DIVIDA NA CONSCIÊNCIA

DÍVIDAS DA CONSCIÊNCIA

Prezado leitor(a), se ao debruçar seus olhos na prosa impressa, imaginar colher relíquias, com dadivosas promessas de auto-estima, ou salutares derivados do romantismo medíocre. Aconselho-o, a desistir nos versos primeiro, considerando que a intenção dessa prosopopéia, é alertá-lo criteriosamente sobre a quimera-humana. O faço de forma surrealista, com o cujo objetivo metafórico de sugestão, é primar pela semântica bem conduzida, ou também é claro, orientá-lo, sobre o caos abrasador que nós mesmos, enquanto mantemos a nossa visão obliqua de pequenez, produzimos e aplaudimos. Na hora de votar, temos escolhas e na hora de mudar, temos que ter coragem. Contudo é falho à natureza humana, por questões crônicas e culturais, buscar o melhor perfil, daquele que porventura, dirige as nossas vidas, os nossos lares, os nossos corações, ou até os nossos caminhos, pois o recebemos e o idolatramos, em nossa própria casa, sem ao menos conhecê-lo. Vou ainda mais longe... Quando se tenta adentrar inexoravelmente em uma mente brilhante, é preciso entender que a humanidade está contaminada, por intelectuais, sobretudo capazes de defecarem mentalmente ao prato de escolha, para oferenda à quem lhe suplica de fome. Quem dera, se eu pudesse, dizer-lhes que tudo isso é mentira. Eu também seria, com certeza, o maior camaleão, da suposta verdade.

Estamos bem ao centro da Suíça, país reconhecidamente como o maior paraíso fiscal que se tem conhecimento. Convido ao leitor, nessa viagem impressionante, a ficar atento quanto a figura, que a partir de agora passaremos a observá-lo e até tentaremos entende-lo, sem contudo... bom... isso fica para seu deleite interpretar. Boa leitura...

Sobre a poltrona de legítimo couro, no espaço reservado, que o poderoso banco suíço, oferece aos clientes Vips, Ronaldo após acomodar-se, distante é claro da tranqüilidade almejada, pois ainda teria o tempo inelástico para influenciar seu humor. Tentou um sorriso, que suspeito negou-se vir a tona; respirou fundo, fechou os olhos e resolveu comandar com desmedido esforço seu cérebro, inserindo com vontade, informações produtivas, na tentativa de refletir organizadamente, os trinta minutos que lhe separava da vitória. (Tal qual premonição, antevia dificuldades) De repente, talvez influenciado pelos desmandos vividos pelo dia de ansiedade, sua cabeça acusa certa vertigem; segura-a com as duas mãos, dando a impressão de mantê-la centralizada sobre o pescoço; passados alguns segundos, abriu e fechou seus olhos com força, repetiu o movimento até enxergar-se no espelho a sua frente. Gradativamente foi conquistando o domínio dos nervos, que já tinha prova, o manteve ao topo da conquista. Exceto no momento agora, estavam em frangalhos. Dez segundos foram suficientes, para tal qual mágico, travestir-se de equilíbrio. Feliz por sentir-se a figura manipuladora da própria vontade, ensaia um sorriso torto, que cresce em sua boca, potencializando os belos olhos azuis a consultarem os ponteiros do relógio personalizado, que usava no pulso. Os marcadores apontavam 15:30h. Ronaldo sentiu um frio na espinha. Queria ele, ao menos daquela vez, ter o dom de manipular o tempo. Se pudesse, com certeza, não viveria os minutos mais cruciais de sua existência.

Tão poucas foram às lágrimas que verteram os olhos de Ronaldo, que as lembranças examinadas, desistiram de vir a tona e morreram antes da maçã do rosto.

Deu um sorriso solitário, temeroso, mas amplo o suficiente para abonar os diversos atos cruéis e ilícitos no progresso de seus dias.

Com frieza, venceu todas as batalhas, manobrando a verdade, e sacrificando inocentes. Danem-se, pensou!

Já dono de si, sem nada compará-lo ao momento anterior, apruma o corpo, mede-se por completo, e agora sim, enxerga-se elegantemente refletido no espelho à sua Frente. Tudo em suas vestes combinavam tal qual a seqüência de um jogo de dominó. Sobretudo azul escuro, terno de azul mais brando, camisa gelo, gravata com suaves nuances do arco-íres. O branco dos olhos realça o azul sublime da herança materna. A pele clara se esconde na película acobreada da tecnologia. Os traços fisionômicos definem a feição de quem vive o esplendor da boa vida. Os cabelos louros, corpo sarado, 1.80m de altura, completam simbolicamente essa discrição parcial.

