Toque de recolher
Alta noite. O velho Salomão caminha solitário pelas calçadas. A cidade está em ruínas, e a lua pálida vai ganhando aos poucos um aspecto acinzentado. Tudo se submete ao silêncio. O velho Salomão murmura coisas que nem mesmo ele entende.
Eis que se escuta ao longe o piar de uma coruja velha, e a luz da casa em frente se apaga de repente. O velho Salomão para e se dá conta de que está perdido, mas não se importa.
Afasta-se. As botas batidas vão deixando marcas de graxa até o banco, perto da fonte. O velho Salomão senta-se e coça os olhos, olha em volta e vê apenas a escuridão, calada.
Num súbito instante, um clarão emerge de dentro da viela, e o velho Salomão caminha indiferente até lá. Já não sente mais o peso do próprio corpo, fecha os olhos e é como se estivesse flutuando. O cachorro ao seu lado começa a latir de modo intenso e continuo.
O velho Salomão olha para baixo e não sente os pés no chão. Nessa hora, se lembra do dia em que pensou que podia voar. Era apenas um menino quando subiu no morro e saltou, caindo de cara no chão. Assim, o velho Salomão descobriu a gravidade.
De lá para cá, descobriu outras coisas também, mas não estava interessado nisso. Todas as suas descobertas o levaram a crer que a vida não vale a pena.
O velho Salomão olha para baixo e sente o mundo distante. As casas na cidade parecem miniaturas. Ele tenta esboçar um sorriso, mas não consegue. Desiste. A brisa no céu é quente e queima lentamente os seus lábios. O velho Salomão observa as estrelas e permanece inerte. Aos poucos, pisa em solo lunar.
Dali, a terra é insignificante como ele próprio. Então, o velho Salomão olha em volta e vê que não é o único. Por todas as partes da lua ele vê pessoas. Pessoas como ele: Um louco em busca de amor próprio, um poeta em busca de palavras, um ator que esqueceu o texto e um dançarino que dança sem música. Todos se doendo, tristes...
Havia um homem na terra que dizia que ostra feliz não faz pérola. Quem sabe ele estivesse ali, no meio daquelas pessoas.
O velho Salomão olha de novo para a estrela azulada e sente que não vai mais voltar. Nesse instante, ele descobre a coisa mais importante de sua vida: As pessoas normais, quando morrem, vão para debaixo da terra; as outras, sobem.
E o dia amanhece morto.