O Derrelito
Seis meses antes da parada programada em Wolf 219, o capitão Jacques Bowmann e sua tripulação foram despertados do criossono pelo computador de bordo do cargueiro classe L "Europa". Reunidos na exígua ponte de comando da nave, Bowmann pôs os subordinados a par dos detalhes sobre a inesperada mudança de curso.
- A Companhia quer que investiguemos um possível objeto alienígena em órbita de LP 145-141, uma anã branca do grupo de Wolf 219 - declarou sem maiores rodeios.
- Novamente, estão nos usando para fazer o trabalho de cientistas - protestou Eduardo Valencia, chefe de manutenção da "Europa".
- Somos a nave mais próxima de LP 145-141, - justificou Bowmann - e, como diria o dr. Kline, "no espaço, sempre é hora de fazer ciência".
Finley Kline, médico e oficial de ciências, acedeu satisfeito:
- Melhor investigar um artefato extraterrestre do que rebocar refinarias, eu poderia acrescentar.
- Vão nos pagar um bônus extra por isso? - Questionou secamente Valencia.
- Se fizermos a sequência de análises propostas, a Companhia irá conceder bônus extras para todos - retrucou Bowmann.
Dos seis tripulantes presentes, apenas Valencia e a engenheira de sistemas, Yaritza Salas, não pareceram convencidos, mesmo após a explicação de Bowmann.
- A Companhia informou como tomou conhecimento da existência do tal artefato, capitão? - Indagou ela.
- Segundo eles, foi durante a visita de um cruzador de pesquisa, a "Mont-Blanc", há sete anos-padrão - redarguiu Bowmann.
- E por que a "Mont-Blanc" não fez na época a tal avaliação que a Companhia quer que façamos agora? - Insistiu Salas.
Bowmann deu de ombros.
- Talvez não estivessem equipados para isso - ponderou.
E, perante os olhares de descrença que recebeu da maioria dos presentes, acrescentou:
- Eu não estou aqui para explicar as políticas da Companhia, apenas transmitir o que querem que façamos, certo?
* * *
Poucas horas depois, enquanto a "Europa" reduzia a velocidade para entrar na órbita ocupada pelo artefato alienígena, Salas e Valencia encontraram-se na sala de controle da refinaria que levavam à reboque, para avaliar a conjuntura.
- Você comprou essa ideia de que um cruzador de pesquisa não fez a análise que querem que nós, caminhoneiros, façamos? - Inquiriu Salas.
- Nem por um segundo - retrucou Valencia. - Bowmann acha que nos faz de bobos, mas estou ciente de que sua lealdade está com quem lhe paga o salário, não conosco que somos seus subordinados.
- Pois vou lhe dar um motivo extra de preocupação - atalhou Salas. - A "Mont-Blanc" fez sim, uma avaliação de campo... a informação do capitão estava incompleta.
E exibiu uma folha de relatório impresso. Valencia a examinou com a atenção.
- Como conseguiu isso?
- Vamos dizer que antes de me tornar engenheira, eu já era uma boa hacker - declarou Salas sem modéstia.
Valencia continuou a ler e franziu a testa.
- Pelo que entendi, a "Mont-Blanc" abordou o artefato e uma doutora Adelynn Ross entrou nele e realizou alguns testes... e daí?
- Até aí, nada demais. O que o relatório não diz, mas descobri na base de dados do RH, foi que a dra. Ross morreu a caminho da Terra.
Valencia baixou a folha de papel e encarou a colega.
- E... a causa da morte?
- Suicídio - retrucou Salas. - Aparentemente.
Valencia reclinou-se em sua poltrona, frente a um painel de controle desativado.
- E agora querem que um de nós entre lá e faça a mesma coisa... mas não um dos seus cientistas!
- Pode ser coincidência, - arguiu Salas - mas dá o que pensar, não acha?
- Eu não vou entrar naquela coisa - afirmou Valencia em tom decidido.
- Nenhum de nós deveria entrar - replicou Salas.
[Continua em "Temos um voluntário"]
- [25-01-2019]