Entre nós
100.000 a.C.
Alienígenas visitaram a Terra. Eles e os ancestrais dos humanos coexistiram, pacificamente. E os alienígenas assumiram a constituição física humana, e com os humanos acasalaram.
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2.004 d. C.
Astrônomos, no Chile, vasculharam o universo com telescópios sofisticadíssimos. Detectaram um astro sideral, que se assemelhava a uma nave espacial, nas proximidades de Plutão. Analisaram-lhe a trajetória. Dirigia-se o astro sideral à Terra. Apalermados, os astrônomos assustaram-se, no início; renovado o equilíbrio emocional, debruçaram-se sobre os cálculos, e os refizeram. Confirmaram os dados anteriores. Analisaram, detidamente, as imagens que recebiam, e concluíram: Uma nave espacial rumava à Terra.
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Centenas de milhares de pessoas, em todos os continentes, sentiram fortes dores de cabeça, e dobraram-se de dor. Muitas dentre elas foram hospitalizadas. Às dores de cabeça seguiram-se vômito, tremores de corpo e diarréia. Médicos e cientistas debruçaram-se sobre livros de medicina, trancaram-se nos laboratórios, e empreenderam, em vão, muitas pesquisas sobre a doença que cometeu milhões de pessoas.
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Informações de observatórios astronômicos do Chile.
Com a velocidade com que deslocava-se, a nave espacial chegaria à Terra em seis meses.
A nave tinha mais de setecentos metros de diâmetro e mais de duzentos metros de altura. A sua origem os humanos a desconheciam. E a qual espécie pertencia a sua tripulação? E qual era o intento dos seres que a compunham?
Os altos escalões dos governos dos países mais desenvolvidos mantiveram a notícia em segredo.
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Em uma assembléia secreta, os membros do alto escalão dos governos dos principais países do mundo e astrônomos de observatórios astronômicos do Chile, dos Estados Unidos e da Austrália, trataram da existência da nave espacial e da sua aproximação da Terra. Queriam decidir quais preparativos os humanos deveriam tomar. O que fariam se os tripulantes da nave fossem seres hostis? Aguardariam a agressão, e revidariam, ou antecipar-se-lhes-iam, e os atacariam? Se fossem inofensivos, como os receberiam? Indecisos, decidiram esperar por mais informações a respeito das peculiaridades da espécie que tripulava a nave espacial.
Os governantes dos principais países do mundo e os astrônomos que sabiam da existência da nave alienígena estavam ansiosos e preocupados. Previam as ressonâncias políticas, sociais e econômicas caso a população mundial dela tomasse conhecimento.
Preparar-se-iam para receber a espécie extraterrestre, fosse ela ou guerreira, ou pacífica.
Não poderiam evitar a aproximação da nave.
Conservariam a existência da nave ao desconhecimento da população mundial.
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Em todos os continentes, em todas as ilhas habitadas por humanos, em todas as comunidades isoladas nas florestas tropicais, pessoas sentiram fortes dores de cabeça, e curvaram-se, e vomitaram, e debateram-se, e afligiu-as diarréia debilitante. A intensidade das dores que as pessoas afetadas pela doença sentiram superava a dor que sentiram na primeira epidemia, e, segundo estimativas das organizações de saúde de todos os países, atingiu um número maior de pessoas, que sararam, repentinamente, e nelas não se detectou sinais da doença, cujo agente causador autoridades médicas de todo o mundo procuraram, em vão.
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A nave passava por Júpiter. Astrônomos de várias partes do mundo captaram, dela, imagens nítidas, e maravilharam-se com o que viram. Qual era a tecnologia de uma nave tão magnífica? perguntaram, mensurando, em imaginação, a grandiosidade da civilização que a construiu.