Um verdadeiro playboy, no sentido da palavra.

Trinta minutos o separava do pódio da realização e do glamour dos que passam a enxergar o sucesso de cima para baixo.

Ficou ereto, alisou, sem demonstrar, mas com certo nervosismo os cabelos, atento à contagem regressiva das horas, que se transformavam em martírio.

Puxa, pensou consigo mesmo! — trinta e dois anos para chegar até

aqui e os trinta minutos que me separam do pleno êxito, estão muito mais sinuosos do que a liberdade de um condenado, que tem como herança eterna, as grades da prisão.

Pára com isso! Deu um tapinha na cabeça. — De repente eu começo a ficar com remorso, pelo medo de ser vencido por um cofre, que tem hora marcada para abrir ou fechar. — Jesus, os fantasmas itinerantes dos fracassados, resolveram aterrorizar as minhas lembranças. Oh Deus, por favor!, Acelera os minutos que me faltam. Prometo que não mais terei tanta pressa a partir de então.

Olha incrédulo o relógio. Vinte e cinco minutos, o separa da recompensa.

Dá um sorriso amarelo e metálico e lhe vem a mente a lembrança e desespero de Kafka, em o processo. Achava-se superior e esperto o suficiente para jamais humilhar-se na pobreza. Nem queria recordar-se de que um dia já foi da classe dos que sonham, com as mãos vazias de perspectivas.

Não, ele não passaria por isso novamente, não agora que faltava tão pouco. Lembrou-se de sua formatura e do diploma universitário que não o diferenciou dos milhares que se matriculam e não terminam, ou não prosperam com o curso escolhido.

Resolveu seguir o conselho dos maiores pensadores do planeta. Tornou-se um grande devorador de livros. Quanto mais lia, mais distante ficava dos ociosos.

Dominou a retórica dos seus anseios. Preparou-se intelectualmente para não viver a mesmice dos incautos.

Afinal de contas, apenas vinte minutos me separam do respeito e da

impunidade... vinte longos minutos; os mais cruéis que a minha memória tem registro, a começar pelo calor molhado que afloram em meus poros. As lágrimas submissas que jamais invadiram meus olhos. Nesse instante, prestes a romper as barreiras do choro primeiro.

Ronaldo estava muito próximo de chegar ao limiar de seus propósitos, mas, não sem antes, assistir pela força da consciência, mesmo não querendo, o vídeo-tape de suas falcatruas, de como chegou tão longe. Sua vida passada era um mistério para muitos, mas não para ele próprio, que em muitas noites recapitulou a insistente imagem, que lhe fazia refletir sobremaneira determinadas atitudes. Tudo fez, porque detestava o Ser pobre e submisso. Aproveitou-se de todos os de boa fé. Muitos, ao acreditarem em suas palavras poéticas, naufragaram ao dissabor de falsa promessa.

Ele rasgou os sentimentos dos mais ousados. Seduziu os de índole corruptível. Transformou-os em lacaios na teia de sua graça.

Por isso, não mais se via o jovem recém-formado, quando, para atender o anuncio de uma entrevista ao cargo de executivo, em uma das mais importantes empresa de exportação do mercado, lembrou-se de como tudo começou. Sem comover-se, é claro.

Ele era filho de um casal de operários, que se sentia agradecido pelo pouco que tinha. O que não era em nada compartilhado por ele, que desde a tenra idade, tinha certa influência sobre os mesmos, pois faziam de tudo, mesmo a custo de sacrifícios, o que o filho exigia. Pela fraqueza dos pais, Ronaldo foi crescendo dominador e sem escrúpulos, manipulando as vontades, conforme lhe convinha.

Cinco horas da manhã, o pai saía para o trabalho e chegava ao final da tarde cansado e sem muito estímulo para discutir com o filho, que sempre lhe vencia em argumentos. A mãe costurava, cuidava dos afazeres domésticos e três vezes por semana, trabalhava de diarista. Fazia desse labor, boa parte da vontade do filho, que sem nada ajudar, ainda protestava uma miséria descabida. Não tinha papa na língua. Fazia da habilidade com as palavras, o seu recurso de persuasão. Desta forma chegou a adolescência, e ao concluiu o ensino médio, teve no seu brio, a primeira decepção. Não conseguiu, com o que havia aprendido até então, na escola pública, entrar para a universidade federal.

