A janela de Pandora - Capítulo 3 - Tramas e Traumas
25 de Novembro de 2207, noite da festa da Academia de Engenheiros.
- Sirva primeiramente a mesa dos Conselheiros. Orientou Caim, o chefe dos garçons.
Homens e mulheres, sincronizados, desfilaram com brilhantes bandejas ao redor das mesas. A mesa dos Conselheiros fora primazia de toda comida e bebida servidas no decorrer da premiação. Ali perto, Absalão sentara-se à mesa da família De Caux. Ao seu lado esquerdo estava Nico, ou Nicolas, e ao lado dele, a irmã mais velha, Agatha. Victorio e Marine De Caux, os pais, estavam no lado direito. H avia também uma convidada especial, Charlize Ferrer.
A doce Ferrer estava de férias na cidade de Atlas, convidada por Agatha. – Dizem que ela foi encontrada aos beijos com a filha dos De Caux. – Não é possível? – Tão linda e subversiva às ordens naturais. Cochichavam duas senhoras.
Verdadeiramente a menina Ferrer cedeu à luxúria de sua carne. Experimentou a ocasião, oportunidade. Saciou seu desejo com o belo corpo de Agatha, a deslumbrante herdeira dos De Caux. Mulher de cabelos intensamente negros, pele amarelada, lábios finos e poderosamente roseados. Seu rosto possuía equilíbrio, leveza. As duas estudavam na Academia de Filosofia em Oko, na África. Acometidas pela febril liberdade de consciência, corações palpitaram e tudo começou com um caloroso beijo. Amaram-se.
O amor delas foi como chuva no verão. – Este é Absalão Araújo, o mais promissor bioengenheiro desta academia. Apresentou-o Victorio a Charlize. Os cabelos ondulados, na altura dos ombros, pele negra, nariz largo, dentes brancos e olhos verdes, aqueceram-na. – Sua descendência não parecer ser dos países da América do Norte. Ela comentou.
- Você é uma excelente observadora. Segundo meus registros familiares, eu tenho ligação com os brasileiros, do extinto Brasil. País na América do Sul. Uma nação incrivelmente miscigenada antes de Pandora acontecer. Respondendo-a.
O destino soprou, naquela noite seria o início do fim. Finalmente os deuses veriam dos seus castelos a poderosa finalização da raça humana.
Charlize Ferrer cantarolava uma canção antes de a janela acontecer. Ela investigara algumas ruínas no Brasil, perto do litoral, para descobrir mais a respeito da vida humana antes do cataclismo. Foi quando Galuah, amigo de quarto na Academia de Filosofia, achou um dispositivo de memória antigo. Ali, durante aquelas escavações, ela conseguiu acessar os dados do pequeno aparelho. Músicas, centenas delas, estavam gravadas.
De volta à Academia, ouviu uma por uma, todas eram belíssimas músicas. A que mais chamou sua atenção fora Eva, da banda Radio Taxi.
- Minha pequena Eva... nosso amor na última astronave. Ela cantava entre dentes.
- Que rima diferente. Não conheço essa música. Ele disse.
- É de antes de a janela acontecer. Ela Respondeu.
- As coisa pareciam mais animadas naquela época. Absalão refletiu.
- Sim, realmente elas eram. Apesar do pouco desenvolvimento tecnológico. Os homens pareciam mais livres. - Absalão, você como cientista não fica incomodado como as cidades principais se comportam diante do resto dos homens? Indagou Charlize.
- Veja bem, Charlize, todos os que estão aqui mereceram de alguma forma, os homens do passado precisaram selecionar os melhores entre eles para que a humanidade tivesse uma chance.
- Isso foi cruel. A Ferrer retrucou.
- Não é crueldade, é matemática. A própria natureza seleciona os melhores organismos através das catástrofes naturais. Você sabe disso.
- Acho que pensamos diferente. Milhares de pessoas morrem todos os dias para que possamos acender pelo menos uma luminária em nossas casas.
- Sacrifícios em prol de um bem maior, a evolução da espécie.
- Você soa como um cientista louco. Rindo ela falou.
- Diga-me, Ferrer, por que você veio até Atlas? Esta é a cidade com maior nível de ameaça natural do mundo. Viver aqui é como esperar que o prédio desabe sobre nossas cabeças enquanto eu beijo seu corpo.
- Gostei de ouvir isso. É excitante.
Beijaram-se.
Ali, Charlize e Absalão conheceram os corpos um do outro. E o amor durou até o surgimento do primeiro raio de sol.
Horas antes, numa mesa da festa da Academia de Engenheiros.
Figuras estranhas conversavam. - O soro está completo, agora podemos começar nossa higienização. – O jovem Absalão serviu, sem saber, a nossa causa, será que aceitará o convite? – Eu não sei.
- O pai e a mãe deles eram geniais, mas muito idealistas. Acreditavam que os homens poderiam evoluir juntos, conviver, deixar suas diferenças.
- Eles sabiam demais e por isso foram os primeiros a experimentar nossa vacina. Aqueles desgraçados!
- Antes de qualquer coisa, não esqueça de que eu amei Marley, quando éramos apenas estudantes nesta academia. Pena que o desgraçado do Allen roubou o coração dela de mim.
