O DIÁRIO DE PEDRO GOIS

DIÁRIO DE PEDRO GOIS

PRÓLOGO

Não sou místico, nem tão pouco, religioso. Acho que as religiões são puro engodo, para subjugar o povo, e dele, obter obediência cega e irrestrita. Ao mesmo tempo, acredito na existência de algo superior que tudo domina e tudo administra. Não sei o que é, dada a minha pequenez e minha insignificância perante o universo. Eu chamo essa força misteriosa de Soberana Força do Universo.

Leio muito a respeito de coisas inexplicáveis e delas tiro motivação para os meus escritos.

Este romance, que você vai ler, tem muito desses mistérios.

No século XX muitas tentativas foram feitas para comprovar a existência da "Terra Oca", baseado nas narrativas do Almirante Richard Byrd que em suas expedições aos Pólos (Norte e Sul) penetrou neles, respectivamente 2.730 e 3.690 quilômetros, de extensão para o interior da Terra, onde viu não gelo nem neve, mas sim vastas áreas de montanhas, florestas, vegetação, lagos e rios. Nas suas expedições feitas, respectivamente, nos anos de 1947 e 1956 ao Ártico e Antártica, Byrd diz ter adentrado e percorrido 6.420 km pelas concavidades polares que se estendem para o interior da Terra. Por razões geográficas é impossível avançar uma extensão de 2750 km além do Pólo Norte e 3700 km além do Pólo Sul sem ver água ou gelo, parece lógico que o vice-almirante Byrd deve ter voado adentrando para o interior do orbe, comprovando dessa forma que a terra é oca.

Assim como o relato de Almirante Byrd, outros não menos importantes, povoam a literatura, como Viagem ao Centro da Terra de Júlio Werner entre outros.

Alguns estudiosos afirmam que, no interior do globo terrestre, existem grandes cidades habitadas por diversas raças. Que o lugar é povoado por diversas espécies de animais, incluindo alguns já extintos na superfície.

Doutrarte, todos nós percebemos que neste início de século está ocorrendo coisas estranhas, como tsunamis, enchentes, terremotos e tempestades horríveis. Diante de tais fatos, os aproveitadores de ocasião, estão apregoando que se trata de cumprimento de profecias das mais diversas, desde Nostradamus até as profecias Maias. Todas elas predizem o final dos tempos, com destruição de tudo o que é vivo em nosso planeta.

Embora não seja eu predisposto a acreditar nessas predições, as quais, entendo, sejam para perturbar os incautos que nelas possam acreditar. Ao mesmo tempo, acho oportuna a criação de um romance de ficção que tenha profecias como tema.

Não estranhe, o caro leitor (a), se de repente o romance mudar o seu rumo, parecendo que está lendo outro romance, não se impaciente, pois no final tudo ficará elucidado. Acontece que este romance tem, como é facultado nesse tipo de texto, ter-se varias estórias que convergem para um entrelaçamento final.

Os fatos e personagens deste romance são fictícios, qualquer semelhança com casos ou pessoas reais terá sido coincidência. r enorm

O DIÁRIO DE PEDRO GOIS

CAPÍTULO I

O FUNERAL DE SARA MEL

Jonas Martins, mais conhecido por Martinho. Um repórter esportivo, que aos trinta e oito anos, com dois casamentos frustrados, vivia num solitário apartamento.

Naquele momento escrevia a crônica esportiva do dia, para um jornal, quando o telefone tocou.

- Alô! É Martinho.

- Senhor Martinho, tenho com pesar comunicar-lhe o falecimento de dona Sara Mel. O féretro sairá da capela mortuária da cidade de Montenegro, hoje às quinze horas.

- Agradeço a comunicação, muito obrigado, senhor.

Martinho desligou o telefone e ficou pensando:

-Sara Mel, uma grande mulher. Tenho de verificar pessoalmente a sua morte.

O casal Pedro e Sara Mel Gois eram pessoas comuns. Haviam visto seus filhos abandonar a casa para constituir família e passar a veranear nas praias. Seus amigos ou estavam mortos ou instalados em cômodas residências de todo o ano; seus sobrinhos e sobrinhas eram figuras distantes « vagas. No inverno, diziam um ao outro que podiam suportar seu apartamento de Montenegro enquanto aguardavam o verão; no verão, diziam um ao outro que valia bem a pena passar o inverno esperando o momento de partir para o sitio.

Como eram bastante velhos para não se envergonharem de manter hábitos regulares, os Gois invariavelmente deixavam sua casa em Montenegro no final da segunda semana do mês de dezembro e se lastimavam quando o mês de março chegava. Pois teriam de passar um longo tempo, num ambiente de aridez quase insuportável na cidade.

Martinho olhou o relógio que marcava onze e quarenta, dirigiu-se ao estacionamento, pegou o carro e saiu ralando os pneus no concreto.

