A realidade dos sonhos

Dmitry Alekseev ergueu a cabeça do jornal coberto de símbolos ilegíveis e olhou em torno. Estava sonhando novamente - seu sonho recorrente, reconheceu. O mesmo café em Paris, a mesma mesinha na calçada, o mesmo nevoeiro denso como sopa de ervilhas que esfumava todos os detalhes a poucos metros de distância. O café agora, pelo menos estava iluminado por dentro, e pela porta envidraçada onde havia um nome gravado em arabescos pretos que ele não conseguia ler, saiu um garçom de bigode louro e avental branco cobrindo a frente do uniforme, uma bandeja metálica erguida na mão direita. Dmitry Alekseev o encarou, analiticamente; provavelmente, era alguém que ele conhecera na Terra, talvez até mesmo um garçom de um dos locais que costumava frequentar em Paris: o cérebro não inventa os personagens dos sonhos, apenas reaproveita rostos que já vimos.

- Trouxe o chá com torradas que sua mãe solicitou - disse o garçom à guisa de introdução.

- Minha mãe se foi... - retrucou o cosmonauta, olhando em redor.

- Talvez queira aguardar por seu retorno - retrucou o garçom, colocando a bandeja prateada sobre a mesa. Nela, em vez da refeição citada, havia apenas um telefone de teclas, vermelho. Não possuía nenhum fio que sugerisse que o aparelho estivesse conectado à rede telefônica, mas mesmo assim Dmitry Alekseev ergueu o fone do gancho e encostou-o à orelha. Ouviu o tom de discar, e, em seguida, a voz de sua mãe, suave e longínqua.

- Dima... desculpe se o deixei sem me despedir. Eu não podia realmente ficar mais tempo.

- Por que, mãe?

- Acho que eles não podem sustentar uma realidade complexa como essa por muito tempo, mesmo baseando-se nas suas recordações - declarou ela.

- Se eles conseguem acessar minhas recordações, haveria tanta coisa que poderiam trazer à tona... - ponderou ele. - Talvez eu gostasse de estar com você na dacha do avô, quando eu era criança...

- Vou anotar a sugestão - respondeu ao seu lado o garçom, como se estivesse ouvindo a conversa por uma extensão invisível. Dmitry Alekseev voltou-se para ele, curioso.

- Afinal, quem é você? - Indagou.

- Este é aquele a quem chamam "Promotor de Eventos" - respondeu a mãe em seu ouvido.

- Que tipo de eventos ele promove?

- Eventos como esse - retrucou o garçom, olhar perdido no nevoeiro que revoluteava ao redor deles. - Está sendo um aprendizado prazeroso para nós, poder travar contato com sua espécie por esse método.

- Então, vocês também sonham - ponderou o cosmonauta.

- Naturalmente que sonhamos - anuiu o garçom, agora de costas para ele. - Todas as criaturas com um mínimo de inteligência, sonham. Mas um construto como esse, exige uma capacidade de interação de um nível mais alto.

- Você poderia trazer minha mãe de volta - sugeriu Dmitry Alekseev, esperançoso. - Não sabe como gostaria de poder conversar mais tempo com ela.

- Isso poderá ser arranjado - prometeu o garçom, caminhando em linha reta para dentro do nevoeiro e ficando mais indistinto a cada passada. Finalmente, desapareceu.

O telefone vermelho sobre a mesa começou a tocar. Antes que o cosmonauta tirasse o fone do gancho, acordou em sua poltrona de pilotagem. O zumbido estridente continuava, contudo: alguém da Terra estava tentando falar com ele pelo rádio.

- [09-10-2018]