estava momentos anantes, se transformou numa pequena cratera incandescente e senti parte do meu corpo queimar apesar do traje protetor. Apesar disso aquilo foi o suficiente para identificar com precisão a fonte do ataque e dessa fez fiz fogo ao máximo com meu fuzil, atingindo uma área bem ampla. Além do som da matéria sendo atingida e evaporada também foi possível ouvir um grande relincho, como o dos burros, o motivo do porque chamávamos nossos inimigos de mulas.

E era realmente um mula. Me arrastei pra mais perto e analisei seu corpo cerca de duas vezes maior que o meu, faltavam dois dos seis membros, juntamente com boa parte do lado direito de seu corpo, ele vestia uma espécie de traje com a textura bem parecido com o meu.

“Suporte de vida falhando” – falando em traje, o meu acabava de fazer este aviso – “morte inevitável em 10 minutos, 60% da superfície corporal queimada, hemorragia interna grave”

Aproveitei aqueles dez minutos restantes e escaneei o corpo e o equipamento do inimigo. Depois verifiquei o que restava de Elis, apenas um corpo sem cabeça, e o de Hiroshi, desse último vi apenas o que parecia ser um dedo. Espero que tenham conseguido uma transição tranquila, mas nessas condições isso era duvidoso.

“Morte iminente” – avisou meu traje, e já sem forças me deitei no chão e olhei para cima. A noite escura revelava centenas de clarões no céu, sinal de que a batalha em órbita não estava sendo nada fácil também. Senti o frio e o sono da morte me envolver, sensação bem conhecida por qualquer soldado, e me entreguei em seus braços.

Não há sono mais reconfortante do que a morte. O silêncio, a paz, o esquecimento, a certeza de não mais existir. Tudo isso faz bem, o descanso eterno seria a melhor coisa do mundo se realmente fosse eterno, mas não era.

Acordei, pelo que me informaram, duas semanas depois. E recebi uma medalha. Pelo que soube eu tinha sido o único entre mais de vinte mil legionários a abater uma mula, e as informações recolhidas por mim foram utilizadas para neutralizar o sistema de camuflagem deles, que era nada mais que uma imitação do nosso, conseguido por engenharia reversa.

- Não há com o que se preocupar - disse-me um oficial superior – graças a você percebemos que as mulas não nos superaram tecnologicamente, era apenas uma imitação.

- Imitação que nos custou muitas derrotas.

- Não se preocupe com isso. Sabe que a tecnologia de transferência ainda é exclusividade nossa, ao contrário das mulas não temos perdas reais.

- Isso nem sempre é verdade.

- O que aconteceu com seus colegas é menos de 5% dos casos, e estamos trabalhando para aperfeiçoar a transferência. Um dia não teremos mais perdas.

Como suspeitava Hiroshi e Elis não conseguiram se transferir a tempo, suas mortes haviam sido muito rápidas. Aquilo me corroía, nos três havíamos sido companheiros de tríade por mais de 40 anos e morrido juntos em batalha muitas vezes. Mas não era só eu quem estava assim, dos mais de 20 mil legionários daquela batalha, o número daqueles que se transferiram como eu não chegava nem a mil e mesmo assim, como vim a saber, a maioria desses foi transferida pelo alto comando depois de receberem os dados que enviei e constatarem que a missão tinha sido um sucesso. Quase uma legião inteira dizimada, de forma definitiva, e julgavam um sucesso!

- Você é um herói, deveria saber disso – disse o oficial me tirando de meus pensamentos – vai ter uma promoção, e também terá um longo período de descanso.

- Não quero descanso – falei.

- Então o que quer?

O que eu queria? O que um legionário sempre quer:

- Quero voltar ao campo de batalha senhor, ver do que este novo corpo é capaz. Sou um legionário, quero lutar, quero morrer e nascer para lutar de novo, corrigir minhas falhas de antes e fazer melhor.

- Que seja feito – disse o oficial – uma nova legião parte em breve. Atacaremos o sistema natal dos mulas, operação padrão de extinção da espécie.

- Obrigado senhor.

Então parti para vingar Elis, Hiroshi e todos aqueles que morreram e não renasceram para lutar outro dia. Pois eu era um legionário e deveria levar os estandartes da humanidade por toda galáxia.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 12/06/2019
Código do texto: T6671254
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