Projeto Cidade Transversal - É impossível...
Uma tempestade de poeira estava açoitando a Cidade e todos estavam dentro de suas moradias esperando aquilo passar. Nunca tal tipo de fenômeno havia acontecido daquela forma, sem nenhum tipo de aviso.
Kev sorveu vagarosamente um café puro e sem açucar que havia passado a pouco. Experimentou um primeiro gole, lambeu os lábios e depois suspirou.
Andou vagarosamente pela sala que estava iluminada por dois pares de luzes brancas que estavam no teto e que de forma trêmula piscavam vez ou outra por conta das altas de energia que estava acontecendo na rede elétrica da Cidade.
Colocou a sua caneca num dos braços da cadeira que estava virada diretamente para o seu quintal. Ali ele podia ver as árvores se contorcendo e lutando para ficarem presas ao chão, pois o vento estava extremamente forte.
Ao se sentar na cadeira e pegar a sua caneca para sorver mais um pouco do café alguém bateu na porta da sua casa.
'Como?', pensou consigo mesmo, pois havia um toque de recolher mandatório. 'Quem?'. Ele se levantou e olhou pelo olho-mágico e não havia ninguém. 'Talvez uma pedra', pensou, 'Por isso é bom este toque de recolher. Levar uma pedrada não seria nada divertido.', e tomou outro gole do café que estava bem forte, fazendo-o tossir um pouco.
Quando se virou para voltar a sua cadeira, mais uma vez alguém bateu na sua porta, mas, desta vez, foram três batidas precisas. Alguém estava lá fora.
Ao olhar novamente pelo olho-mágico uma pessoa coberta por um sobretudo marrom estava a frente da porta. Ele não pode ver quem estava ali e ficou na dúvida se abria a porta ou não. Quem era louco de andar numa tempestade como aquela?
Foi em direção ao videofone próximo a porta e ligou-o, ali falou: "Quem é?"
A figura que estava do lado de fora da casa não falara nada. 'Talvez não tenha ouvido.', apertou alguns botões e deixou o alto-falante no seu volume máximo. "Quem é você? O que deseja?"
A pessoa levantou a sua mão direita e ele pode observar bem que havia um símbolo desenhado nela. Kev engoliu seco e destravou a porta com as suas cinco fechaduras e, em seguida, abriu-a para a figura. Ela entrou rapidamente, fechando a porta detrás de si.
"O que você veio fazer aqui?", a sua voz estava trêmula. Não pensava que aquele momento iria chegar, não agora.
Antes que pudesse falar alguma coisa, a pessoa a sua frente bateu toda a poeira de sua roupa, causando uma certa comoção e sujeira na sala de Kev. Ele observou aquilo e suspirou. 'Agora ainda vem fazer isto na minha casa.'
A figura retirou o sobretudo vagarosamente. A primeira coisa que Kev pudera observar era a sua roupa. Em tecido sintético, ele era quase que completamente negro a não ser a parte dos ombros que mostravam um azul petroléo. O seu cabelo também era algo fora do comum, pelo menos para a Cidade, era um cintilante vermelho quase fogo e tinha suas orelhas levemente pontudas.
"Então?", disse a figura a sua frente. "Relatório...", continuou jogando o sobretudo em algum lugar na casa. "Vai dizer que depois de oito anos você ainda não fez sequer um relatório deste lugar?"
"Pois bem, Senhorita Summers, durante os primeiros oito anos, eu fiz sim todos os relatórios que me foram pedidos no começo desta 'missão', mas, depois que ninguém entrou em contato, deixei de lado esta história de fazer relatório e, bem, já se passaram mais de dez anos depois dos oito anos iniciais."
"Dez anos? Mas isto não é possível. Nós cronossincronizamos o contato final entre o tempo da Cidade com o Tempo do Universo. Fizemos de acordo com os Manuais Temporais que nos foram providenciados."
"Então joguem este Manuais fora." - Disse ele calmamente, sorvendo mais um pouco do café que estava na sua caneca. "Nunca imaginei que vocês cientistas pudessem errar tanto e por muito tempo. Já tinha dado causa perdida e você vem, agora, depois de dezoito anos, me pedir relatório. Você sabe o quão difícil é adaptar a energia da Cidade para os nossos padrões? Tive que, praticamente, desenvolver uma engenharia completamente nova só para isto." - Kev se aproximou de um baú e lá estavam duas dúzias de tablets. "Vinte e quatro unidades que me permitiu gravar oito anos. Vocês também não sabiam da possível interferência que o local poderia dar na hora da gravação não é? Todo o lugar é preenchido por uma energia um tanto quanto exótica."
"Sim, isto nós podemos perceber pelos sensores e pela quantidade de prédios uns completamente diferentes dos outros." - Disse Summers. Ela sacou um registrador e analisou o lugar onde estava. "Tudo feito com proto-matéria, pelo visto."
"Muito mais do que isto, não é apenas a matéria primordial que se encontra aqui, mas também o tempo inconsciente e o espaço nulo. Toda a Cidade literalmente está assentada numa sopa primordial do tempo e espaço..."
"Fascinante..." - Foi o que disse Summers. "Você bem que poderia me oferecer um pouco deste café que está tomando. Café feito com proto-moléculas deve ser algo interessante, para dizer o mínimo, para alguém do espaço normal."