Chegou a Montenegro, olhou pela janela do carro e viu a perfeita tarde de abril: o brilhante céu azul de Montenegro atrás das árvores que deixam cair suas folhas amarelas. O morro São João exibindo as imensas torres de telecomunicação, que mais pareciam braços erguidos ao céu, traziam-lhe sagradas recordações dos tempos de adolescente. Olhou o relógio. Três e vinte da tarde. Estava chegando à capela, estacionou o carro, junto ao meio fio e se dirigiu à sala onde o velório se realizava.

Deteve-se à entrada. Depois, com brandura e respeito, se aproximou do caixão. Olhou o esquife de frente, se deixando dominar pela comoção que mordia suas entranhas. Sentiu as idéias se embaralhando, um tumultuado zumbido e nos olhos, se multiplicaram os lumes das velas, que escorriam estearina. Decorridos alguns momentos, inclinou-se um pouco mais sobre o caixão, querendo ver de perto o rosto de Sara Mel, a mulher que lhe havia feito um pedido.

Muita gente se aglomerava em torno do caixão. Lá estava o esquife sobre o pedestal com quatro velas duas em cada extremo do ataúde. Aproximou-se, viu à face de Sara Mel, sob o vidro que selava o caixão.

Como estava diferente do tempo em que conviveram juntos! Nem parecia a mesma! Só os lábios finos é que eram os que riam outrora com alegria. Demais em nada se assemelhava àquela que, anos antes, andava de avental na cozinha a preparar pratos inigualáveis. Como podia ser? Como é que o tempo transforma tanto os seres humanos que nem reminiscência lhes deixa, do que já foram?

Mas, contudo, não havia a menor dúvida, era mesmo Sara Mel. Agora poderia abrir o pesado volume que lhe fora entregue por ela há mais de dez anos, quando ele cursava o último ano de jornalismo na Unissinos; lembrava muito bem daquele dia, fora o dia em que lera no banheiro uma frase que nunca mais lhe saía da mente. Foi no intervalo, por volta das vinte e uma horas, fora usar o banheiro e lá estava o escrito em letras bem desenhadas, o que denunciava ser o autor um estudante de arquitetura revoltado com injuriantes preços cobrados pela universidade, que pertence aos padres capuchinhos. Dizia o escrito: “PADRE POR DINHEIRO E PIOR QUE GALINHA POR M”. Rira tanto que ao chegar à sala de aula ainda estava rindo do que havia lido.

Dona Sara lhe dissera:

- Martinho! Desculpe-me havê-lo chamado em minha casa, mas você é o único repórter que conheço e em quem posso confiar, pois o vi crescer em minha casa.

- Dona Sara, não sou ainda um repórter, mas será uma satisfação atender um pedido seu. A senhora tem todo a minha estima, além de ser minha madrinha. Quando eu era pequeno a senhora e o seu Pedro, foram muito bons para mim, devo-lhes muita gratidão.

- Martinho! Quero colocar em suas mãos, uma espécie de relatório de viagem, que fez meu marido. Porém antes, vou pô-lo a par de alguns fatos que antecederam o relatório que aqui está.

Inicialmente meu marido pareceu-me estranho. Quando lhe perguntei por que estava estranho, disse-me que estava preocupado com um touro que havia sumido do sitio. Disse-me que pousaria no sitio, pois havia movimentos de pessoas pelas redondezas e ele queria que pensassem que havia moradores no sitio, embora ele ficasse abandonado à noite.

No dia seguinte, esperei-o e ele não retornou, também não atendeu ao telefone. Resolvi ir ao sítio. Lá chagando, o carro estava estacionado, a casa fechada. Ao adentrar na casa, sobre a mesa, estavam as chaves do carro e um bilhete que dizia:

Estou em uma viagem que levará no máximo quinze dias, não se preocupe que tudo está bem. Adoro você, minha mulher,

Pedro Góis.

Passaram-se quinze dias e Pedro não havia aparecido, esperei mais um dia, após iria a polícia denunciar o seu desaparecimento. Quando cheguei ao sitio, no décimo sexto dia, ele estava lá, havia chegado naquele momento, segundo me informou, iria logo me telefonar. Abraçou-me como já há muito não fazia. Sobre a mesa havia este pacote e um saquinho de couro. E, disse com voz embargada de emoção:

- Querida! Tenho que retornar ao lugar onde estive por estes quinze dias, queria que você me acompanhasse.

Respondi-lhe que iria se ele me dissesse para onde estaríamos indo. E me afirmou que nada poderia dizer, mas que neste pacote tinha um relatório de tudo o que havia acontecido neste interregno de tempo, em que estivera viajando. Pegou o pequeno pacote de couro e disse:

- Aqui tem um quilo de ouro, o mais puro dos ouros, vale uma pequena fortuna. Recebi-o em troca de um quilo de chumbo que forneci a um amigo, é todo seu, faça dele o que bem entender. Senti que ele não me queria levar, afinal nossas vidas já estavam no final, o furor dos anos de juventude e maturidade haviam se apagado, convivíamos apenas por pura conveniência e harmonia. Supus que não me queria submeter a coisas as quais não eram importantes para mim, mas de grande valor para ele.