Mas esse empecilho foi rapidamente contornado por Ronaldo, pois queria entrar para a universidade e foi até as últimas conseqüências. Fez a matricula em uma escola particular, sem preocupar-se com as mensalidades. Os pais, por não conseguirem pagar, foram induzidos a vender o único bem que tinha conquistado com muita dedicação e trabalho: a própria casa, com a promessa de Ronaldo, de que compraria outra bem maior quando se tornasse doutor. Acuados, com o argumento do único filho, cederam. Com o dinheiro em suas mãos, Ronaldo mudou-se para uma republica de estudantes, deixando para trás dois corações despedaçados pela trapaça. Ou será que fora um preço justo por não terem sidos enérgicos enquanto podiam?

Chegou ao final do curso, o qual se formou entre os melhores da turma. Inveterado de ingratidão, jamais ousou ouvir as súplicas da mãe, ansiosa por lhe ver, mesmo quando ele os havia deixado na miséria.

No dia da formatura, Ronaldo preparou-se como se fosse o dia mais importante de sua vida. Obviamente não fazia parte da alegria, os pais. Comprou um belo terno. Queria saborear cada momento da conquista. Era paparicado por muitos. Principalmente pelos mais submissos e fracos de caráter. Como aconteceu com os adoradores de Hitler, que o seguiram mesmo no escuro, vendados de glória.

Na festa de colação de grau, três, dos melhores alunos, foram premiados, para a pós-graduação em Harvard, com uma bolsa cada. Incluso todos os custos de manutenção. Ronaldo seguiu vôo para os Estados Unidos. Com uma ressalva! Não tinha sido um dos escolhidos. Ficou em quarto na ordem de classificação. Todavia, algo de sinistro interagiu a seu favor. Edmundo, um dos qualificados para o prêmio, ao retornar para casa, sofreu um acidente, que em razão da gravidade, não pode viajar.

Ronaldo assumiu seu lugar e ficou dois anos na terra do tio Sam. Retornou para sua casa, convicto de que estava pronto à enfrentar o destino. Alguém lhe esperava no aeroporto, uma única pessoa. Ela se vestia com a dignidade que seus recursos proporcionavam o suficiente para encobrir a própria vergonha. Retalhos se emendavam um ao outro. Seu corpo pequeno, estava reduzido à desnutrição evidente. Os cabelos brancos, em coque, demonstravam a idade que não tinha. No rosto, as dobras do sofrimento. No sorriso apagado, franziam-se fundos os cantos dos olhos, enquanto uma gengiva abandonada se esforçava para se fazer simpática. Entretanto, quando viu descer do avião, tal qual príncipe, seu principal motivo de tanta ansiedade e dor. Surgiu em seus olhos mortiços um brilho sem igual. Esqueceu-se totalmente a morte precoce do marido, que poucos meses antes havia entrado em óbito, após escorregar em uma casca de banana e ao perder o equilíbrio, bateu com a cabeça, na cabeça de um cachorro vira-lata, que só ficou um pouco atordoado, contudo saiu em disparada, sem entender nada do acontecido.

A dura vida que levava, catando lixo nas ruas para sobreviver, era apenas um detalhe. Na verdade, ela se manteve viva na tentativa de ver seu filho formado. Não havia em seu coração, rancor ou ódio. Apenas amor de mãe. De sua boca não vertia o lamento dos desafortunados.

— Glória a Deus — disse no momento que Ronaldo olhou em sua direção — é ele... meu filho. Os olhos foram se enchendo de lágrimas. O coração acelerou, as pernas foram perdendo o domínio da mente e antes de sentir a pretensa retribuição do amor fraterno, caiu fulminada pelo abraço da hilariante morte.

Ronaldo, por mais frio e desinteressado que fosse, ainda sim, sentiu certa pressão no coração, mas limitou-se a um breve olhar. Esforçou-se para não demonstrar em seu semblante!

Sofreu também, uma inquietude momentânea de algo que lhe acusa: “aqui se faz, aqui se paga”

Deu de ombros. Ele almejava a todo custo o sortilégio dos bem-sucedidos. Não seria um pensamento tolo, poderoso o suficiente para mudar as suas metas.

Trazia consigo, além da credibilidade dos dedicados, a possibilidade de uma ótima carreira de executivo.

Daria também, uma lição em todos os que lhe chamavam de verme na adolescência. Na época, ele sempre dizia aos colegas de estudos, que seria muito importante e famoso. Em razão disso, riam solto dele e ainda falavam: um verme que não tem onde cair morto, vai ser doutor — que tal doutor gari, arriscava alguém, — tal pai, tal filho, dizia outro. Muitas vezes chegou à casa todo machucado, pois em defesa de suas convicções, partia para a ignorância e sempre levava a pior. Era ele, contra vários. Somente Eduardo, um garoto que morava na favela, perto de sua casa, tentava ajuda-lo. Ele jamais agradeceu o menino, pois certo dia chegou a noticia na escola de que o mesmo havia sido morto por overdose de crack.

