O FILHO
Sentira-se muito mal de repente. Uma forte dor no estomago que irradiava por todo o tórax, dificultando até a respiração. Deitara-se, levantara-se. Não tinha sossego. Engolira alguns comprimidos para dor, que não amenizaram o sofrimento. Suava frio e revirava os olhos. Até aquele momento sempre fora um jovem extraordinariamente saudável, mas naquela noite todas as doenças do mundo pareciam afligi-lo. Fagundes, nome inspirado no ator de que sua mãe tanto gostava, estava em plena forma física. Com seus 17 anos, tinha um corpo atlético e boa estatura. Por isso a dor era ainda mais estranha. O celular estava sem linha. Sem perceber ele saiu de casa pela porta dos fundos, não mais raciocinava direito. Foi atraído para fora de casa, como se fosse encontrar alívio para o sofrimento. A grande casa que dividia com a sua mãe, não possuía muros, de forma que ele saiu em direção ao grande “baixão” verde, com árvores retorcidas, típicas do cerrado, e dezenas de roças cercadas por arames farpados.
Como vivia em um pequeno interior, as casas ficavam distantes umas das outras. E não via nenhuma luz acessa em nenhuma delas, de forma que a ajuda estava fora de cogitação. Triste coincidência. Saiu cambaleando, tropeçando, caindo e levando. E adentrou o escuro quase absoluto. No céu uma lua minguante brilhava timidamente, acompanhada de algumas estrelas minúsculas. Nuvens de chuva turvavam a visão dos astros. Continuou caminhando, até que, em meio a um gramado, caiu de vez. Vomitou bastante. Sentia riscos sob a pele, mas não conseguia vê-los a princípio, até que do seu corpo começou a irradiar uma frágil luz amarela, que pulsava. Pode então distinguir as veias do corpo elevadas.
- O que isso, Deus? – Balbuciou.
Revirou-se no chão e parou em posição fetal. A dor continuava forte. E a sua cabeça cheia de perguntas. Ia perder a consciência quando sentiu uma presença às suas costas e uma voz imponente.
- Já era tempo de nos conhecermos.
Fagundes gelou e vagarosamente começou a se virar. Com o canto do olho distinguiu uma forma humana, parada, bem próxima a ele. Era impossível ver-lhe naquele escuro.
- Quem...? – Foi o que conseguiu dizer.
Então, uma luz forte e brilhante revelou a misteriosa figura. Um homem, usando sapatos sociais, um terno completamente negro, muito bem cortado. Camisa verde escuro sobre o terno e uma gravata negra com pequenas listras brancas. Quem quer que fosse, tinha gosto. Tinha o rosto de um senhor de meia-idade, aproximadamente uns 55 anos. O rosto era branco e com rugas características do seu tempo de vida. O cabelo também já embranquecera.
- Meu nome e Jaghar, e eu sou seu pai. – Disse o senhor de forma tranquila e natural, enquanto Fagundes se contorcia em dor.
Fagundes não conhecia o pai. Nem por foto. Sua mãe apenas disse que ele foi embora porque precisava, mas jamais lhe explicou os motivos. Se quer parecia guardar mágoas e raramente falava nele, de forma que mesmo com o trauma de não conhecer o pai, o jovem soube superar. Era forte. Cresceu sem traumas ou ressentimento.
- Como é possível? Meu...pai....deixou... – Falou o jovem em meio a dor.
- Não. Apenas me afastei. Tive de voltar para minha casa e resolver aquilo que vocês aqui na terra chamam de problemas. Esperei até o momento certo para me revelar. E este chegou. Sempre olhei por você e aguardei ansiosamente.
Só pode ser louco, deduziu Fagundes. Ele saiu de casa, de forma insana, e vagou pelo mato, sem explicação, até cair ali e aparecer um maníaco assassino que provavelmente o matéria e talvez até o esquarteja-se. Estava impotente.
- Sei que está confuso, mas toda essa dor que sente nesse momento é fruto das mudanças no seu corpo, e nada tem a ver com puberdade. Quando estive com a sua mãe, ela engravidou. Eu soube disso. Falei a ela que não poderia permanecer aqui na terra. Nunca escondi. E expliquei que quando você crescesse seu corpo passaria por mudanças, seria uma adaptação a sua natureza terrena e a minha, alienígena, para vocês. Nesse dia eu voltaria para ajuda-lo e explicar-lhe o que estava acontecendo. O dia chegou, e aqui estou.
Fagundes apenas ouvia, caído no chão. Babando, com muita dor e o brilho ouro sobre a sua pele.
- Onde...mora... – Perguntou o jovem.
- Nas estrelas – Respondeu o alien, apontando para o céu com a mão direita.
- Bem – continuou – mas antes de mais conversas, deixe-me livrar-lhe disso. Jaghar ajoelhou-se sobre o joelho direito, retirou a luva negra da mão, e a espalmou. Colocando-a sobre o peito do filho. Junto com a dor, a cor amarela também desapareceu.
Todo aquele papo de “Guerra nas estrelas” parecia mentira, para Fagundes, mas não havia mais como recusá-lo ante o sumiço da dor e da volta à normalidade da sua pele. Ficou de pé com a ajuda do pai, mas já se sentindo muito bem. Como sempre se sentira ao longo de toda a sua vida.
- Então você é meu pai. – Disse Fagundes com simplicidade – Achei que vocês aliens fossem verdes, ou tivessem tentáculos.
Jaghar riu. Não acredite no cinema. Na verdade, essa não é minha verdadeira forma, mas, para me adaptar a atmosfera terrestre, me torno semelhante aos humanos. Contudo, não somos tão diferentes assim, há, e nem queremos a sua destruição. Seria bom se mudassem, mas acredito que devem ser persuadidos a isso. Essa será a sua missão.
- Minha missão? – Indagou Fagundes.
- Isso mesmo. E devo acrescentar que você não é o único. Já existem centenas de milhares por todo o seu planeta. Não se preocupe, você é o único que é meu filho, mas outros tantos da minha espécie vieram antes de mim e continuam vindo e tendo filhos com terráqueos. Logo serão uma raça híbrida. Contudo, saliento que não queremos subjuga-los, não queremos uma guerra. Apenas a conscientização poderá salvar esse planeta, é aí que vocês entram.
Fagundes ouvia.
- Já deve ter conhecido outros iguais a você, mas não pôde distingui-los porque ainda não havia passado pelo amadurecimento. Agora, poderá reconhece-los. Cada um tem uma habilidade útil, que os ajudará nessa missão. A sua será a da inteligência. Sei que já é muito inteligente, mas alcançará patamares muito além dos humanos. Use-a para ajudá-los.
Fagundes foi tomado pela consciência de tudo o que o pai dizia. Visualizou toda a situação e compreendeu. Aceitou o seu destino naquele momento. Sempre fora adulto, desse que nascera, e agora, sentia-se ainda mais forte e sábio.
- Entendo e aceito, pai.
- Ótimo – respondeu Jaghar - Agora vamos até a sua casa, sinto muitas saudades da sua mãe. Quero vê-la.
Os dois foram caminhando lentamente até a casa de Fagundes, sempre conversando. Havia muito o que ser debatido. Afinal, o planeta precisa ser salvo dos próprios humanos.