Civilização

A banca examinadora resolveu inovar naquele ano, e em vez de mandar os formandos em exogeologia para um mundo morto qualquer, preferencialmente sem atmosfera, lhes deram uma incumbência bem específica, a ser cumprida num planeta pululante de vida selvagem. O tipo de lugar que, em épocas remotas, seria incluído num projeto qualquer de colonização, já que as condições de habitabilidade sequer exigiriam terraformação. Na atualidade, seria muito mais fácil e seguro criar um Orbital sob medida, o qual poderia ter a superfície de centenas de mundos como aquele - sem os problemas associados a estes, como terremotos, erupções vulcânicas e inversões de pólos magnéticos, apenas para citar três.

- Planetas fedem - declarou contrafeito Sor Enah, formando do Orbital Tambaro, ao desembarcar da astronave que os levara até ali.

- Você bem que preferiria ficar no ar condicionado do escritório do seu pai fazendo projetos - troçou Nin Onur, outro formando de Tambaro. - Mas alguém precisa sujar as mãos de vez em quando.

- Se o problema é sujar as mãos, ponham luvas - atalhou outra formanda, Hej Seih, do Orbital Gumbage.

- Nada a ver isso de eu não querer fazer trabalho de campo, mas o que será que essa banca tem contra planetas sem atmosfera, onde podemos nos deslocar no conforto de um traje espacial? - Protestou Sor Enah.

- O que você tem contra se expor à luz do sol e sentir o vento na cara? - Questionou Hej Seih.

- Sabe-se lá que espécie de criaturas vivem num lugar como esse! - Retrucou Sor Enah, olhando em torno.

"Shaq-Cery", a nave do Centro de Altos Estudos da Galáxia que os levara até ali e monitorava o progresso da equipe, descera num planalto rochoso onde cresciam gramíneas duras e arbustos retorcidos, entre uma floresta de árvores enormes e milenares e uma praia de mar aberto, com areia muito branca. No céu azul, quase sem nuvens, era possível ver a grande lua do planeta, em quarto crescente. Foi para ela que Sor Enah lançou um olhar cobiçoso.

- Ah, se pudéssemos fazer esse estudo lá... tudo seria muito mais rápido!

- A banca não quer facilitar a nossa vida - atalhou Hej Seih. - E sequer sabemos se há algum vestígio tecnológico na lua; muitas culturas primitivas jamais chegaram ao estágio do voo espacial antes de desaparecer.

- A lua está fora de jurisdição para vocês até o fim do teste - intrometeu-se a "Shaq-Cery" na conversa, através dos receptores de rádio do grupo. - Tratem de se concentrar na tarefa que lhes foi dada.

Resmungando, Sor Enah e Nin Onur montaram a sonda de prospecção sobre um tripé metálico, a poucos metros de distância da nave, enquanto Hej Seih monitorava as leituras de um analisador portátil.

- Afastem o gerador de campo para a esquerda, está dando interferência - declarou, testa franzida. Os dois rapazes bufaram, mas seguiram a orientação. Finalmente, Hej Seih consultou seu analisador e deu-se por satisfeita.

- Podemos começar - avisou. - Uma profundidade de 200 m deve ser suficiente.

Sor Enah e Nin Onur afastaram-se da sonda, quando ela começou a emitir um pulso de baixa frequência, ao fazer a varredura das camadas geológicas abaixo. O trio acompanhava o progresso atentamente, por seus analisadores portáteis.

- Vejam isso! Há um campo de petróleo bem abaixo de nós! - Exclamou extasiado Nin Onur.

- Interessante, mas não prova nada - decretou Hej Seih.

- A relação entre carbono 12 e 13 muda bruscamente há cerca de 60 milhões de anos - animou-se Sor Enah, acompanhando um gráfico na tela do analisador. - Pode ser um indício da queima de combustível fóssil!

- Defina "bruscamente" - atalhou Hej Seih.

- Em termos geológicos... algumas centenas de milhares de anos - reconheceu Sor Enah.

- Não deve ser o que estamos procurando. Mais alguma evidência que dê suporte à atividades tecnológicas num passado remoto? - Inquiriu Hej Seih.

- Inconclusivo - antecipou-se Nin Onur.

- Tem que haver, ou não estaríamos aqui - arguiu Sor Enah.

- Não necessariamente - retrucou Hej Seih. - Mas teremos que justificar uma negativa.

Os três pararam de falar simultaneamente, pois as leituras nos instrumentos haviam mostrado uma alteração característica.

- Vejam esses níveis de carbono 13... estão quase tão altos quanto naquela camada de 60 milhões de anos atrás... só que o período de emissão concentrou-se ao longo de pouco mais de 300 anos! - Exclamou Sor Enah.

- Isso poderia ter uma explicação natural? - Questionou Hej Seih.

- É um prazo muito curto, compatível com atividade tecnológica... queima de combustível fóssil! - Atalhou Sor Enah.

- Nin Onur? - Inquiriu Hej Seih.

- Na mesma camada há leituras altas de nitrogênio, característica de agricultura praticada em larga escala - respondeu ele. - E nanopartículas de polímeros complexos, aparentemente de origem artificial.

- Plástico! - Exultou Sor Enah.

Hej Seih pareceu convencer-se.

- Todos de acordo de que esta camada de 5 milhões de anos é uma forte evidência de que houve uma civilização tecnológica neste planeta?

- A decisão deve ser unânime - lembrou a nave.

Hej Seih olhou para seus companheiros, e depois declarou pelo rádio:

- Todos de acordo!

- Parabéns! - Respondeu a "Shaq-Cery". - Vocês acabam de ser aprovados no exame final!

E enquanto o trio comemorava, acrescentou:

- Agora, se quiserem, podemos dar uma olhada nos artefatos deixados na lua deste planeta. Definitivamente, foram produzidos por criaturas que viveram neste mundo.

- E o que foi feito delas? - Indagou Sor Enah.

- Ah, isso é uma resposta para o curso de exopaleontologia - replicou a nave.

- [04-12-2018]