Neon Rocket Memory
A porta de metal platinado desliza pros lados e um escaner reconhece a visita como sendo Saraleen. As câmeras montadas nas paredes, apesar de não desviaram o olhar, não miram mais em sua testa.
- Bem vinda! - Diz um velho cyborgue soltando fumaça verde de seu charuto . - Como foi a viagem? Espero que as milícias não tenham te dado trabalho pra chegar aqui.
Ela observa ao redor da oficina com seu único olho bom. Tralhas e frascos, fiações e placas-mãe pelo piso. Cheiro de combustível e plutônio se mistura à névoa dos vapores das máquinas e bombas de xênon. A oficina mais parece um laboratório, ou um desmanche de robôs, pensa ela.
- Não. Consegui um passe nível 3 na metrópole. Peguei carona em uma moto roubada também. Por isso não demorei. Onde está a peça?
- Bem aqui.
O velho tira de seu casaco um globo cintilante, que emana uma luz azulada e verde, vermelha ao mesmo tempo. A peça é pequena e adornada com ouro e silício.
- Mas para o que vai usar isso, se não se incomodar de contar?
- Vou sair daqui. Viajar para longe. Bem longe
- Vai até Rigil Kentaurus? Dizem que o Sol de lá é belo.
- Não. A nave que montei nesses séculos de roubos é capaz de me levar muito mais além do que uma simples galáxia próxima. Esse motor de traquix que o senhor me fez pode ser a chave para eu ir até o limite.
- Você quer ir até o fim do espaço?! - O velho tenta esboçar um sorriso com seus lábios de carbono, mas logo fica sério, analizando as possibilidades. É possível ouvir seu processador trabalhando tanto quando o resto do cérebro orgânico que ainda existe ali.
- Você vai morrer…
- Não vou.
- .. de tédio! Se me deixar completar. O velho estende o braço e uma projeção do planeta aparece em sua frente.
- Saindo de Marte, você vai atravessar nosso sistema solar, sem contar em milhares de quadrantes de entulhos, lixo espacial e satélites que existem por lá. Se a nave aguentar até lá, você ainda precisa sair da Via Láctea e cruzar todo o Aglomerado de galáxias. Sabe quanto tempo isso vai levar?
-Para mim? Alguns minutos.
-Mas para nós não. Sua viagem vai te custar tudo e mesmo assim a recompensa será infinita em comparação. Afinal de contas, um android não morre. Você pode viajar até o início de tudo e na volta, presenciar o fim. Vai encontrar as respostas que 300 séculos não descobriram e não vai ter com quem compartilhar nada disso.
-É o meu propósito. Eu irei até o limite em hibernação e voltarei a funcionar quando se passarem milhões de eras.
- Eons, eu diria. Se meus cálculos estiverem corretos, mesmo em
hibernação criogênica, os atómos de seu corpo ainda vão se decompor, tão lentamente que nem mesmo o tempo notaria. Mas ainda assim você não poderá voltar dessa viagem sem virar pó no meio do caminho.
-Não pretendo voltar. Vou descobrir como tudo começou. Vou salvar em minha memória e enviar os dados através das galáxias. Uma próxima humanidade poderá recolher os dados e se desenvolver sem nossas dúvidas. Quando eu fizer isso, desligarei, sabendo que a nova humanidade crescerá ciente da sua insignificância em relação a tudo.