Abraçou-me com um grande aperto que durou vários minutos, olhou-me no fundo dos olhos e disse:

- Mel, você foi o que de mais grato tive na vida, mas agora tenho de deixá-la, nada levarei para onde vou, e provavelmente, de lá, jamais retornarei.

Afastou-se e eu o vi desaparecer entre as arvores.

Logo tomei conhecimento do teor deste relatório e não pretendo dar conhecimento ao mundo, enquanto viver.

Alcançou-me o pacote e disse:

- Martinho! Leve-o e me prometa que apenas o abrirá quando eu estiver morta, deve ter certeza de minha morte antes de abri-lo. Promete que somente o abriria após a minha morte?

- Sim, eu prometo dona Sara.

- Não quero ser importunada por repórteres querendo saber mais detalhes sobre tudo o que consta neste relatório. Fazendo-me perguntas as quis não saberei responder.

De volta à realidade, nesse momento o vigário começou o oficio fúnebre dizendo:

Dona Sara Mel Góis, uma mulher excepcional, que dedicou seus últimos anos aos mais carentes e desassistidos, com seu dinheiro, construiu creches para as crianças abandonadas e asilo para os velhinhos sem lar. Cuidou de enfermos e, ao final, legou seus últimos bens às instituições que fundou...

Martinho permaneceu até o corpo ser enterrado em uma cerimônia simples. Logo retornou a capital.

No seu apartamento, abriu o armário e dele retirou o volume, colocou-o sobre a mesa e começou a abrí-lo. Um cordão, encerado, amarrava firmemente o pacote. Três folhas de papel plástico impermeabilizavam o conteúdo, após retirá-las apareceu um significativo maço de folhas de papel. Deu uma olhada, imaginou que devia haver mais de quinhentas folhas escritas manualmente, com uma caligrafia esmerada. Entre as primeiras folhas havia uma carta que dizia:

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CAPÍTULO II

A CARTA

Querida Mel! Você pode pensar que estou esquecendo por completo sua querida imagem angelical, tão profundamente gravada em meu coração e em minha mente. Mas não é assim, todos os dias estarei pensando em você, e, em doces devaneios, aparecera à imagem da minha querida Sara Mel, sorrindo-me com seus olhos tão graciosos, como quando eu estava junto a vocês.

Peço que me perdoe, por haver lhe dado migalhas do meu tempo no de correr de toda a nossa vida a dois. No início eu tinha pouco tempo, pois tinha de trabalhar para nos sustentar e prover tudo aos nossos filhos, depois, quando aposentado, nossos interesses eram contraditórios, nos ocupávamos de coisas diferentes.

Agora devo dizer-lhe o que me aconteceu.

Reconheço que é necessário fazê-lo, mas, só em pensar nisso, fico trêmulo e indeciso. Vou relatar a você, de uma forma impessoal, para que possa ser lido por qualquer um, a quem, você queira privilegiar com a sua anuência.

Martinho pegou as demais folhas e iniciou a leitura do relatório.

RELATO:

Ah! Não, não ouso dizer o que aconteceu ninguém acreditaria em mim e me tomariam por louco ou por conversador fanfarrão.

Embora eu tenha sessenta e oito anos, quase não me arrisco revolver as cinzas dessa lembrança. Por isso, resolvi escrever toda a história como ela realmente aconteceu.

Vou escrevê-la como fosse um conto, um simples relato imaginário. São fatos tão estranhos que não posso acreditar que me tenham acontecido.

Tenho um pequeno sítio atrás do Morro da Mariazinha, fica bem no sopé do monte. O local é muito isolado, para chegar lá tenho de percorrer um longo corredor onde havia antes, os trilhos da Rede Ferroviária. Passar pela porteira que dá entrada no sitio, avançar entre um túnel verde, feito por estrondosas caneleiras. Mais uma porteira para dar ingresso ao cercado no entorno da casa.

Naquele dia, devia ser próximo das vinte horas, lembro que era o dia vinte e sete de dezembro, portanto, nesse horário, ainda era dia claro. Eu estava retornando à Montenegro.

Parei o carro, abri a porteira que servia de saída do sitio para o corredor, passei o carro, fechei a porteira e quando ia entrar no veículo, foi que eu o vi. Foi tão rápido, num relance e ele desapareceu no mato, como tivesse entrado chão adentro e atravessado a cerca de arame farpado. Dei partida na viatura e avancei tentando vê-lo no interior da mata de eucaliptos. Passei de vagar e olhando para o interior do bosque, não o vi. Confesso que não parei para persegui-lo, por ter tido medo, pois ele poderia me dar um tiro, ou sei lá o que.

Mas você quer saber mesmo como eu o vi como ele é não é mesmo?

Posso lhe dizer como eu o avistei. Como lhe disse eu o enxerguei de relance e me pareceu que ele era alto e estava todo de preto, ou seja, com um tipo de roupa, ou poderia ser uma espécie de invólucro negro, poderia ser uma espécie de capa, igual às usadas pelos transeuntes na chuva e pareceu-me que tinha um capuz cobrindo a cabeça. Poderia dizer que se tratava de alguém vestido como um monge todo de negro.