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Terceira epidemia da misteriosa doença, que, como as duas anteriores, principiou repentinamente, e desapareceu sem deixar vestígios. As suas características causavam espanto em todos os cientistas que a estudavam. Ninguém sabia dizer de que doença se tratava. E nesta terceira epidemia algo de singular aconteceu: Algumas pessoas manifestaram agressividade que ninguém havia manifestado nas epidemias anteriores, e era impossível controlá-las; elas adquiriam, durante o tempo que permaneciam em seu estado alterado, agressivas, mais força e resistência físicas. Houve o caso de um homem que, alvejado por dois projéteis, disparados de um revólver empunhado por uma mulher que ele atacara, não sofreu nenhum arranhão; os projéteis bateram no corpo dele, e ricochetearam.
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Os médicos das organizações mundiais de saúde não sabiam qual era o agente causador da misteriosa doença.
As pessoas perguntavam-se o que estava acontecendo. Queriam saber de que doença se tratava e porque pessoas que dela adoeceram sentiam dores debilitantes, tinham vômitos, diarréias, e algumas manifestavam agressividade incomum, e adquiriam força e resistência físicas inigualáveis.
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Os astrônomos receberam imagens da nave espacial. Espantavam-se, boquiabriam-se, à medida que da Terra ela aproximava-se.
A nave era maior do que pensavam eles; dir-se-ia que ela aumentava de tamanho à medida que se aproximava da Terra.
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A quarta epidemia da doença misteriosa foi mais devastadora do que as três anteriores. Persistiu por duas semanas. Em todo o mundo, famílias inteiras manifestaram-na. Mais intensa a agressividade das pessoas infectadas, cujo corpo adquiriu mais resistência.
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Na assembléia especial da ONU, todos os chefes de governo de todos os países trataram das misteriosas epidemias, que tanto os preocupavam, e da aproximação da nave extraterrestre. Inúmeros governantes ouviram, atentamente, as notícias sobre a doença misteriosa e as notícias sobre a nave extraterrestre, de cuja existência, até então, apenas os chefes de estado das principais nações do mundo estavam inteirados. A incredulidade e o ceticismo deles dissiparam-se quando apresentaram-lhes as provas da existência da nave espacial. Mesmo assim, houve aqueles que mostraram-se incrédulos. As controvérsias prolongaram-se durante muitos dias, no decurso dos quais a população mundial informou-se a respeito da nave espacial, e, ao mesmo tempo espantada e fascinada, interessou-se em saber mais a respeito dela. Em nenhum outro momento da história publicou-se tantas reportagens sobre vida extraterrestre.
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Uma pergunta produziu infindáveis controvérsias: Por que algumas pessoas adoeciam misteriosamente, e outras não? Algumas pessoas adoeceram nas quatro epidemias, outras nunca manifestaram a doença. Procuraram pela resposta no organismo das que manifestaram a doença. E não a encontraram.
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Chegaram à Terra magníficas imagens da nave espacial. Muita gente, incrédula ainda, acreditava que se tratava de uma farsa: as imagens eram constituídas de efeitos especiais de computação digital produzidos por estúdios de cinema de Hollywood.
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A quinta epidemia foi mais intensa do que as quatro anteriores. Modificou-se o corpo das pessoas que manifestaram a doença misteriosa. À doença misteriosa alguns cientistas associaram a nave espacial que se aproximava da Terra, e os mais perspicazes concluíram que não se tratava de doença, mas de um processo natural de metamorfose. O corpo de algumas pessoas, acreditavam eles, tinha alguma relação com a espécie dos seres que tripulavam a nave extraterrestre. Tais cientistas foram ridicularizados. E mais ridicularizados foram os cientistas que declararam que eram alienígenas as pessoas que adoeciam da doença misteriosa.
Em todo o mundo, pessoas transformaram-se em criaturas semelhantes a ovos.
- É o corpo humano apenas um casulo? - perguntaram-se alguns cientistas. - A aproximação da nave espacial extraterrestre ativou o processo de metamorfose?
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Governantes de todas as nações não sabiam como proceder diante dos eventos recentes e dos que estavam por vir - e eles não sabiam quais eram. Durante quatro dias, muitas pessoas transformaram-se em criaturas ovóides - mais da metade da população mundial, calcularam alguns estudiosos.