- Acalme-se filho, hoje você testemunha como a história se curva aos nossos pés. Veja, seu filho fará um belíssimo e mortal discurso.
- Senhoras e senhores, uma breve palavra do aluno modelo de nossa academia, Absalão Araújo. Disse o mestre de cerimônias.
Palmas preencheram o ambiente da festa, enquanto a orquestra tocava algum tipo de marcha de triunfo durante o percurso de Absalão entre a mesa e o palco.
- Caros cidadãos e cidadãs ilustres, alunos e alunas, todos aqui, nesta noite, carregam o merecimento de serem chamados de os melhores. A força e a inteligência que suas famílias e vocês usaram para erguer a humanidade é o maior trunfo de nossa raça.
- Somos o sumo da balança natural. Se há um deus, então ele nos coroou como seus descendentes, nada é impossível se trabalharmos dedicados e unidos em prol de um único objetivo.
- Por isso, apresento neste instante, olhem todos para o projetor, a versão da vacina que cura definitivamente a síndrome de Onkos. Mas não bastante apenas curar, ela traz modificações em sua solução genética, a vacina é capaz de desenvolver aperfeiçoamentos na bioestrutura humana. Contemplem o próximo passo da evolução, completamente manipulado pelo homem.
Ouvia-se apenas o seco som de admiração. Olhares atônitos, desconfiados, pasmados pelo alcance de Absalão frente a sua pesquisa, resistiam às palmas.
Palmas soaram. A mesa onde estava assentado o segundo conselheiro liderou o movimento delas. Depois se seguiu involuntariamente, apenas pela educação, que todo o auditório fizesse o mesmo.
- Absalão, vá agora para meu escritório. Disse o primeiro conselheiro, discretamente antes de ele voltar à mesa.
- Você não poderia anunciar algo sem antes passar pelo conselho.
- Sua atitude foi impensada, menino. Disse Amsterdã, o terceiro conselheiro.
- O que você fez hoje é um agravo às regras que mantêm sã nossa sociedade. – Como nos explicaremos aos presidentes?! Disse Akira, o primeiro conselheiro.
- Vocês não veem que a grandeza da minha descoberta está além de qualquer convenção.
- Não seja tolo, Absalão. Você sabe que toda descoberta cientifica é um meio de garantir o poderio das cidades. Sua vacina vai desequilibrar a balança entre as famílias. Principalmente porque a família De Caux é a responsável por Atlas. Falou o terceiro.
- Não adianta ser compassivo com ele, Amsterdã. – É com enorme pesar que eu, seguindo os parâmetros de conselheiro desta academia, nomeado como o primaz e guardião de nossa tradição, expulso-o oficialmente do hall familiar de alunos. Sentenciou o primeiro.
- Eu testemunho e confirmo sua sentença, Primeiro Conselheiro. Disse Akira.
- Volte na segunda-feira para pegar seus equipamentos e fazer a retirada do seu registro da Academia.
Friamente Absalão nada falou, apenas ouviu e observou a decisão dos dois conselheiros. Ela sabia que falar de sua pesquisa concluída iria causar incômodo em muitas pessoas. Afinal, ele não se importava com as convenções éticas da academia.
- Isto é tudo, conselheiros? Ele perguntou.
Akira e Amsterdã não o responderam, olharam-no com desdém, enquanto ele saia do escritório.
- Ei, cara! Que conversa foi essa? Perguntou Nico.
- O que você veio fazer aqui? Absalão respondeu com outra pergunta.
- O papai disse pra eu vir atrás de você, ele quer falar contigo. – Você foi expulso, né?
Absalão sabia que Nico era ressentido com ele por algum motivo e, por isso, percebeu que o amigo fingia importar-se com a decisão, injusta ou não, dos conselheiros. Os olhos de Nico brilhavam levemente a derrota dele frente aos conselheiros.
- Não importa. - De qualquer forma eu continuarei com minhas pesquisas. Ele respondeu a Nico enquanto passavam pela galeria de ex-alunos.
Havia ali a foto de seus pais, Marley e Allen, mais jovens, sua mãe detinha o título de aluna prodígio e o seu pai de inventor sênior, quando o acadêmico consegue lançar alguma descoberta e esta passa a ser utilizada pela sociedade. O menino Absalão cresceu sem os pais, que foram consumidos pela Onkos antes dele completar dois anos de idade. Sua única memória de sua mãe era apenas o cantarolar de uma sinfonia, alguma coisa em Lá maior.
Quanta falta eles fizeram? O coração do menino não sabia mensurar, já que deles fora tirado muito cedo. Apenas sobraram-lhe os registros memoriais dos seus pais e as pesquisas nas quais eles trabalhavam.
O áudio do pai era sempre interrompido por uma corrupção de arquivo, sempre o mesmo estampido que se seguia durante os últimos quinze minutos da gravação. Naquele dia o pai e a mãe estavam no laboratório da Academia, ambos eram professores e estavam trabalhando numa forma de conversão energética. Algo grandioso.
Victorio De Caux também fazia parte da equipe técnica do projeto. Ele era o coordenador de simulações, função que testava o funcionamento das projeções de Allen. A mãe de Absalão trabalhava na arquitetura do coalizador de energia.