Agora, ao recordar-se do episódio, estava muito próximo de provar a todos os que um dia riram dele; o quanto era capaz. Marcaria a entrevista da empresa mencionada anteriormente para o dia seguinte. Sabia que seriam muitos os candidatos para as duas vagas. Algo lhe dizia com certa convicção de que seria ele um dos contratados. E foi.

Ronaldo acumulava além do talento, nervos de aço. Seu olhar era frio e penetrante. Sua postura decidida, causava impacto nas pessoas. Muitos ficavam hipnotizados com a convicção de seus propósitos. Um mês após a entrevista, que não houve contato entre nenhum dos candidatos, ele já ocupava uma das cobiçadas salas. Tinha por secretária, a jovem e competente Denise, que fazia de tudo para acompanhar-lhe as exigências, sempre imediatas. Cuidava da agenda, traduzia com eficiência, para os seus destinos, em três idiomas: as correspondências e as encaminhava para abono de Ronaldo, que omitia qualquer parecer ou agradecimento quanto a eficiência da mesma.

Às vezes, Denise se sentia menosprezada pela altivez do chefe, mas via nele também, um encanto sem limites, não que fosse lhe trazer a mente, a lembrança de uma das sete maravilhas da terra, mas, para mera comparação, se o fizesse, o compararia a Estátua do Zeus Grego. Um símbolo de idolatria, perpétuo na história, mas, que nem o tempo o manteve incólume.

Denise era ruiva, cabelos curtos acima do ombro, olhos verdes esmeralda, pele branca e bem hidratada, sem exageros de maquilagem, sorriso franco e expressivo, o qual cativava a muitos que se deslumbravam com a sublime visão de sua bela dentição, oferecida a todos, em seu sincero cumprimento. Uma presença marcante, em seus, 160m de altura. Era formada em secretariado, com extensão em línguas: espanhol e inglês, além de fluência em Francês. Herança de origem paterna, o qual aprendeu desde muito pequena, sem menosprezar o idioma natural do próprio berço, a considerar que sua finada mãe, foi mestre docente em língua portuguesa.

Sentia-se privilegiada pela austera educação que teve, mesmo que em alguns momentos quase tenha se rebelado. Com a morte da mãe, o pai, por motivos de constantes viagens e razões diversas, chegou ao ponto de sentir-se ameaçado de perder a filha para o mundo utópico. Sem alternativa e contra a vontade, a enviou para um convento, onde, pelas informações preliminares, lapidava o caráter, a educação e privilegiava em cultura, todos os que porventura sobrevivessem ao enérgico confinamento. Denise sobreviveu e agora era testada na prática, com a insensível desfaçatez de Ronaldo, que era, juntamente com Julio, (ao contrário dele), uma figura muito simpática e de fino trato; os responsáveis pela transação e evolução do comércio exterior da empresa.

Não fosse por isso, jamais trabalharia na mega-empresa, onde somente os mais preparados em competência e iniciativa, sobrevivem.

Julio, era moreno claro, cabelos negros e fartos, olhos escuros, estatura superior em alguns centímetros, sorriso espontâneo. Filho de tradicional família de executivos. Era o do meio, entre os três. Tinha um perfil responsável, e o era, na prática, contudo, após o expediente de trabalho, quando não havia reunião de diretoria, se despojava das formalidades que acompanhava um executivo e fazia do surf, seu maior deleite.

—“Ser ou não ser, eis a questão”, pensou Ronaldo, ao lembrar-se de Shakespeare e perceber que ainda lhe faltava quinze minutos para sentir-se aposentado definitivamente, pois teria em mãos, a fortuna que o faria Lord, Duque, ou seja lá o que quisesse ser.

Porém, a divida que tinha com a própria consciência estava implacável e teve que admitir sem resistência, o impacto das seqüências projetadas em sua mente, cujas imagens, de tão perversas, fariam com que muitos, se tivessem algum apego com valores espirituais, desistissem. Não era o seu caso. Sentia-se um modelo infalível de competência. Um degustador contemporâneo do materialismo sem fronteiras.

Julio, quiçá, sem saber, lhe deu a chave e a oportunidade de tão almejada independência. Sempre fora brilhante, (reconhecia), mas não tinha visão ou frieza suficiente para sentir-se manipulado.

Com isso, confidenciou-lhe abertamente, em uma corriqueira reunião, que importante Seguradora, disponibilizava-se com seus profissionais, à oferecer em horário pré-agendado, informações detalhadas sobre seguro para executivos. Ronaldo ouviu-lhe atentamente. Não lhe era novidade tal serviço. Em vários países, executivos não aceitavam a contratação, caso a empresa não fosse portadora de um certo seguro, que oferecia ao gestor, maior tranqüilidade e desembaraço em suas decisões.

