O teste

[Continuação de "Temos um voluntário"]

- Xirau, como estão suas leituras aí? Viu algo diferente?

A voz do dr. Kline soou pelo rádio do traje espacial de Román Xirau. O assistente de manutenção ia responder, quando um fenômeno luminoso à sua frente fez com que detivesse seus passos e engolisse as palavras. Ao mesmo tempo, um forte crepitar de estática em seus fones fez com que levasse instintivamente as mãos ao capacete, numa tentativa inútil de tapar os ouvidos.

Ele estava talvez à 30 metros de distância da seção central do derrelito, quando o espaço vazio iluminou-se, revelando o que parecia ser um imenso diafragma que abriu-se a partir do centro em seis direções diferentes, revelando uma câmara iluminada internamente por uma luz azul uniforme. O crepitar nos fones desapareceu, mas o rádio agora estava mudo. Xirau encarou a câmara aberta com os olhos entrecerrados, perguntando-se se seria seguro prosseguir.

- O combinado foi atravessar de um lado ao outro - disse para si mesmo como incentivo, e recomeçou a caminhada com passos cautelosos.

Entrou na câmara, que estava aparentemente vazia, e descobriu-se banhado numa luz azul suave que parecia jorrar de todos os lados. Uma consulta aos instrumentos montados no braço direito do traje espacial, não revelou nenhuma anormalidade quanto aos níveis de radiação. E então, o diafragma atrás dele fechou-se silenciosamente.

Román Xirau estava imóvel, no meio de uma câmara circular de talvez 20 metros de diâmetro, quando seu rádio deu sinal de vida. Uma voz masculina, que ele não reconheceu a princípio, indagou num tom de indolente curiosidade:

- Por que o chamaram de José Jiménez?

- Quem disse isso? - Replicou ele, confuso.

- Eduardo Valencia.

- Alguma referência obscura de cultura pop do século XX - retrucou Xirau, olhando ao redor sem nada ver além da luz azul. - Valencia gosta destas coisas.

- Eu não creio que tenha sido um elogio - prosseguiu a voz.

- Provavelmente não foi - admitiu Xirau. - Quem é você?

- Eu sou a Interface - respondeu a voz. - Recebo visitantes, como você. Aliás, este é o meu segundo contato com a sua espécie; anteriormente, esteve aqui uma dra. Adelynn Ross. A dra. Ross não se saiu bem no teste, ouso dizer.

- Que espécie de teste?

- Para que possamos nos comunicar, foi necessário reprogramar algumas áreas do seu cérebro... nada invasivo, não se preocupe. É para isso que serve esta câmara, basicamente. Do ponto de vista da sua espécie, isso gera um efeito colateral que pode ser encarado como uma bênção ou uma maldição: você torna-se capaz de perceber os pensamentos de seus semelhantes.

- Telepatia?

- Mais como as motivações por trás de atos e atitudes. O que se esconde no íntimo de cada um, digamos.

- E o que aconteceu com a dra. Ross?

- Parece que ela não suportou a ideia de continuar convivendo com seus colegas cientistas à serviço da Companhia. Preferiu se matar.

Xirau engoliu em seco.

- Acredita então que... a Companhia tem planos para mim, se souber que tenho esse poder?

- Você iria descobrir sozinho, mas o seu capitão vai ganhar muito mais do que um bônus extra se o entregar vivo e saudável na Terra - redarguiu a Interface.

- O que eu faço? - Indagou Xirau, aterrado.

- A dra. Ross imaginou que poderia lidar com as consequências, mas logo descobriu que não - explanou a Interface. - Não acreditamos que no momento sua espécie esteja pronta para um contato direto conosco, mas você, enquanto indivíduo, pode dar este passo e juntar-se a nós. Instalamos câmaras como essa por toda a Galáxia, buscando possíveis candidatos que possam se integrar em nossa comunidade de espécies inteligentes. Há muito trabalho a ser feito, e você seria um acréscimo útil aos nossos exploradores.

Xirau olhou novamente em torno, para a câmara vazia imersa em luz azul.

- Viajar com vocês... neste cubículo, sem atmosfera, suprimentos?

- Há um outro portal, oposto ao que você entrou. Por ele, você terá acesso a um dos mundos que habitamos; lá, começará a sua instrução.

E aceitar a palavra da Interface, sabia Xirau, era a resposta do teste. A mesma que Ross recusara.

* * *

Doze horas depois do sumiço de Román Xirau, o capitão Bowmann enviou um drone ao derrelito. O pequeno veículo cruzou o artefato de ponta a ponta, sem descobrir qualquer vestígio do tripulante desaparecido. Ao ser questionado por Valencia e Yaritza Salas porque não mandara o drone primeiro, o capitão retrucou que obedecia ordens da Companhia.

Um dia depois, pelo rádio subespacial, a Companhia liberou o "Europa" para seguir viagem para Wolf 219. Román Xirau foi dado como "presumidamente morto", e apesar de tecnicamente sua missão não ter sido cumprida, todos à bordo receberam bônus extras.

- [30-01-2019]