Admito que não tenha tido coragem de contar em casa para Sara, que é muito preocupada. Não permitiria que eu voltasse lá sozinho.

No dia seguinte, cedo, levantei e fui logo para o sítio. Não me saía da cabeça aquele ser de preto, como eu o tinha visto desaparecer na mata.

No sitio tudo estava normal, trabalhei como sempre faço, na horta, fornecendo ração para os bovinos e outras tarefas. Devia ser próximo das dez horas, quando me dirigia a casa para preparar um café, foi que eu o vi novamente. Estava parado, podia ver sua silueta atrás dos arbustos, do outro lado do córrego. Ele me olhava, ou ao menos assim me pareceu. Parei e fiquei olhando-o. Sentei-me na cadeira de praia que sempre está sob o alpendre, para não perdê-lo de vista. Ele lá e eu cá.

Assim, ficamos por algum tempo e logo eu decidi que teria de fazer alguma coisa, se ele me quisesse atacar, se esconderia e me pegaria desprevenido. Se estivesse lá, imóvel, certamente não me quereria fazer mal, se não já o teria feito. Então, de repente, envergonhado de minha covardia, apanhei o facão e ia ao seu encontro, mas logo vi que não era sensata esta atitude, pois pareceria que eu o iria combater, o que não era o caso.

Olhando-o fixamente segui em sua direção, lá permanecia ele, estático como os arbustos que o escondiam.

Como ele se encontrava do outro lado do córrego, para chegar lá, onde estava, teria que atravessar a pequena ponte formada por três postes de concreto que, debruçados, estavam sobre o córrego, formando uma ponte.

Atravessei a pinguela e quando cheguei ao local onde ele deveria estar nada vi.

Vasculhei a mata, pela redondeza e nem sinal do homem ou mulher, quem sabe.

Retornei a casa, preparei o café e o fui tomar sentado na cadeira de praia, sob o alpendre. Tomava café e olhava para o lugar onde o havia visto, assim, contemplei o local por diversas vezes e nada. Terminei o café e quando retornava a cozinha para deixar a xícara, lá estava o vulto, no mato de eucaliptos onde eu o havia visto pela primeira vez, se movia no interior da mata, entre as árvores e logo parou, ficou lá parado estático, parecia me olhar.

Agora eu não teria de contornar o riacho, poderia ir andando e vendo-o ao mesmo tempo, assim ele não poderia desaparecer como há pouco havia feito. Eu me aproximava e ele lá parecia que me esperava.

Meus passos, incertos e trôpegos, seguiram em direção ao lugar onde ele estava meu coração disparado, assim, me aproximava.

Deveria estar no máximo a quinze metros dele, podia vê-lo perfeitamente dentro da mata, quando estava mais próximo, há poucos metros, pude olhar para dentro do que seria um capuz, parecia que estava vazio, apenas pude ver o que me pareceu ser um olho em seu interior.

De repente, como uma fumaça negra, ele se moveu ficando rasteiro e logo desapareceu da vista tão rápido como se tivesse sido tragado pela terra.

Naquele momento me senti como sem piso, um marujo sem leme, jogado num oceano tempestuoso; perdido em extenso deserto, sem marco ou estrela para guiar-me.

Tais pensamentos cessariam de agitar-se em minha mente, e meu coração deixou de bater com descompasso.

Quem estaria mais assustado, eu ou o espectro? Um pensamento me ocorreu naquele momento, será que ele quer entrar em contato comigo e está receoso, achando que posso lhe fazer algum mal?

Quanto a mim, tenho a mais absoluta certeza de que ele não me quer causar qualquer incômodo, se não já o teria feito. Mas como vamos nos comunicar, se ele foge de mim?

Andei pelo mato por mais de uma hora, seguindo em diversas direções e nem sinal dele.

Retornei e ao me aproximar da casa, uma estranha perturbação tomou conta de mim. Parei. Nada se ouvia. Não havia nas folhas se quer um sopro de ar.

Queria resistir àquela influência de temor que germinava em mim.

Um pressentimento misterioso que se apoderara dos meus sentidos. Talvez? Quem sabe? Uma premunição de que algo iria acontecer.

À medida que avançava, eu sentia tremores na pele e, quando cheguei diante da porta, senti que precisaria esperar alguns minutos antes de abrir a porta e entrar.

Sentei-me num banco, ao lado da porta, sob o alpendre. Ali fiquei trêmulo, a cabeça apoiada na parede, os olhos abertos para ver o mato onde ele havia desaparecido entre as árvores.

Esperei algum tempo, não conseguindo me decidir. Com a mente lúcida, mas loucamente ansioso, esperei ali sentado, quando ouvi ruído no interior da casa.

Então, de repente, vexado de meu acobardamento, adentrei na casa. E de relance pude ver algo, na cor preta, mover-se para o interior de um dos quartos atravessando o corredor como fosse uma fumaça negra.