"Poderia, mas a primeira vez que eu tomei isto, tenho de te dizer que não foi uma das melhores experiências, parecia até que alguém estava queimando a minha garganta com plasma de dobra. Precisei de duas semanas para o meu corpo se acostumar energeticamente com as propriedades primordiais do lugar..."
"Mas porque, então, o oxigênio que respiramos e as coisas que tocamos não nos fazem o mesmo mal?"
"Se eu soubesse explicar estaria nos relatórios, mas não posso responder sobre isso. Na verdade, a única explicação que eu consegui descobrir é que está tudo ligado ao Complexo."
A tempestade continuava a castigar violentamente a Cidade e parecia não ter fim aquilo. Kev nunca havia presenciado tal nível de tempestade e nem a violência dela que continuava a aumentar e não a diminuir.
"Este clima é normal aqui? E o que diabos é Complexo??" - Perguntou Summers para Kev.
"Bem..." - Ele colocou a caneca em cima da mesa e puxou uma cadeira para que Summers pudesse sentar. "Em alguns locais este clima não seria algo tão estranho, mas em outros, como é o caso da Cidade em si, sim, é muito estranho e nada normal. Mas já me disseram que no passado a Cidade era mais intempestiva, só não sei dizer se é algo literal o que as pessoas dizem... fui procurar na Grande Biblioteca e por melhor que fosse o treinamento da Frota e os anos como arquivista da Federação, nada, literalmente nada, me preparou para uma visita para aquele lugar. Mesmo que eu passasse dez anos ali, pesquisando, não teria como eu me inteirar por completo sobre o passado da Cidade ou sobre o Complexo." - Ele pegou uma garrafa com um líquido que parecia como água. "Você precisa se acostumar com algo mais simples, com menos proto-massa."
"Água?" - Ela levantou uma sobrancelha.
"Algo ainda mais simples." - Kev encheu um copo com o líquido transparente que, aparentemente, parecia ser como água. Ao passar pelo registrador, no entanto, o mesmo registrava que o líquido tinha apenas a composição química com apenas uma subpartícula atômica muito parecida com o eletron.
"Como isto pode ter uma coesão deste nível? É... impossível..."
"A física aqui é bem diferente, ainda assim, bem parecida com a do nosso universo. Mas, como eu disse, nada é aparentemente aquilo que parece ser... as pedras fundamentais da física e da química não são distorcidas aqui, mas estão no seu estado mais primordial possível, tudo isto controlado pelo Complexo."
Ela pegou o copo. Cheirou e percebera que não tinha nenhum cheiro, assim como a água, tocou o líquido com o seu dedo indicador e sentiu um certo formigamento leve. Sorveu um pouco do líqudo e era como que pequenos choques deixando o seu esôfago dormente. Tossiu um pouco, respirou e terminou de tomar o líquido.
"Cof, o que é, cof, Complexo?
"Respire um pouco e, digamos, explicar sobre o Complexo é algo tão complicado como explicar o inicio do universo em si. Pelo que eu entendi, a Cidade e o Complexo tem uma relação intrínseca. Um é o local onde todo o tempo e o espaço se cruzam, o outro é onde o tempo e espaço tem um começo e um fim. Um foi feito para ser observado, outro foi feito para vigiar. Um é para dar sentido as coisas, outro é para controlar o sentido das coisas. Quem conhece a Cidade, sente as nuances que nela existem, no Complexo as nuances são criadas, por isso que podemos tocar nestes objetos, respirar este ar, é no Complexo que está o controle da Cidade, mas, até onde me foi dito ninguém nunca conseguiu chegar neste Complexo, em muitos casos, nas muitas aventuras de pessoas que foram atrás deste Complexo, ninguém chegou próximo de achá-lo."
"Ninguém? Nem mesmo uma pessoa sequer?" - Summers não poderia acreditar nisto. Se algo existe é porque alguém ou encontrou ou conseguiu ter uma informação mais segura sobre. "Se existe o conhecimento do Complexo é porque alguém já foi até lá."
Os dois não haviam percebido, mas a tempestade havia parado no momento que Summers questionou sobre ninguém ter estado lá.
Alguém então bateu na porta de vidro que dava para o quintal de Kev e aquilo foi completamente estranho para ele, já que a sua casa era completamente murada. Quando os dois se levantaram para ver quem estava ali a porta já estava se abrindo e alguém com um uniforme negro e detalhes em vermelho, uma mão enegrecida e com um tom metálico estava frente a frente dos dois.
Summers ficara surpresa com a figura a sua frente. Era impossível. Ela havia visto ele ser morto no final da Guerra pelas gravações feitas por mais das cem naves presentes naquele momento.
O homem a sua frente tinha um dos seus olhos cintilando na cor esverdeada, como se a energia do próprio corpo estivesse procurando um local para sair.
Kev não acreditava naquilo. Aquele homem na frente dele era um tipo de mito, de lenda, de algo que não poderia ser tocado há, pelo menos, setenta anos, senão mais, alguns já até acreditavam que ele tinha sido uma invenção da Frota.
"Não mais..." - Foi a fala do homem para os dois e com um gesto tudo ficara branco e, de repente, eles pareciam se encontrar na... Terra?
"Summers, era ele?" - Kev perguntou de maneira completamente descrente. "E como nós viemos parar na Terra?"
"Sim, era... meu pai... mas é impossível..."
"Existe um ditado na Cidade Transversal, nada é impossível, apenas aquilo que ainda não foi imaginado."