A janela de Pandora - Capítulo 5 - Adeus, Charlize
Em algum lugar de Ymir, em 2209.
- Absalão é um terrorista. O que ele fez em Atlas não tem perdão. Centenas de cidadãos perderam a vida por causa de um capricho genioso. Falou o comandante.
- A ordem é capturá-lo com vida e trazê-lo até o tribunal central da ONT. Ele não escapará da nossa justiça.
Doente e ferido, Absalão andava pelas favelas tentando reaver um lugar para que pudesse descansar. – Gaia, onde estará aquela desgraçada?
Dia da festa da Academia dos Engenheiros, laboratório do Absalão, 2206.
- Você é uma garotinha muito inteligente, Gaia. Gosto de você. Disse Agatha De Caux.
- Não brinque assim com as crias, filha.
- Papai, você é um intolerante.
- Não viemos brincar. Este laboratório pertence a Absalão, e como a mãe dele, eu sabia que ele não deixaria essa menina morrer sem ajudá-la.
- Conselheiro Rodam, olhe para esta estrutura biogenética na projeção. O menino realmente é um gênio.
- Victorio, sua aposta estava correta quanto a recrutá-lo. Ele será uma ajuda sem precedentes em nossos planos.
- Papai, estamos ficando sem tempo. Precisamos voltar logo para a cidade.
- Ok, antes eu preciso dá a última instrução de Gaia. Pequenina, preste atenção. Daqui a dois anos, eu preciso que você ative o Projeto Genos, uma semana após a festa da Academia. Você entendeu?
- Sim, mestre.
Dois dias após o encontro entre Absalão e Charlize, na biblioteca da Academia, segunda-feira.
- Soube que você foi expulso da Academia, é uma pena, Absalão.
- Não enche o saco, Agatha. Acho que você tem livros para ler, não?
- Quanta insolência de um ex-aluno, melhor, de um expulso. Debochada ela disse.
- Sua opinião não me importa, cai fora. Estou ocupado.
- Muito bem, acho que agora preciso tratar intimamente com Charlize.
Absalão pareceu visivelmente alterado.
- Que conversa é essa? Charlize não andaria com uma depravada como você.
- Não é o que ela diz quando eu estou entre suas pernas.
Absalão aproximou bruscamente da rival. Eles sentiram o hálito um do outro. Os olhos penetrantes de ambos se encontraram. Agatha deu-lhe uma tapa. Ele retribuiu com um empurrão. A queda foi amortecida pela quina de uma estante. Uma pequena abertura fez jorrar sangue de Agatha pelo chão. Charlize estava ali, a 300 metros, vendo tudo.
- Seu bastardo, eu não sei o que papai viu em você.
- Agatha, desculpe-me. Eu não queria que você se machucasse assim.
- Tolo.
Sofrendo por causa da chegada da morte, Agatha contou certas verdades.
- Você é meu meio-irmão. Sua mãe era uma vagabunda que dormiu com o meu pai. E daqui uns dias você vai começar o julgamento dessa cidade.
- Que conversa é essa, Agatha?! Não morre agora. Explica.
Antes de pensar em mais alguma coisa, guardas chegaram e prenderam Absalão. Antes de levar uma pancada na cabeça e desmaiar por resistir a prisão, ele viu Charlize debruçada sobre o corpo inerte de Agatha.
O rapaz acordou. Estava ele na sala de estar dos De Caux. Nico o olhava com olhos cheios de ódio. – Papai, dê um fim nesse bastardo.
- Não podemos ainda. Ele tem a chave para nosso soro definitivo, graças à pesquisa dele a respeito da Onkos.
- Por que eu estou preso, aqui, na casa de vocês? Balbuciou Absalão.
- Por onde começar. Disse Victorio.
- Sua mente é especial. Você herdou a cognição da sua mãe, Marley. Por isso, você é um artefato precioso à família De Caux, já que estamos, como diria, tentando submeter o mundo a nossa vontade. É hora de a balança pender para um lado, nosso lado.
- Isso é impossível. Absalão respondeu.
- Era, mas com você ao nosso lado. Tudo é possível.
- E a sua filha?
- Agatha? Você a matou. Mas não há ressentimentos, já que eu matei seus pais.
Aquela verdade foi um choque na consciência de Absalão, que começara a se debater na cadeira num surto de ódio. Como o homem que foi seu pai seria capaz daquilo?
- Seu filho da puta! Eu vou matar você.
Nico injetou alguma coisa em Absalão que logo o fez acalmar-se.
- Preste atenção, sua mãe deveria ser minha mulher, se o seu pai não tivesse a conquistado. Éramos melhores amigos desde a infância. Estávamos prometidos. Conquistaríamos o mundo.
O olhar do patriarca De Caux era profundamente pesado, sem afeição, sem graça.
- Os dois foram os primeiros a experimentar o soro Mind, capaz de estimular reações de controle na mente humana. Infelizmente, eles não resistiram às doses de teste. Logo depois eu inventei junto com o segundo conselheiro, de que a síndrome Onkos foi a causa mortis.
Muitas pessoas lamentaram a perda de Allen e Marley, a doença tirou-lhes a vida muito rapidamente. Os poucos amigos íntimos do casal que questionaram a morte deles, foram sumariamente desaparecendo ou removidos para áreas de pesquisa fora das cidades.
Absalão ouvia tudo aquilo tranquilamente, graças ao soro Mind. – Agora durma e esqueça tudo, meu filho. A partir de hoje, você mudará a vida de centenas de pessoas. Ah, eu não me esqueci da jovem Ferrer, agora ela é nossa refém, mas você é o sequestrador. Durma.
