Em tempo de guerra: campos de tulipa.
Reformularam a Base de Apoio Aeroespacial em menos de um mês. Na verdade, após a Guerra dos Três Sistemas, parece que tudo estava diferente. Até o céu estava mais colorido. Para mim, a maior de todas as mudanças se iniciava no antigo Paiol Anexo 1B, agora intitulado “Centro de Recondicionamento”.
Haviam muitos de nós na espera de sermos chamados para os pequenos guichês, com suas divisórias provisórias. Muitos de pé – não haviam bancos para todos - outros sentados nos cantos das paredes.
Eu conheço este enorme saguão, desde sua construção. Eu mesmo ajudei a fazê-lo. O recheamos com enormes pilhas de munição, peças mecânicas, caixas diversas, e esteiras de carregamento que iam até as Naves. Agora tão diferente... Depois de décadas, como os mundos viveriam em paz?
Senha RC4005, Guichê 230. Minha vez.
O homem que me atendeu era um civil, com uma idade avançada e olhar cansado. Devia estar exausto. Mesmo assim, ele iniciou a conversa com um sincero sorriso.
- Boa tarde, senhor. Bem-vindo. O senhor deseja uma breve explicação?
Eu sabia que não importaria minha resposta. Por força da Lei, ele deveria relatar a situação. Assim ninguém poderia alegar desconhecimento. Era um teste também, para saber o quanto passível estávamos. Apenas assenti a cabeça. Ele continuou:
- Pois bem. Com o Tratado de Paz, é obrigatória a desmobilização militar geral, em comum acordo pelas três federações e sem exceções. Entende?
- Sim senhor. – Como militar, essas duas palavras sempre me saem.
- E isto, obviamente, incluí você. Pelo relatório a minha frente, você era de um Batalhão de Engenharia de Construção e Apoio.
- Sim, senhor – Respondi novamente. Todos nós somos repetitivos assim? Por isso o homem parecia cansado.
- Então imagino que queira continuar na sua área... De construção, digo. O que acha?
Surpreendi-me, sem, no entanto, demonstrar. Não sabia que haveria a opção de escolha. E que diferença faria isso? Essa falsa ideia de liberdade, era proposital. De qualquer modo, refleti por um longo momento sobre o que responder. Minha demora o incomodou.
- Durante uma missão no planeta aliado Tohil, eu vi grandes campos de Tulipas. Pensei: que planeta durante uma guerra planta flores? Gostaria de ir para lá, se possível.
O homem realmente fez uma cara de espanto. Pensou que não tínhamos emoção. Bem, na verdade, não muitas. Mas de fato nunca parei de pensar naquele lugar e nunca soube o porquê.
- Claro... – Ele teclou algo na tela, espiando-me por cima – Vejo aqui que nos campos de Tulipas eles usam grandes maquinários, para semeadura... Podemos com certeza recondicioná-lo a ser um.
Então esse seria meu destino. Ou melhor, de minhas peças. Um androide feito para guerrear, semeando campos de tulipa.
- Sim senhor – Eu disse, pela última vez.