Dado a tradição e porte da empresa, muitos administradores, dos mais antigos, se mostraram contrário, alegando que em mais de cem anos de existência, jamais sofreram danos que justificasse o investimento.

Ronaldo e Julio, aliados a outros seis jovens executivos, após correta investigação sobre o assunto. Entenderam que teriam maior agilidade na tomada de decisões. Em pouco tempo, mais de 70% dos votantes, optaram pela contratação do seguro, o qual devolveu para muitos, uma tranqüilidade jamais sonhada. Por razões diversas, até já haviam perdido noites de sono, com medo de serem responsabilizados por falhas de gestão. A punição! Indisponibilidade dos bens.

O investimento valeu a pena. Protegidos das fatalidades repressivas. As ações se tornaram mais dinâmicas. Foram confirmadas, doze meses após essa providência. O balanço da empresa demonstrou um saldo superior a 5% no lucro líquido. Suas ações, na bolsa de valores, atingiram ótimos níveis de valorização. Ronaldo e Julio, principais estímulos das dádivas operacionais, foram amplamente gratificados pela iniciativa. Cada ano que passava mais poderoso Ronaldo se tornava. Ainda assim, ele queria mais, muito mais...

Certo dia, após sair de uma reunião, trancou-se em sua sala e pensou consigo mesmo — em breve terei o mundo aos meus pés. — Tenho aliados suficientes para nutrir-me desse alento. — Tenho certeza de que não sou verme, disse em voz alta para si mesmo. Sorriu e lhe veio a mente a imagem de Denise. Sempre disposta e competente. Tantos anos trabalhando juntos e ele se recusava em pensar nela de outra forma que não fosse apenas secretária. Fechou os olhos e esforçou-se para tirá-la da mente. Não conseguia. Denise surgia a sua frente e carinhosamente lhe falava, — não faça isso dr Ronaldo, não estrague tudo o que conquistou até agora. Existem coisas mais importantes do que o dinheiro. Mesmo porque, a vida é passageira. Ronaldo colocava as mãos em concha na tentativa de afastar Denise de sua frente e de repente ela sumia e surgiam em seu lugar os vários meninos da adolescência e em uníssono, diziam: — olha o verme, pessoal. — O que será que ele faz sozinho nessa sala tão chiq? Disse um dos garotos. — Deve de estar brincando de rico, disse outro. Ronaldo se encolhia na poltrona, como se ela tivesse cheia de pregos. Levantou-se num impulso e deu um grito horrível e com isso chamou à atenção de vários clientes.

Quando percebeu, várias pessoas estavam ao seu lado. Sentia o corpo inteiro molhado pela transpiração do medo. Ele sempre fora um grande artista em dissimular. Agora estava agindo tal qual garoto que perdeu o colo da mãe.

Está sentindo algo senhor? Perguntou um dos funcionários do banco.

Não estou sentindo nada, disse com voz chorosa.

O senhor deu um grito tal, que imaginamos o contrário.

Não foi nada, disse, se esforçando para ser convincente.

Eu estou bem, foi apenas a lembrança de uma peça de teatro que vou

dirigir. Infelizmente pensei em voz alta e deu no que deu. Imaginei a cena onde uma garota é decapitada. Todos se olharam sem entender nada. Um garoto que ouviu e viu tudo em companhia do pai, ainda brincou. — Papai, será que foram os vermes que atacaram o miolo dele? Ronaldo ouviu, sorriu meio sem jeito. Numa fração de segundos voltou a ser o homem implacável de antes.

Olhou o relógio com olhos de quem não entende o porquê ele se torna tão lento, exatamente quando mais se precisa que ele seja apenas pontual. Percebeu que teria ainda dez minutos para enfrentar os dramas da consciência. Não conseguia entender porque somente agora, naquele momento, estava sendo castigado pelas lembranças que ele a duras penas as mantinha longe de seus pensamentos.

Sentiu que não era tão durão quanto imaginava. O sangue que trafegava em suas veias, em fração de segundos, foi substituído por um liquido sem cor. Sua face estava desfigurada pela covardia.

Precisava lutar para vencer aqueles minutos.

Verme, verme, ouviu bem nítido em seus ouvidos e tapou-os para

não gritar novamente. Estava prestes a ser derrotado. De repente o som sumiu. — Será que tudo isso que está acontecendo agora, não é castigo, por eu jamais ter compartilhado um momento de dedicação, em prol do próximo?

Lembrou-se do pastor Henri, que dedicou a vida inteira para oferecer aos seus: Um Futuro Perfeito, no entanto, foi derrotado pelo pecado, porque nem mesmo Rodrigo Bertozzi, seu criador, conseguiu livra-lo da punição.