Os humanos que não se transformaram em criaturas ovóides romperam contato com as que haviam se transformado. Em toda cidade formaram-se duas comunidades distintas. Uma, de criaturas ovóides; uma, de humanos.
A nave deteve-se a duzentos mil quilômetros de distância da Terra, e começou a irradiar brilho intenso incomum.
Na Terra, as criaturas ovóides transformaram-se, cresceram, rapidamente, em pouco tempo dobraram de tamanho, e assumiram um aspecto longílineo. Tinham três metros de altura, eram esguias, macérrimas, de cabeça imensa, desproporcional ao corpo, e não pesavam vinte quilos; não apresentavam esqueleto semelhante ao humano; pareciam compostas de uma peça, um osso, cuja composição diferia dos ossos humanos, de constituição plástica, flexível. No topo da cabeça, possuíam uma caixa craniana semi-transparente em cujo interior havia um cérebro esverdeado fosforescente.
As criaturas longílineas que resultaram das rápidas transformações pelas quais passaram as criaturas ovóides, o cérebro a brilhar, atacaram os humanos. Os humanos debateram-se de dor, caíram no chão, escabujaram - e muitos dentre eles morreram. Quando as criaturas alienígenas tocaram os cadáveres humanos, eles desapareceram, e nuvens deles desprenderam-se.
Os governantes de todas as nações convenceram-se de que estavam diante de uma ameaça à vida humana e à vida na Terra, e reagiram à altura. Forças militares de todas as nações atacaram as criaturas longílineas. Armas comuns nada podiam contra elas. Os projéteis que as atingiam nelas alojavam-se, e nelas permaneciam como se por elas houvessem sido sugados, e pouco depois elas os expeliam.
E a batalha, decisiva para os humanos, que, pela primeira vez, se viram diante de uma ameaça à sua existência, prosseguiu indefinida, imprevisível.
Dezenas de milhões de humanos pereceram no primeiro dia de combates. As criaturas longílineas os sobrepujaram. Os humanos desfaleciam aos milhares, em cada minuto, e nenhuma criatura longilinea morria. Tinham elas, presumiam os humanos, uma fraqueza, pois, durante milhares de anos no interior do corpo humano, enquanto viviam como humanos, muitos indivíduos daquela espécie morreram (os cientistas haviam, à luz dos acontecimentos, chegado à conclusão de que há milhares de anos alienígenas aportaram, na Terra, e acasalaram com os humanos). Tinham de descobrir a fraqueza delas antes que elas dizimassem toda a vida na Terra.
Os humanos atacaram as criaturas longilineas com armas mais potentes, e não conseguiram reverter a situação. No segundo dia de batalhas, pereceram dezenas de milhões de humanos.
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Decorrido um mês, quase todos os humanos já haviam perecido, e inúmeras espécies animais já haviam sido extintas.
E encerrou-se a guerra. As criaturas longilineas dizimaram a humanidade.
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A nave que orbitava a Terra aterrissou no oceano Atlântico, em cujo fundo permaneceu. As criaturas longílineas transformaram-se em criaturas ovóides, e reduziram-se-lhes as dimensões, e dirigiram-se para a nave, nela entraram, e dela não se retiraram.
A nave fincou-se no chão do oceano. Enterrou tentáculos de dez quilômetros de comprimento no solo oceânico, os mais extensos penetraram cem quilômetros nas terras submersas.
Começou a sugar a energia do planeta.
Conservou-se, durante centenas de milhares de anos, a sugar a essência da Terra.
Na superfície da Terra não havia nem animais, nem vegetais. A atmosfera, a gravidade, o relevo, as propriedades das matérias que compunham o planeta modificaram-se para permitir a vida dos seus novos habitantes.
Enfim, a nave recolheu os tentáculos, e deslizou, pelo solo submarino, até a superfície. Dela retiraram-se as criaturas, ovóides umas, longílineas outras.
Da espécie humana nenhum vestígio havia. E novas espécies surgiram. Uma delas, uma planta, revestiu a superfície da Terra.
As novas espécies erigiram, em pouco mais de duzentos anos, uma civilização magnífica.