A mente do rapaz foi tragada por uma escuridão. Ele não sabe se passaram horas, dias, semanas, meses ou anos. Tudo era tão linear e vazio. Quando voltou a si, ele não se lembrara de nada, apenas de estar muito motivado a continuar com suas pesquisas.
Em algum lugar de Ymir, no ano de 2209.
- Charlize, obrigado por me ajudar a estar com meus filhos novamente.
- Nada disso, Gabriel. Graças a você, as pessoas podem viver outra vez.
- Agradeçamos a Allen e Marley, e a Lina também. Os três perceberam a verdade e por isso foram capazes de criar o Libertador, o dispositivo disfarçado de captador energético.
- Sim, Lina trabalhava com os pais de Absalão. Quando ela soube da morte dos dois, cheia de mistérios. Ela sabia que deveria sair de cena, desaparecer. Mas dai estávamos noivos. Ela sabia que isso poderia ajudar a manter sua identidade protegida. Por isso ela evitou expressar questionamentos maiores.
- É uma pena que tanta gente morreu por causa da arma dos De Caux, mas o próprio filho foi capaz de trair o pai e mudar o rumo da guerra entre as famílias. Disse Ferrer.
- Aquele soro foi a pior coisa que alguém tenha inventado. E Absalão foi a ponta de lança do complemento dele. Soube que ele se esconde em algum lugar ao redor de Ymir. Gabriel afirmou.
- Eu vou procurá-lo, Gabriel. Eu preciso ajustar algumas coisas do passado. Principalmente a respeito da morte do Alberto, que morreu para que tivesse uma chance de escapar quando os Canibais começaram a atacar.
O mundo se chocou com a guerra familiar. O projeto Genos dos De Caux usaria a população escrava como armas vivas, projetados para não sentirem dor ou quaisquer outras mazelas. Apenas a sede por carne e sangue.
A princípio, Atlas foi atacada para que tudo parecesse apenas um evento isolado, para que a família De Caux se aproximasse das demais cidades e da sede da ONT, em Ymir. No entanto, numa brusca reviravolta, Nicolas assassinou o próprio pai, e com a ajuda da mãe tentaram manter o controle sobre Atlas.
Conseguiram durante alguns meses, o que ocasionou uma guerra entre os Bilderbergs e Ferrers, disputa para quem ficaria com os despojos e controle dos escravos e fábricas subterrâneas. A guerra foi medida pelas forças de elite. Assassinos foram enviados e pouco a pouco as duas famílias perderam gente. Alguns poucos precisaram se esconder para que vivessem mais um dia.
No fim, apenas a ONT, agora, comanda as três cidades. E para isso o movimento rebelde se moveu, conhecedores da realidade dos humanos nas fábricas, prestaram auxílio à Charlize e Gabriel, resgatando-os de Atlas na quinta noite de ataque dos canibais.
- Charlize, nos encontramos alguém. Disse um informante do movimento libertário.
Ele estava magro, pálido, seus cabelos e barba compridos. Vestia apenas trapos e feridas se espalhavam pelo corpo. Acompanhado dele estava Gaia, com um sorriso doce no rosto. Parecia que a gentileza voltara a ela.
- Seu desgraçado! Por sua causa eu perdi a minha família. Charlize segurava firmemente o trapo que vestia Absalão.
- Oi, estou feliz em vê-la. Há quanto tempo, hein?
- Sem jogos Absalão. O que você quer aqui?
- Bem, eu não quero nada... na verdade, eu tenho uma proposta.
- Diga então.
- Antes de fugir de Atlas, eu descobri um projeto dos meus pais, chamado de coalizador de energia.
- Sim, eu e o Gabriel usamos para converter o sistema de coleiras dos escravos. Mas precisamos chegar as centrais de cada cidade. Já libertamos Oko e Ymir. Atlas é a últimas delas.
- Meus parabéns, mas a realidade é que existem estruturas construídas sob os três continentes que originalmente usariam a energia geotérmica do planeta, mas eu as converti em uma arma. Bom, não é.
Charlize sacou uma pistola e aproximou o cano da cabeça de Absalão.
- Acalme-se, eu ainda tenho mais uma coisa a dizer.
- Cuidado com suas palavras.
- O mundo sempre foi um lugar injusto, percebi isso quando precisei recolher comida do lixo. Quando estamos na merda, não adiante recorrer à inteligência. Se o sistema não permite que você saia dele. Entende?
- Sim, e o que isso tem a ver com a arma?
- Tem a ver que ela já foi ligada e o mundo morrerá em alguns dias. Eu apenas vim me despedir de alguém tão próximo a mim. Adeus, Charlize...
Antes de Absalão falar mais alguma coisa, seu crânio foi perfurado pelo tiro de Charlize.
A jovem Ferrer chorou ao olhar para o corpo sem vida de Absalão. Gaia, também com os olhos cheios de lágrimas se aproximou dela e entregou um pacote do jovem cientista. Era uma carta.
- Charlize, eu sempre fui um canalha. Minha existência apenas possibilitou dor e morte a centenas de pessoas. A melhor coisa da minha vida foi conhecê-la na festa da Academia, por isso, eu durmo todas as noites pensando em você, antes de adormecer. Não consigo suportar o fardo das minhas decisões. Então deixarei um presente para você. Gaia sabe onde eu guardo o dispositivo Marley, batizei com o nome de minha mãe. Você será a pessoa mais capaz de julgar a existência da humanidade, ative-o se for necessário.
Com amor, Absalão.
Vida ou morte, pensou Charlize. A humanidade estava em suas mãos.
***
FIM