Cidade fechada
O oficial da KGB examinou cuidadosamente a documentação que lhe fora entregue pela jovem sentada à sua frente, no posto de controle situado na entrada de Novaya Verkhoturye. O automóvel oficial do Ministério da Defesa que a levara até lá, um ZIL-4102 cinzento, estava parado no acostamento ao lado do posto, a motorista militar aguardando encostada de pé do lado de fora do veículo, braços cruzados.
- Yekaterina Stepanovna Larochka, de Moscou... - leu o oficial na autorização de acesso. - Veio por Ecaterimburgo?
- Sim, o avião do Ministério da Defesa me deixou lá. Bela cidade, e não somente por ter o meu nome - respondeu ela, com um sorriso confiante.
- Não vou perguntar o que veio fazer neste fim de mundo, embora imagine que tenha algo a ver com lomografia. Acertei? - Indagou ele, erguendo os sobrolhos.
- Pensei que os oficiais da KGB fossem mais discretos - respondeu ela, sem se abalar. - Mas, já que perguntou, estou de férias... e sim, vou tirar muitas fotos de Novaya Verkhoturye.
- Bem-vinda então, camarada Yekaterina Stepanovna - replicou o oficial, carimbando finalmente a autorização de acesso. - Espero que tenha uma boa estadia nos Urais.
A jovem ergueu-se e apanhou seus documentos de volta.
- Grata, oficial! Vou descansar muito, com certeza - assegurou.
Não eram exatamente essas as ordens que recebera do Ministério da Defesa, ponderou ao sair do posto de controle. Sabia que teria muito trabalho pela frente e se perguntava porque não destacavam uma equipe maior, se a obtenção de resultados era tão importante. Ao ouvir o questionamento, quando fora despedir-se dela no aeroporto militar Chkalovsky, em Moscou, seu superior imediato, o general Zinoviy Danilovich Naumov apenas abrira um sorriso sardônico e lhe dissera "divirta-se".
- Tudo certo? - Indagou a motorista quando a viu aproximar-se.
- Podemos seguir caminho, Natalka - replicou, entregando-lhe a autorização de acesso.
Entraram no automóvel e a motorista deu a partida. Alguns metros adiante, onde a estrada estreita era fechada por uma cancela, guardada por dois soldados do Exército Vemelho armados com fuzis AK-47, a autorização foi apresentada e a passagem liberada. À margem da estrada, estava estacionada uma motocicleta IMZ-Ural preta, com sidecar; obviamente, quem se arriscasse numa entrada forçada, corria o sério risco de ser interceptado e fuzilado.
- Você já tinha vindo aqui antes, Natalka? - Indagou Yekaterina Stepanovna, enquanto cortavam o campo verde pela estrada deserta ao entardecer.
- Não, Kate. Mas me deram as coordenadas em Ecaterimburgo...
E desviando o olhar para a sombra azulada das montanhas ao longe:
- Novaya Verkhoturye não consta dos mapas oficiais.
- Quando o general Naumov me falou em Verkhoturye, imaginei que estivesse referindo-se à cidade histórica, mas creio que estamos à mais de 30 km dela - avaliou a jovem. - O que há em Novaya Verkhoturye para que sua localização seja secreta? Uma usina de reprocessamento de urânio, um centro de pesquisa tecnológica ou fábrica secreta de algum tipo?
- Se você, que trabalha diretamente com o general Naumov não sabe, - replicou a motorista sorrindo - imagine eu, que apenas dirijo uma viatura oficial. Mas suponho que ele deve ter lhe dado alguma pista... ou não terá como fazer o seu trabalho aqui.
- É um trabalho extremamente sigiloso... - comentou Kate. - Tão sigiloso que nem mesmo eu sei exatamente do que se trata. Mas, pelo menos, me passou os nomes de quem devo procurar em Novaya Verkhoturye: um casal, Vera e Sasha.
- Então, não vai ficar num hotel? - Questionou a motorista.
- Talvez eles sejam os donos do hotel da cidade, Natalka - ponderou a jovem.
Havia uma curva suave para a esquerda, e depois dela, iluminada pelo sol do poente, tiveram o primeiro vislumbre da pequena Novaya Verkhoturye. Parecia apenas uma simpática cidadezinha interiorana dos Urais, completa, inclusive com uma igreja branca com cúpulas douradas em formato de cebola. O tráfego pelas ruas calçadas de pedra era reduzido, e os residentes pareciam dar preferência a bicicletas e triciclos. Poucos veículos motorizados em circulação, a maioria utilitários - e algumas motocicletas. A motorista parou num café para pedir informações sobre o local de destino e voltou com uma expressão de alívio.
- É perto daqui, dois quarteirões.
Rodaram devagar por ruas tranquilas e pararam em frente a uma casa branca de dois andares, com varandas, janelas e portas de madeira pintada de azul. Natalka desceu e bateu palmas no portão. Uma mulher de seus 45 anos assomou à uma janela do andar superior.
- Estou procurando Vera! - Exclamou a motorista.
- Sou eu! - Respondeu animada a mulher. - Aguarde um instante que vou descer...
Natalka saiu do carro para pegar a bagagem no porta-malas. Foi o tempo em que o portão foi aberto e Vera saiu por ele, um xale bege de crochê sobre os ombros. Aproximou-se do veículo pelo lado da passageira e inclinou-se como que para ver Kate melhor.
- Olá Yekaterina Stepanovna! Eu sou Vera, a sua anfitriã!
E com uma piscadela:
- Pronta para aproveitar as férias?
- [12-03-2019]