Temos um voluntário
[Continuação de "O Derrelito"]
O "Europa" havia emparelhado com o artefato em órbita de LP 145-141, de modo que todos os tripulantes na ponte de comando do cargueiro podiam apreciá-lo em sua completa estranheza. Lembrava um charuto gordo, cinzento, de cerca de 250 m de comprimento, pouco maior do que o próprio cargueiro (desconsiderando a refinaria rebocada por este), constituído por uma espécie de quilha grossa à qual estavam unidos grandes anéis, progressivamente menores nas extremidades. Entre um anel e outro, espaço vazio. O artefato não lembrava uma astronave ou base espacial, mas uma escultura abstrata.
- O que acha que é isso? - Perguntou o capitão Jacques Bowmann ao seu oficial de ciências, Finley Kline.
- Talvez algum tipo de sonda avançada, deixada aqui para monitorar LP 145-141 - conjeturou Kline. - Em termos astronômicos, essa anã branca é de formação recente, e o artefato pode estar aqui há centenas de milhares de anos.
- Segundo a Companhia, temos que mandar alguém lá, fazer umas medições - declarou o capitão, olhando ao redor da ponte para seus subordinados. O único que aparentava estar genuinamente interessado na tarefa era o dr. Kline, mas Bowmann não parecia disposto a deixá-lo ir.
- Algum voluntário? - Indagou ele.
Cinco tripulantes entreolharam-se. Finalmente, Yaritza Salas, a engenheira de sistemas, tomou a palavra.
- Capitão, tenho razões para crer que quem for até aquele derrelito, estará correndo risco de vida.
- Baseada em que você afirma isso? - Indagou suavemente o capitão.
- Na minha experiência pessoal, capitão - retrucou Salas. - A Companhia não colocaria um dos seus cientistas em perigo, mas nós...
E olhou para os companheiros com ar amargo.
- Nós... somos descartáveis.
- Bobagem! - Atalhou Bowmann. - Sua experiência pessoal, você diz? Quantos objetos dessa natureza já abordou?
Salas ficou em silêncio, não desejando alongar a conversa. Eduardo Valencia, o chefe de manutenção do cargueiro, ergueu a mão para falar.
- Capitão... eu não vou. Mesmo com bônus dobrado.
Bowmann balançou a cabeça, sem demonstrar surpresa.
- Está bem - retrucou. - O que a Companhia pede é uma simples caminhada, em traje espacial, ao longo do eixo do artefato, de uma extremidade à outra. Não há nada lá dentro, como podem ver... o objeto é oco. Em 15 ou 20 minutos, estarão de volta.
O assistente de manutenção, Román Xirau, ergueu a mão.
- Capitão... se alguém for, a Companhia pagará bônus dobrado para todos?
- Este é o acordo - assentiu Bowmann.
- Então, eu vou... pelo bem do grupo - declarou.
Valencia fechou a cara. Inclinando-se no ouvido de Salas, que estava à sua frente, murmurou:
- Bowmann encontrou o seu José Jiménez.
* * *
Xirau foi lançado da "Europa" num traje de atividade extraveicular, dotado de pequenos propulsores. Venceu em poucos segundos os cerca de 500 metros que separavam o artefato do cargueiro e desacelerou, para entrar pela abertura posterior. À sua frente, erguia-se um arco escuro, como se a luz da anã branca não iluminasse o interior supostamente vazado do objeto.
- Está escuro lá dentro - informou ele pelo rádio.
- Talvez os espaços vazios entre um anel e outro sejam algum tipo de matéria que deixe passar a luz em apenas um sentido - especulou o dr. Kline, acompanhando com os demais tripulantes a movimentação de Xirau por um monitor que exibia imagens feitas pela câmera instalada no capacete do traje espacial.
- Acenda as luzes de navegação - orientou o capitão Bowmann.
Xirau acionou as luzes embutidas no traje e pôs os pés no interior do artefato. À sua frente, estendia-se a quilha do objeto, como uma estrada negra. Ao seu redor, as paredes curvavam-se suavemente até desaparecerem na escuridão, dezenas de metros acima. Ele ficou alguns minutos parado, enquanto aguardava as medições feitas pelos instrumentos do traje. Finalmente, Kline deu-lhe ordem para prosseguir.
- Caminhe devagar, procure iluminar o caminho à frente e as paredes laterais - advertiu.
- Afirmativo - respondeu Xirau, começando a andar.
Instantes depois, comunicou-se novamente.
- Não há nada aqui dentro... tudo vazio e escuro.
Na ponte de comando do "Europa", um alarme soou num painel de controle. Bowmann curvou-se sobre ele.
- Estamos registrando um incremento de radiação emitida pelo artefato - comentou com Kline. E pelo rádio:
- Xirau, como estão suas leituras aí? Viu algo diferente?
Por um dos monitores que mostravam o exterior do artefato, os seis tripulantes viram o espaço vazio entre os dois anéis centrais brilhar repentinamente, como se fosse vidro polido refletindo a luz da aná branca. Em seguida, voltou ao mesmo aspecto inexpressivo anterior.
- Leituras normais agora... - avaliou Bowmann consultando os controles. - Xirau, como estão as coisas aí?
No rádio, apenas estática.
[Conclui em "O teste"]
- [29-01-2019]