Adão e Eva

Ele estava nervoso. Usou sua força para arrebentar a porta e depois lançou o bibliotecário longe, contra uma de suas estantes de livros.

"Onde está Eva!?", ele grita.

Enquanto se levantava, o bibliotecário, durante uma fração de segundo, viu que o homem nervoso, e nu, não tinha umbigo.

"Meu Deus, você é o primeiro homem!? Você é Adão?”.

O homem violento se acalmou. Respondeu que sim e questionou o bibliotecário como ele sabia. Cada palavra dita era no idioma hebraico, que era compreendido devido à erudição do interlocutor.

"Há um livro, a Bíblia, ela fala sobre você. No primeiro livro, chamado Gênesis, há apenas um primeiro capítulo. É relatado que você simplesmente desapareceu".

Adão, já calmo, começou a fazer perguntas. Questionou o que havia com Eva, como ele foi parar ali e como o mundo mudou tão rápido. O velho bibliotecário então o chamou para outra sala repleta de livros. Havia estante em quase todas as paredes. No centro, uma mesa onde ambos se sentam.

"Antes preciso que me conte o que houve com você", disse o bibliotecário que se apresentou como Jeff. "A Bíblia não conta o que houve contigo, apenas que sumiu".

"Se eu contar, terá que me contar também o que esse livro diz sobre Eva, o que houve com ela e me explicar por que me aconteceu tudo isso".

"Só vou poder te ajudar se disser em detalhes o que aconteceu. O que impediu você de me machucar foi você ter ficado ciente que eu sei sobre você, então sabe que pode confiar em mim".

Com um pouco de hesitação, o "primeiro homem" começou a falar.

"Bem, eu posso voar, inclusive de uma estrela para a outra".

"Isso é impossível", disse Jeff. Para provar, Adão começa a flutuar na sala. Jeff se espanta. "Então, Deus criou o primeiro homem com habilidades que nenhum humano hoje jamais sonharia? Isso é impressionante. Por favor, continue, preciso saber detalhes sobre como era sua vida".

"Então... Eu e Eva fomos o primeiro casal do mundo, não me lembro de ter visto outros com nossas características. Por um momento eu resolvi voar de uma estrela para outra. O Senhor havia me dito para evitar, mas eu o desobedeci", explicou Adão, chorando.

Prosseguiu dizendo que havia visto uma bela estrela no céu, quando foi interrompido por Jeff. "Mas e Eva, ela poderia voar também?"

"Sim, poderia. Mas ela tinha medo de sair dessa estrela. Mas eu não, eu fui, eu queria ver o que havia naquela outra estrela, então voei até lá. Não demorei muito. Quando voltei, vi que havia inúmeros seres como eu - e tudo estava mudado, inclusive o habitat".

Jeff começou a explicar que, segundo os cálculos dele, havia passado vinte milhões de anos.

"Mas eu não demorei quase nada", disse um abatido Adão.

"Há uma teoria que explica isso. Chama-se 'teoria da relatividade'. Basicamente diz que se você voa no espaço cósmico a 300 mil metros por segundo de velocidade, ou seja, na velocidade da luz, o tempo passa muito mais devagar para você em relação a quem está parado aqui. Você diz que não demorou. Em relação a você próprio, não mesmo. Mas para Eva, você nunca mais voltou e para a Terra, você demorou 20 milhões de anos para voltar".

Adão chora e diz que não estava ciente disso. Soluçando, ele exige que Jeff conte o que o livro relata sobre Eva depois que ele partiu. Ele diz que espera que ela não tenha ficado com outro.

"Bem, ela morreu".

"O quê?!", questiona um espantado Adão.

"Ela morreu, Adão. Mas veja, ela morreu antes de você partir, você não se lembra?"

"C-claro que não", ele responde.

Jeff explica que, segundo o relato bíblico, Eva morreu em circunstâncias misteriosas. Como profundo conhecedor do hebraico, o bibliotecário diz a Bíblia fala sobre "estrangulamento".

"Não, não. Ela estava bem, eu a deixei bem! Esse livro mente!".

"E este retrato, Adão? Ele também mente?". Jeff mostrou um retrato de uma mulher nua morta em um jardim. Adão entrou em pânico, levantou da cadeira e correu para fora da sala. O corredor da casa onde estavam tornou-se um labirinto e todas as portas levava sempre à mesma sala onde ele estava com Jeff. Não tem saída.

"Como consegue fazer isso?", pergunta Adão. Que usa seu poder de voo e força para tentar socar Jeff, sem sucesso, já que o mesmo se defende usando um punho e lançando Adão longe, em uma das paredes.

"Parece que o jogo virou, não é?", zomba Jeff.

"Como consegue fazer isso? Não tem muito tempo em que te soquei e você quase se mijou".

"Bem, eu estava fingindo. Mas você não tem para onde correr. Por que não admite logo o que fez? Só vai ajudá-lo".

"Quem diabos é você?"

"Vai saber quando confessar."

“... Eu a matei porque ela estava me traindo com outro".

"Mas que outro, Adão? Você disse que no início só havia vocês dois no mundo".

"Não. Tinha outro, ela estava com ele. Ela dormia com ele, eu ficava sozinho naquele maldito jardim".

"E então você fugiu para a outra 'estrela'?"

"S-sim. Mas como você conseguiu aquele retrato. Se isso foi há 20 milhões de anos, como conseguiu?"

"Na verdade, não se passaram 20 milhões de anos, mas 20 anos".

"Mas o quê?"

"Adão, Eva, primeiro casal, humanos voadores e super fortes... Nada disso existe. Seu nome verdadeiro é Paul Hope, um pregador de uma cidadezinha norte-americana. E principal suspeito de ter assassinado sua esposa. Você desapareceu por 20 anos depois do crime, mas finalmente o pegamos."

"Mas que diabos é este lugar?"

"Bem esta é uma maravilhosa tecnologia. Chama-se 'Interrogatório metafórico', um sistema de realidade simulada e que permite entrar na sua mente", explica Jeff.

"Entramos no subconsciente do criminoso que constrói um simbolismo e depois assumimos como uma personagem desse simbolismo para tentar desvendá-lo com a participação do próprio suspeito, que também vira um personagem, o encarna, como se fosse um sonho. No seu caso, você tornou-se Adão que voou para outro planeta depois de ter assassinado Eva, que na vida real era sua esposa. Uma metáfora que coube bem em você, já que era líder religioso".

Adão, ou melhor, Paul Hope abaixa a cabeça.

"Resolvi bancar o bibliotecário para fazer um contraponto: mito x razão. Isso não tem diretamente a ver com a investigação, mas achei interessante", diz Jeff.

"O que vai acontecer comigo agora?".

Jeff não responde e desaparece.

Paul Hope começa a gritar correndo pelos corredores, sem conseguir sair da casa. No mundo real, Jeff conversa com o delegado, que o parabeniza por ter utilizado "bem" o sistema "interrogatório metafórico".

"Qual será a pena dele? Prisão perpétua?", questiona Jeff.

"Sim, sabe como funciona", responde o delegado.

"Mas como será? Ele ficará preso dentro do sistema com um cenário construído por nós mesmos? Rodando pela casa labiríntica?".

"É uma boa sugestão. Estamos pensando também em fazer ele viver como Adão e repetir tudo que aconteceu hoje, para sempre. De qualquer forma, ele está ferrado".