Nasci para isto

Quando um criado de libré abriu as portas do salão para dar entrada a uma adolescente loura de 14 anos de idade, todos os presentes - homens, sem exceção - ergueram-se imediatamente de seus assentos. O Lorde Chanceler, em seu fraque escuro, como os demais presentes, veio ao encontro dela e curvou-se respeitosamente à sua frente:

- Alteza... queira acompanhar-me.

A cabeceira da longa mesa lustrosa de mogno havia sido deixada vaga, e ela imaginou que seria ocupada pelo pai. Para sua surpresa, foi exatamente para lá que o Lorde Chanceler a conduziu.

- Queira sentar-se, Alteza - disse o velho político de cabelos brancos.

- Eu vou presidir a reunião? - Indagou perplexa em voz baixa, correndo os olhos pelas autoridades presentes. Alguns, ela conhecia de vista, por já terem frequentado o palácio, mas a maioria lhe era desconhecida.

O Chanceler inclinou-se sobre a orelha esquerda dela e sussurrou:

- Eu conduzo... mas Sua Alteza é a convidada de honra.

Ela sentou-se com cuidado para não amassar o vestido de tafetá branco, preso por um grande laço verde na cintura, e observou surpresa que só então os distintos cavalheiros reassentaram-se. Da mesma forma como fariam caso o rei estivesse presente, anotou mentalmente.

- Agora que Sua Alteza Real está presente, podemos dar início à segunda parte da reunião - declarou o Lorde Chanceler, sentado na mesa à sua direita. - Vou fazer uma rápida digressão para que Sua Alteza tenha ciência do papel dela aqui, hoje. Projeção, por favor.

As luzes do salão apagaram-se. Um projetor de cinema atrás dela acendeu-se, lançando um facho luminoso na parede branca em frente; todos os presentes viraram-se para lá. Na tela improvisada, surgiu um quadro onde lia-se em negro "Informação Classificada" e um número de código. Em seguida, imagens em preto e branco de uma vastidão de terras congeladas, dominadas por montanhas escarpadas e geleiras ameaçadoras; à frente de tudo, um mastro onde uma bandeira com a suástica nazista fora hasteada.

- Em 1938, Hitler enviou uma expedição à Antártida, - narrou o Lorde Chanceler, enquanto imagens de homens encapotados desembarcando equipamentos numa praia pedregosa se sucediam - com o objetivo de tomar posse de uma região já reclamada pela Noruega. Aparentemente, o objetivo dos nazistas era assegurar o fornecimento de óleo de baleia, o qual importavam majoritariamente dos noruegueses... todavia, fosse este o motivo principal ou apenas uma cortina de fumaça, certo é que pouco depois o domínio do território denominado por eles de "Nova Suábia" passou a ser de fundamental importância para o esforço de guerra do Reich. Apenas recentemente tomamos conhecimento do que se tratava... e de que parte da resposta estava aqui mesmo, no Reino Unido... e outra, nas mãos da União Soviética.

Na parede, a imagem de uma caixa de madeira sendo aberta por homens de guarda-pó branco sobre roupas escuras, num porão de museu. Dentro dela, o que pareciam ser diamantes, grandes como nozes.

- Estamos vendo o que hoje denominamos como "Diamantes da Antártida", embora estes no Museu de História Natural de Londres, estivessem ocultos aqui mesmo, na Grã-Bretanha, há muitos séculos. Aparentemente, apenas quando as condições objetivas para os quais foram criados se manifestassem, poderiam ser descobertos, o que parece ter sido desencadeado pela Expedição Antártica Alemã de 1938. Nos foi revelado também que os soviéticos dispunham de uma parte do conjunto original de pedras preciosas...

Nas imagens, uma reunião do Politburo da União Soviética, encabeçado pela costumeira troica de Yevgenia Bosch, Clara Zetkin e Alexandra Kollontai.

- Pelo que depreendemos das regras do jogo... tais como nos foram declaradas... - prosseguiu o Lorde Chanceler, desviando o olhar para sua convidada, que assistia às cenas com profundo interesse - quem dele quiser participar, além da posse de certo número de diamantes, deve organizar o Estado em torno do comando de três mulheres. Desnecessário dizer que a União Soviética, por questões próprias, largou à frente de todos nós. Mas temos aqui Sua Alteza Real para nos colocar novamente na dianteira e fazer frente ao nosso adversário imediato - a Alemanha Nazista.

- Perdoe-me se o interrompo, Lorde Chanceler, - atalhou a adolescente - mas se entendi bem, desejam que eu assuma o trono em lugar do meu pai? Por causa dos tais Diamantes da Antártida?

O interpelado ergueu um braço e a projeção parou. As luzes foram acesas.

- Precisamente, Sua Alteza Real - replicou o político. - Teremos que tomar esta decisão com a maior rapidez possível, para que possa assumir suas novas atribuições, as quais envolvem a manipulação dos diamantes. Os nazistas ainda estão definindo o que irão fazer, visto que será difícil convencer Hitler a abrir mão do poder em prol de algum quadro feminino do seu Partido, mesmo que isso signifique em última instância ter o controle do mundo em suas mãos.

- É uma decisão de extrema gravidade - ponderou a jovem. - Por que meu pai não está presente?

- Sua Majestade foi posta a par do que discutimos aqui hoje, Alteza, e nos deu a ordem para que a convocássemos - arguiu o Lorde Chanceler. - Mas ele preferiu que Sua Alteza Real ouvisse de nós, em primeira mão, a exposição dos fatos, antes de conversar consigo em particular. Sente-se disposta a assumir esta importante missão em nome de todos os povos livres da Terra?

A interpelada ergueu-se em silêncio, muito séria. Pousou as palmas das mãos na mesa de mogno, e declarou, encarando os homens circunspectos que a fitavam em expectativa:

- Se cabe a mim poder carregar o fardo do perigo e da tristeza da guerra, que ora ameaça meus concidadãos, estejam certos de que o farei de bom espírito. Eu sei, e todos vocês, cavalheiros, sabem, que no fim, tudo acabará bem.

- Seu pai não teria dito melhor - aprovou o Lorde Chanceler, puxando uma salva de palmas.

- [28-02-2019]