Foi tão súbito, tão terrível, tão assustador que recuei alguns passos e permaneci ali estático, com os ouvidos aguçados e os olhos atento a qualquer movimento. O silêncio se estabeleceu nada se ouvia a não ser minha respiração ofegante. Assim permaneci debatendo-me entre o medo e a coragem, até que num surto de bravura avancei até o quarto onde a aparição havia entrado. Quando enquadrei a porta, o que vi? Apenas a minha roupa sobre a borda da cama de casal que fora construída em tijolos, portanto, nada poderia se esconder sob ela. Olhei os cantos e nada vi, apenas restava o guarda roupa, que também era construído em tijolos, com uma grande porta em madeira, sim em seu interior poderia se esconder até três homens. Parei indeciso com os sentidos atentos a qualquer movimento no interior do guarda roupas. Aproximei-me dele, com um ato incontido, abri a porta. Recuei assustado, e tive o ímpeto de correr até que não mais pudesse, pelo fraquejar de minhas pernas, mas retive-me pela visão observada. Uma fumaça preta impregnava todo o interior do guarda-roupa, ali estática, como fosse sólida e impenetrável. Assustado, corri, atravessando o mato de eucaliptos, com a rapidez que meus joelhos trêmulos permitiram, sem sequer olhar para trás. Meus dentes batiam, meus cabelos ficaram ouriçados, tropeçando nos galhos secos caí, levantei-me, caí de novo até atingir a estrada. Parei de repente e notei que havia deixado o carro e que sem ele não iria longe. Fiquei em dúvida se deveria voltar até o carro.

Que me aconteceu? — pensei. Não era nenhum sonho. O cômodo, um vulgar quarto de dormir, o que seria aquilo?

Naquele momento comecei a sentir no estômago uma ligeira dor entorpecida que nunca antes experimentara.

Tinha uma sensação terrível de um perigo ameaçador, esse receio de uma infelicidade que chega ou da morte que se aproxima.

Dobrei uma curva da estrada com a cabeça virada para trás; depois, olhando de novo para frente, avistei a figura de um homem, em trajes rústicos, mas decentes, sentado ao pé de uma velha árvore. Era o meu vizinho, o qual havia visto algumas vezes de passada. Um homem baixo devia ter um metro e sessenta, gordo e barrigudo, vestia uma calça e camisa de brim de um azul claro, com a bainha para dentro das botas de borracha, suas calças estavam presas por suspensórios. Com uma das mãos segurava a fivela de regulagem do dispositivo e a outra portava uma bengala torcida. Quando passava por ele, o homem se levantou e se pôs a andar ao meu lado. Retirou um relógio de bolso e examinando-o disse:

- Ainda é cedo! Está ofegante senhor! Espere, senão não o poderei acompanhar.

- O senhor é meu vizinho? – perguntei com um tremor na voz causado pelo aparecimento súbito daquele estranho homem, que era inteiramente inesperado.

- Sou seu vizinho e me chamo Sérgio, mais conhecido por Serginho, quero lhe falar, neste momento de aflição - disse com voz mansa e confiável.

- Como sabe que estou num momento de aflição?

Ele, com a mão esquerda, esticou o suspensório e o soltou retumbando no peito. Tinha um ar indescritível de alguém que conhecia o mundo.

- Receio que esteja sofrendo tudo o que o senhor está passando. Refiro-me ao vulto preto que assola esta região de casa em casa.

- Conte-me tudo o que sabe a respeito, para que possamos unir forças para enfrentar a situação. – A voz saiu irregular e sussurrante.

- Eu o tenho visto e o persegui até a tua morada, ele parece desaparecer quando bem entende. Sua forma negra se movimenta pelos matos, ocultando-se sobre as ramagens.

- Onde o senhor mora, já que diz ser vizinho?

- Tenho apenas terras nesta região, mas minha residência é há mais de dez quilômetros daqui. Como você, venho aqui, quase que diariamente, para examinar o gado.

Caminhávamos e conversávamos, enquanto dirigia-me para o carro, concluímos que a aparição era a mesma.

Ao chegar a casa, simplesmente a fechei com cadeado, sem ao menos verificar se havia alguém ou alguma coisa em seu interior.

Dei uma carona ao vizinho até a estrada, onde ele havia deixado o seu carro.

Enquanto voltava me invadiu pensamentos estranhos:

- De onde vêm essas influências misteriosas que transformam em desânimo e nossa felicidade e nossa confiança em angústia? Esse pressentimento que é sem dúvida o de que o ataque de um mal ainda desconhecido é iminente.

Em casa, minha esposa, notou que algo havia de errado no sitio:

- Que há de errado no sitio você está fechado, meditabundo com ares de preocupado?

- Não, nada de anormal, apenas um dos touros evadiu-se, e amanhã, terei de procurá-lo pelos campos dos vizinhos - disse isso para despreocupá-la, pois jamais lhe contaria o sucedido.