“Aqui se faz, aqui se paga”, veio-lhe a mente pela segunda vez, em

curto espaço de tempo. Isso fez com que retornasse o pensamento ao local de origem de seu desespero.

Uma senhora, que provavelmente esperaria o cofre abrir também, entrou no reservado em que Ronaldo estava e quando percebeu que havia algo de errado com aquele rapaz, distinto, nas vestes, mas os cabelos todo desalinhado, nariz vermelho e escorrendo, teve o impulso de sair do local. Por ser curiosa e sensitiva, resolveu observa-lo.

Ronaldo nem percebeu a presença da distinta senhora. Estava em transe com os seus pensamentos que insistiam em leva-lo de volta ao seu escritório, à recordar-se exatamente no dia e hora, de quando resolveu dar o golpe na empresa.

Ele havia estudado os detalhes minuciosamente durante mais de três anos. Era o executivo de maior confiança entre todos. Seria o golpe do século e ninguém o pegaria, “pensou”. Quando surgiu a oportunidade de executar o plano utilizando as credenciais de Julio, o fez e desviou duzentos milhões de dólares, correspondente à um contrato, de cliente tradicional, para uma conta na Suíça, onde somente ele e Julio tinha acesso. Como era corriqueira suas viagens de negócios, ninguém prestaria atenção, em especial nessa, se viesse a tona, porque tudo indicaria que fora Julio o responsável.

No exato momento em que ele clica a transferência do dinheiro, Julio entra na sala e lhe dá um abraço apertado junto com feliz aniversário. Ele estava tão concentrado com o delito que até esqueceu-se do acontecimento do dia.

Obrigado, respondeu sem jeito.

Perdoi-me não poder ficar para seu aniversário, estou com horário no

aeroporto e você sabe como é. O avião não espera...

Está indo para onde?

França, vou-me ao encontro de Patrícia, ela está lá e quer que

troquemos as alianças nesse final de semana, em Paris. Os pais dela estão lá também.

Então; obrigado e boa viagem, disse Ronaldo com uma pitada de

ciúmes, pela alegria espontânea que Júlio suscitava.

Ele nunca tivera motivos ou estímulos para comemorações inusitadas.

Tudo em sua vida era cronometrado. Não tinha amigos, nem família. Era um eterno solitário. Opção cultivada e alimentada por ele mesmo. A única preocupação original que tinha, era tornar-se vencedor. O pior inimigo do sucesso, na sua concepção, é a ausência de objetivos. Isso ele tinha de sobra.

Alguns colegas de trabalho tentaram aproxima-lo de suas famílias, de suas igrejas. Ronaldo era implacável e sempre tinha como resposta, — hoje não posso, estou cheio de trabalho. Com isso evitava relacionamentos.

Após a saída de Julio, rumo ao aeroporto, ele ficou mais eufórico, pois se imaginou rico na próxima segunda-feira. Imune e protegido pela nova identidade, que usaria no Caribe.

Liberou o peso de seu corpo com alívio em sua poltrona de tantas decisões importantes. Refletiu com plena convicção a impunidade garantida.

Quando descobrissem que foi ele que simulou tudo, já estaria em um paraíso sem mordaças.

Novo susto... Denise entra na sala, e convidar-lhe à comparecer no refeitório, onde cantariam para ele, os parabéns.

Teve, em razão da trama que protagonizava uma reação incomum, pois deixou transparecer certo temor, o qual levou Denise a desculpar-se:

Perdoi-me, Ronaldo, não quis lhe assustar!

O quê?... Quase gritou... ao sentir-se desarmado, exatamente

quando estava prestes a comemorar uma arte. Obviamente escondida de olhos que não fossem os seus.

Esta sentindo alguma coisa, Ronaldo?

Não, não, estava apenas distraído, tentou justificar-se sem a

convicção que alimenta o justo.

Ufa, ainda bem, você me deixou em alerta, completou Denise.

Acho que estou precisando de férias, respondeu.

Eu também acho, afinal de contas, você nunca tirou uma, disse

Denise carinhosamente.

Vou pensar seriamente, a partir de hoje.

Que bom, vai lhe fazer bem. Você tem trabalhado além da conta. —

Vamos para o refeitório?

Calma ai, eu não pedi para ninguém preocupar-se com meu

aniversário!

Não seja insensível, todos lhe acham fechado, chato, mas lhe

admiram. Inclusive eu. —Você não imagina o quanto, disse com certo brilho nos olhos.

