Fora de perigo
O cruzador "Yorixiriamori" emergiu do hiperespaço a pouco mais de 100 mil km de distância de Dohan-II, um planeta que orbitava a estrela central de um sistema binário. Era a segunda parada do capitão Ferreira e sua tripulação, após terem solucionado o problema do impacto da explosão da supernova Roh-6317 sobre Palka-IV. Dohan-II possuía oceanos mais extensos e uma superfície emersa total menor do que a da Terra, além de uma atmosfera mais espessa; mesmo assim, quando a radiação emitida pela supernova chegasse até ali, os efeitos seriam devastadores.
- Não vamos poder usar o mesmo truque que empregamos em Palka-IV - avaliou Ferreira, ao ver os dados de Dohan-II surgirem na tela central da ponte de comando do cruzador. - Está muito mais próximo de Roh-6317 do que o sistema Palka.
- Precisamente 3,04 parsec de distância da supernova - replicou o tenente Shimada, que acompanhava o capitão em sua análise. - Mesmo com uma atmosfera 1,2 vezes mais densa do que a da Terra, o impacto dos raios gama sobre ela poderá criar um nevoeiro tóxico de óxido nitroso, letal para as formas de vida na superfície.
- Óxido nitroso? Gás hilariante? - Indagou surpreso Ferreira.
- Sim, capitão... só que, neste caso, os habitantes não vão morrer de rir - ponderou Shimada. - E há um outro problema: os dohanianos são hoje mais de 3 bilhões. Se não tínhamos como remover 100 milhões em Palka-IV...
- Confere - replicou Ferreira, absorto, mãos atrás das costas. - Talvez tenhamos que usar os oceanos do planeta como cobertura... realocar a população em cidades submarinas.
- Creio que nem assim estarão a salvo, capitão - informou Shimada.
- De qualquer forma, vamos ter que pousar e nos reunir com as autoridades locais, expor as alternativas que temos - declarou finalmente Ferreira, voltando-se para o subordinado.
- Preparar para descer? - Indagou o tenente.
- Preparar para descer - confirmou Ferreira.
* * *
A descida no principal astroporto da capital de Dohan-II, Halur, ocorreu sem incidentes. Recepcionados em seguida pelo Conselho Diretor do planeta, Ferreira e seus oficiais Shimada e Méndez, esclareceram a natureza da ameaça e o que a Frota Estelar poderia fazer para ajudar os nativos.
- Por precaução, é sempre bom remover uma amostra representativa da população e levá-la para longe do perigo - sugeriu o capitão aos conselheiros. - Como o impacto da explosão só irá atingi-los em pouco mais de dez anos-padrão, teremos tempo suficiente para realocar ao menos parte dos dohanianos num sistema solar distante e protegido.
- Ficamos muito agradecidos por sua oferta, capitão Ferreira, - redarguiu o diretor-presidente - mas desenvolvemos nosso próprio sistema de defesa contra a explosão de Roh-6317. Não será necessário realocar ninguém.
- Como vão fazer para barrar os raios-X e gama emitidos pela supernova? - Indagou Ferreira, surpreso.
- Com gelo - explicou o diretor-presidente. E acionou um holoprojetor, que ao ser ligado reduziu a iluminação da sala de reunião.
Acima dos presentes, girava um globo verde e branco, representando Dohan-II. A câmera afastou-se velozmente dele, e pouco depois da órbita de Dohan-III, uma nuvem de pontos brancos surgiu, envolvendo totalmente a órbita dos três planetas interiores. Uma seção da nuvem foi então ampliada, revelando que era composta por grandes placas hexagonais, orbitando muito próximas umas das outras, em várias camadas superpostas.
- Começamos este projeto de astroengenharia há décadas, - explicou o diretor-presidente - tão logo surgiu a possibilidade de Roh-6317 tornar-se uma supernova a curto prazo. Gelo é abundante no espaço, e nós montamos fábricas orbitais para produzir estas placas, mantidas em posição por campos eletromagnéticos. Portanto, agradecemos novamente a ajuda da sua Frota Estelar, mas o nosso escudo irá absorver mais de 80% da radiação quando a hora chegar.
- Muito bem, é um projeto realmente impressionante - admitiu Ferreira. - Mas e quanto aos restantes 20%? Poderão impactar em sua camada de ozônio...
- Talvez não tenha notado, capitão - comentou o diretor-presidente - mas temos poucas cidades de grande porte na superfície. A maior parte da nossa população já reside em cidades submarinas.
Ferreira olhou para Shimada e Méndez.
- Parece que temos algumas lições a aprender aqui - observou.
- Teremos o maior prazer em ensinar - replicou satisfeito o dohaniano.
- [27-03-2019]