O DIARIO DE PEDRO GOIS

CAPITULO III

MARTINHO

Martinho interrompeu a leitura, quando se lembrou que estava atrasado com a sua crônica esportiva. Pegou o note book e ligou-o. Nunca antes tinha redigido uma crônica com tanta rapidez. Apressou-se em enviá-la por e-mail, logo desligou o note e foi ao banheiro, após passou na cozinha e pegou um punhado de biscoitos e pensou:

- O estomago esta me matando por acidez, uns biscoitos podem acalmá-lo.

Olhou o relógio pulseira, passava das vinte horas, por isso, o estomago estava dando sinais de descontentamento, ele pensou:

- Antes vou comer alguma coisa, por ai e depois continuarei a leitura do relatório.

Deixou o apartamento e pegou a velha rua.

Embora houvesse lua, era lua muito nova, que pouco iluminava, escondida por nuvens de tempestade.

O bar e restaurante da esquina, onde sempre fazia suas refeições rápidas, estava quase vazio. Ao entrar uma mulher solitária que estava no balcão, lhe chamou a atenção.

Uma criatura alta, magra, de um rosto esguio de pele dourada — e uns cabelos fantásticos, de um ruivo incendiado, alucinante. Estava ali, calada e oca, olhando nostalgicamente o espaço, à procura talvez de amplexos brutais, beijos úmidos, e carícias repugnantes.

Parou ao lado dela e encostou-se no balcão, pediu um misto quente e uma cerveja. Mais uma vez agrediria seu frágil estômago, certamente teria de curá-lo no dia seguinte.

Enquanto esperava servirem-lhe o pedido, olhou para a mulher e instintivamente lhe disse:

- Muito boa noite senhorita, sou Jonas Martins, posso lhe pagar uma bebida?

- Não obrigada, já bebi o bastante por esta noite. Sou Martha Miranda Aguiar. Se quiser uma péssima companhia, encontrou, estou solitária, acabo de desmanchar meu casamento de mais de dez anos e estou arrasada.

Martinho se empertigou no assento. Sentiu subitamente que estava se aproximando, quase fisicamente, de uma sinistra presença de pesadelo, que aquela mulher estava à espreita como uma víbora pronta para dar o bote. - Vá atacar outro, sua cobra, eu não caio nessa farsa.

Pensou, mas apenas disse:

-Sinto muito que isso lhe tenha acontecido. Posso ajudar em algo?

- Não infelizmente a dor de um abandono, só cura com o tempo. Mas pode me fazer companhia.

Nisso o atendente serviu a porção e a bebida e perguntou:

- Dois copos?

- Sim, por favor- respondeu Martinho- convidando-a sentar a mesa.

Martinho afagou o queixo e murmurou numa voz levemente irônica:

- Que houve para desmanchar um casamento de mais de dez anos, por acaso foi abandonada por seu marido?

- Não, peguei-o com outras e isso foi o bastante para enxotá-lo de minha vida.

Conversaram amenidades, por algum tempo enquanto Martinho comia. Após ele lhe forneceu o número do telefone, para se necessitasse, mais uma vez, de companhia, poderia ligar, pois ele também era um homem solitário e carente.

Despediu-se pretextando a vinda de mau tempo.

Naquela noite, estava cansado e os relâmpagos com seu ribombar ensurdecedores o induziram a dormir, deixando a leitura do diário de Pedro Góis para o dia seguinte.

Martha permaneceu no bar, por alguns instantes e logo, pegou a sua bolsa e saiu.

Andou solitária, com o pensamento aturdido pela bebida. E, nesse estado de prostração mental vagou por algumas quadras. A noite se apresentava borrascosa, o vento sibilava canções macabras. E, a chuva caía espaçada em grossas bagas que ensopavam a terra e a quem se atrevia a caminhar desprevenido pelas ruas.

Voltara, portanto, a sua casa, retomara, aparentemente, seus velhos hábitos. Aquela morada de solteira, mobiliada com elegância, com todo conforto, parecia sofrer a influência e o pensamento de quem ali habitava, pois também era triste, apesar do luxo que nela havia. Estatuetas, troféus de concursos, máscaras artísticas. Armas pendiam presas às paredes.

A habitação estava deserta. A vida estava ausente e dava impressão de receber no rosto um sopro de ar gélido e lúgubre, qual sai das sepulturas quando se abrem.

Nessa melancólica morada, onde jamais um homem jovem pusera pé, Martha se encontrava mais à vontade do que em qualquer outra parte: o silêncio, o abandono, a tristeza, convinham-lhe. Fugia ao tumultuar das festas, cessara de lutar contra aquela insofismável dúvida da infidelidade do marido, pois agora tinha certeza. Em seus pensamentos estavam nítidas aquelas cenas. Entrara no quarto, após uma frustrada ida ao cabeleireiro e lá estava ele, com sua melhor amiga, deitados na cama, fazendo sexo, com os mais deprimentes e repugnantes praticas, aquelas que ela própria se negara fazer.

- Calhorda, prostituta, seres abomináveis.

Bateu a porta e se foi. No dia seguinte ele a procurou e disse:

- Deixa de ser boba, você quando casou comigo, sabia que eu jamais seria fiel.

- Quero me separar de você, um homem como você, não merece ter uma mulher como eu.