Ronaldo estava passando por uma metamorfose, pois, num piscar de olhos, queria ter asas para viver o devaneio momentâneo. E sair dali voando em companhia de Denise. Algo o impedia!

Até começou enxergar-se o menino mau que roubava todo o dinheiro que sua mãe ganhava no ofício de costureira e diarista. Na época ele cometia os delitos abertamente, ninguém o repreendia, mas agora, agora queria fugir para que ninguém soubesse de sua peraltices. Pessoas que ele jamais respeitou, estavam lhe oferecendo algo que o dinheiro e o poder não comprava. Carinho.

Não era possível, ou seria sentimento de piedade que permeava as suas entranhas, ao ponto de trazer-lhe um passado descabido e alienado pela arrogância dos desalmados?

Com a cabeça a mil, foi caminhando ao lado de Denise e não se conformava, o porque via nela, somente agora, a tábua da salvação. Ela era altiva, bonita, madura e mulher de valores sem fim. Mas, o que ele realmente precisava entender, eram as mudanças repentinas em seu âmago interior.

Denise percebia que algo muito sério estava martirizando seu chefe e queria estar ao seu lado para ajuda-lo no que fosse preciso. Ela o amava solitariamente. Nunca teve coragem para demonstrar-lhe. Quem sabe teria naquele dia, pensou, e até sorriu um sorriso tímido ao sentiu-se acariciada pela nobreza do amor.

Chegaram a porta de entrada do refeitório e várias pessoas no instante que os viram, iniciaram animadoramente a cantiga de mais uma primavera conquistada. — Parabéns pra você...

Sua reação foi de estupor, não sabia por que, mas ficou fragilizado, tal qual garoto, quando ganha a primeira bicicleta. Não enxergou nenhuma máscara, na face dos presentes; nenhuma acusação. Todos que ali se encontravam o faziam com pré-disposição de ternura e alegria. Era demais para quem sempre evitou e ignorou aproximações sem cobranças.

Até lhe veio a mente uma frase dita por Tostói. “cuida da tua aldeia”

Ele sempre fora egoísta para não pensar em ninguém que não fosse ele próprio.

Ao avançar um pouco mais dentro do ambiente, viu-se refletido no espelho a sua frente. Novo susto. Não podia ser ele. A imagem era de uma pessoa comum, sem brilho. Decididamente não era ele, apavorou-se. Ele com certeza dominaria o espaço apenas com a presença. Sem precisar de palavras fúteis. Será que estava ficando louco, ou estava amarelando? Envolvido por contradições quiméricas e cego no controle dos atos, tropeçou no próprio calcanhar e por má sorte deu de cara com o bolo. O que gerou para todos, um couro de riso, para ele, foi a explosão do choro reprimido.

Estava vulnerável a qualquer emoção. Jamais se imaginou perdendo a postura ou o controle. Pensou que seria possível enganar a todos por bastante tempo, mas naquele momento descobriu que não mais conseguia enganar a si próprio o tempo todo.

As mãos de Denise tocaram com suavidade a sua face, coberta pela vergonha adocicada. A cada toque, Ronaldo incriminava o tempo perdido. De repente as luzes se apagaram como se fosse providência do destino, quando voltou a claridade no ambiente... Todos gritaram viva. Ronaldo estava abraçado a Denise com tanta força, que se não fosse libertada imediatamente, ela ficaria sem ar em seus pulmões. Quando ele percebeu, Denise estava ficando asfixiada, liberou-a de vez e só ouviu-se o choque do corpo de encontro ao chão.

Foi um fuzuê lascado. Denise estava com os olhos em órbita. Ronaldo percebeu que sua respiração estava por um fio. Não pensou duas vezes. Fez respiração boca-a-boca na desfalecida, que ao toque molhado dos lábios masculino, aproveitou-se do momento, torcendo para que não terminasse nunca aquela viagem, que já atingira o céu da boca.

Não deu outra. Vários flashes foram acionados e com isso eternizaram o beijo mais cômico daquele aniversário cheio de emoções.

Todavia, nem tudo se encaixava com a festa. Até porque, alongou-se quando nem era programada, por isso Ronaldo voltou a realidade e como se tivesse sido picado por uma cobra. Levantou-se e saiu correndo do local. Deixando a todos boiando. Principalmente Denise.

Ao chegar em seu apartamento, pegou o necessário e rumou para o aeroporto, deixando para trás, o fantasma do seu amor primeiro.

Agora sentia-se verdadeiramente um verme. Um verme que fez a todos que tentaram a aproximação descomprometida com ele, sentirem à afronta do desapego.

Estava ficando sensível demais e com isso seus sentidos foram se expondo. Num passe de mágica, materializou-se a sua frente, a imagem miúda e sofrida da mãe. Tal qual estava ela, na última vez que a viu no aeroporto.

Os olhos marejaram de lágrimas e ele correu ao seu encontro:

Perdão mamãe!, Somente agora estou descobrindo a falta que seu

amor me faz, — fui um monstro indigno de sua graça. Permita-me ao menos desta vez, o meu abraço mais sincero.

Você esta louco cara? Foi dizendo o hippie que fora abraçado. Não

gostou nem um pouco, pensou:. — que companheiro de viagem, ou era louco ou era bicha.

Após alguns constrangimentos, Ronaldo chegou ao seu destino e foi

direto ao banco, razão de toda sua tortura psicológica.

— O senhor está sentindo alguma coisa moço? Perguntou-lhe, aquela senhora já citada, que estava sentada a sua frente no reservado. Observando-lhe nitidamente, ela, que já fora filha, mãe e também avó, tinha certeza que o rapaz, por razões desconhecidas para ela, estava sofrendo algum drama de consciência.

— Não foi nada não, senhora, foi logo dizendo. — Acho que tirei um leve cochilo. Mal terminou a frase, olhou afoito para o relógio.

— Não é possível, acho que até peguei no sono e o maldito ponteiro avançou apenas cinco minutos. — Prometo que se eu sair inteiro desta, nunca mais usarei relógio e vou ficar o tempo que permanecer aberta uma igreja, de joelhos, para nunca mais ousar tamanha insensatez. Somente agora, descobriu o quanto se sentia sozinho e pequeno, pela falta de verdadeiros amigos, de família, de respeito. “de Denise”

Oh Deus! O que fiz para me enterrar no limo da ganância?

O que fizeram meus pais para merecerem um filho sem coração, igual a mim?

O que lhe fez Julio, para pagar por um crime, que ele estava por cometer?

Será que um dia conseguiria a redenção nos braços de Denise?

Sua cabeça estava fervilhando de cobranças.

De repente se agiganta em sua mente a própria imagem, com um alicate firme

na mão, sob o carro de Edmundo. Visualizou o momento exato em que cortou o alimentador do freio, enviando-lhe para um acidente quase fatal. Os médicos que o atenderam, por medida de segurança, optaram por bem, que Edmundo não fosse para os Estados Unidos. Queriam observá-lo melhor, para terem convicção de que não lhe restaria seqüelas ou traumas irreparáveis. Ele era tão jovem e poderia recuperar-se do tempo perdido sem restrições. O rapaz era aficionado por manobras radicais. Sem nenhuma culpa, Ronaldo assumiu o seu lugar.

Os fantasmas foram se enfileirando para acusarem seus desmandos. Sua verdade era maldita. Passou a mão no olho, tremeu dos pés a cabeça. Estava ficando louco. Num instante pensou que dinheiro nenhum, o libertaria de tantas desgraças.

Suplicou em pensamentos, a presença de Denise. Queria confessar-lhe a loucura que estava por cometer. De repente, tal qual passe de mágica, ela foi se materializando no sofá a sua frente. Estava apenas de roupa íntima e seduzia-lhe com gestos sensuais. Foi o máximo que Ronaldo poderia suportar.

Num estalo foi acometido pelo desejo verdadeiro. Queria jogar-se de encontro aos braços de Denise, que estava mais linda do que nunca. Queria amá-la como ela merecia, mas não conseguia convencer seu corpo de impulsionar-se ao encontro ao dela. Seus pés estavam colados ao chão. Tinha os movimentos paralisados pela dádiva jamais provada.

Oh Deus!, apenas desta vez, permita-me a felicidade dos justos.

Insistiu no pensamento e esforçou-se para conquistar os braços daquela que já amava em silêncio. Em resposta ao seu delírio, ouviu o sussurro:

— Venha meu amor. Ele tentava, mas alguma barreira entre eles impedia a aproximação total. Ele foi desvencilhando-se dos obstáculos e como prêmio, finalmente conquistou seus lábios. O beijo foi se prolongando, suas mãos explorando as carnes. A libido atingiu o propósito do bom amante. Quando estava prestes de adentrar à gruta do prazer. Sentiu-se agarrado por mãos de aço, que lhe tira de cima da velhinha, que estava próxima de ser estuprada. O par de dentaduras jazia ao chão.

Ronaldo demorou para entender seu impulso animal e imoral. Vários policiais o renderam e o algemaram. Estava sendo preso por tentativa de estupro.

Na parede do banco, o relógio tinha cravado o ponteiro: 16h em ponto. De relance visualizou a simpática presença de Julio, que lhe deu um breve sorriso e desmaterializou-se a seguir.

Josias Moreira

Poeta, trovador e escritor