De volta à realidade, deixaria o tempo correr, entregando a Deus a solução do caso.

Tudo em silêncio. O vazio da casa lhe causava um mal estar terrível.

Mais uma abstração, em sua mente, via a figura de seu ex-marido nos tempos memoráveis. Tinha sido o que se chama um belo rapaz: espessos cabelos negros, crespos e brilhantes nas têmporas, olhos longos e aveludados, de azul profundo, encimados por sobrancelhas recurvas dando a impressão de pertencerem a algum oriental; tez serena, mãos finas e fortes, pés hígidos. Trajava-se com distinção, sabia explorar seus dotes naturais em recepções.

E por esse moço, belo e rico, tendo tudo para ser feliz, ela se apaixonara perdidamente. Dedicara-se a ele nos últimos dez anos, abandonara a carreira de modelo, os amigos e toda a vida deslumbrante das passarelas.

Seus pensamentos foram expurgados por um clarão seguido de um estrondo e a queda de um aguaceiro infernal.

Cai à energia, ficou imóvel aterrorizada pela escuridão. Logo houve um barulho que vinha da cozinha. Pensa logo que a casa fora invadida.

Logo a luz se restabeleceu, agora tinha certeza, havia alguém na cozinha, pois vira uma sombra se movimentar. Seu corpo começa tremer de medo.

Quando a figura de um homem mascarado enquadra a porta.

Assustada ficou interdita de espanto e de terror quando seus olhos deram com uma aparição que lhe gelou o sangue nas veias.

Tentou conter a aflição que lhe subia pela garganta.

Em sobressalto, pelo inesperado e diz:

- O que quer? Pode levar tudo o que quiser?

- Fique calma que nada lhe acontecerá, não grite, será pior para você.

Um novo clarão seguido de um estrondo, a luz se apaga novamente. Ela se sente agarrada, seu braço é levado às costas, sua boca e amordaçada pela mão do agressor que diz:

- Fique calma, a luz logo vira.

A luz é restabelecida. Ela e levada para junto de um sofá, onde duas cordas, amarradas aos pés do mesmo já estão à espera. Torcendo o braço, faz com que ela se ajoelhe sobre o tape, e lhe diz:

- Vou tirar a mão de sua boca, se prometer que não irá gritar, se o fizer, quebro-lhe o braço.

Naquele momento lhe pareceu que a sinistra presença, seria um pesadelo, como os que tivera há algum tempo atrás, uma sombra que a espreitava numa caverna escura em algum lugar dentro dela, esperando para dar o bote com um rugido apavorante.

Ela fez um sinal de ascensão com a cabeça. O facínora pegou um lenço do bolso e o colocou na boca da vítima. Pegou uma das cordas e amarrou a mão esquerda, logo soltou o braço direito e o amarrou na outra corda.

Os globos oculares pareciam se comprimir contra as pálpebras, como animais testando cautelosamente as barras de uma jaula, assim experimentou as cordas, verificando que estavam bem esticadas.

- Agora vamos brincar de papai e mamãe, acredito que saiba como é esse brinquedo- disse o estuprador.

Pensou — Isto deve ser apenas um sonho. Quando acordar, tudo estará bem outra vez.

O homem levanta a saia e começa a retirar a calcinha. Ela fecha as pernas. Ele lhe diz:

Ah! Quer bancar a difícil, aplica-lhe um soco no lado do rosto. Ela desfalece e quando volta a si, já tinha sido estuprada. Estava livre das amarras. O facínora estava esvaziando as gavetas dos armários a procura de valores. Ela se levanta e o empurra e, ele, para não cair, se segura na borda da lareira.

Um raio mais forte, fez com que as luzes se apagassem.

O negro da noite não deixava ver a lividez que o empalidecera nem o pasmo que lhe imobilizara a feição, diante da tentativa de reação.

Pegou um dos punhais árabe, em cobre,

Na forma de meia-lua que enfeitavam o pináculo da lareira.

Os ribombar cavos dos trovões ensurdecedores e a fosforescência dos relâmpagos incendiavam a imensidão do espaço.

Com os olhos revirados, a fosforescer centelhas de ódio, desembainha a arma e a levanta e a torna a embainhar no peito da vítima, que deu um passo à frente, quase sem equilíbrio, e, sem querer, em dois passos ficou junto da mesa de centro e nela tropeçou.

A língua, travada na boca, deixou escapar um grunhido. E, sem se segurar nas pernas, caiu pesadamente com o punhal cravado no peito.

A luz logo foi restabelecida. O assassino retira um lenço do bolso e o passa pelo cabo da arma do crime, retirando suas digitais, enquanto pensa irritado:

- Todos morremos... Uns antes, outros depois.

Retira a máscara, ergue a gola do casaco, e enterra o boné até as orelhas abandonando a casa. Esperou, mergulhando na sombra no umbral da porta mais vizinha, certo de que sua presença não seria notada. Logo se embrenhou na escuridão, sob o ribombar dos trovões e o despencar de um terrível aguaceiro.

O DIARIO DE PEDRO GOIS

CAPÍTULO V

Os visitantes

Martinho, no dia seguinte, continua a leitura do diário de Pedro Góis:

Na manhã seguinte, cedo já estava no sitio, trabalhei o dia todo, agora estava menos preocupado, havia um vizinho que tinha os mesmos problemas que eu, poderíamos nos amparar mutuamente.

O dia decorreu normalmente, embora de vez em quando eu parasse e examinasse as arvores e os arbustos a espera de ver a aparição. Devia ser por volta das dezoito horas, terminara de tomar banho e começava a me arrumar para deixar o sítio. Estava ainda de chinelos e o par de botinas estava no lado de fora da casa sob o alpendre. Fechei a porta da casa, logo a grade de ferro, com dois cadeados, apanhei o par de botinas e fui sentar sob o alpendre para calçar as botinas, a seguir, embarquei no carro. A primeira porteira, que dava saída do cercado da casa, estava aberta e o cadeado destrancado. Ultrapassei-a, parei o carro, desci e encostei a porteira. Passei a corrente e fechei o cadeado. O mesmo fiz na porteira que dava saída do sítio para o corredor. Ao chegar à porteira que dava saída do corredor para a estrada, esta estava fechada com cadeado, antes de descer busquei as chaves no console e não a encontrei, retirei tudo que havia dentro e nada, busquei no piso do carro, nada, procurei nos bolsos, mais de uma vez, sob os bancos do carro. Aturdido, passei a procurar em locais onde jamais a poderia encontrar como se faz quando a razão está tolhida pelo desespero. O suor começava a brotar, iniciando pelas axilas. Foi quando lembrei que o desespero é o nosso maior inimigo quando estamos em dificuldade. Parei e comecei a reconstituir os últimos passos que havia dado ao sair do sítio. Em momento algum havia as chaves em minhas lembranças.

A noite ia caindo, o céu da tarde fora repentinamente obliterado por densas nuvens que transformaram o dia em noite de um momento para o outro. Ao mesmo tempo, o espaço era iluminado pelos clarões dos relâmpagos.

Uma chuva grossa começava a cair, momento em que explodia um trovão violento e a tormenta irrompia espetacularmente. A chuva incidindo nas vidraças do carro com a impetuosidade de rajadas de metralhadora.

De onde eu estava, distava mais de oito quilômetros da minha casa em Montenegro, para onde eu teria de retornar. O corredor estreito, quase não permitia que eu fizesse a volta no carro, pois havia linhas de arames farpados em ambos os lados. Resolvi fazer a volta no carro. Ainda bem que ele tinha direção hidráulica, foi o tal, de avança e recua até que consegui colocar o carro no sentido contrário. Retornei até a porteira que dava para o sítio, que agora estava fechada. Deixei o carro e fui a pé. A chuva mais esperta caia molhando tudo. Cheguei à porteira do cercado da casa, procurei ao redor, tinha de apalpar o solo em busca das chaves, pois a noite envolvera tudo e a escuridão era quase que absoluta. Nada das chaves. Retornei e adentrei no carro e coloquei-me a raciocinar. Pensava: Deixo o carro e vou a pé, são oito quilômetros, molhado já estou, pois não tenho nenhum guarda chuva para me abrigar. Outra hipótese é esperar que dona Sara desse-se conta da demora e venha me procurar. Se eu tivesse trazido o celular, poderia ir até a estrada e ligar, pois no sítio não há sinal. Entre uma hipótese e a outra, permanecia no carro.

Até então eu estava preocupado com as chaves, que havia perdido, porém de repente, veio-me a mente tudo o que estava acontecendo no sitio, o que me fez pensar:

- Será que a chave foi surrupiada pelo vulto que vinha aparecendo na região?

Um tremor tomou conta de mim de repente, não um tremor de frio, mas um estranho tremor de angústia e medo.

- Será que vemos tudo o que existe? Vejamos o vento, que é a maior força da natureza, que derruba os prédios, arranca as árvores, levanta o mar em grandes vagas, destrói os rochedos e atira os grandes navios na praia. O vento que mata, assobia, geme e ruge, não o vemos, mas ele existe.

De repente, lembrei-me de que poderia ter perdido as chaves, no momento em que trocara os chinelos pelas botinas. Deixei o carro, dirigindo-me para o dito local.

Lá chegando, procurei a chave e a encontrei, do lado da cadeira que havia sentado ao trocar o calçado. Peguei-as quando vi, sob o efeito luminoso de um raio, o vulto preto que me olhava a pouco menos de dez metros. Ergui-me num salto, a escuridão cobria tudo, mais um raio iluminou, quando olhei a minha volta! Voltei a sentar desesperado de espanto e medo, diante do eminente ataque que iria sofrer! Eu o procurava com os olhos fixos, tentando adivinhar, onde estava. Minhas mãos tremiam!

Agora de posse das chaves, pude entrar em casa, liguei a luz e fechei-a a cadeado, para que ele não pudesse entrar, mas se ele for apenas uma fumaça negra, certamente entrará por debaixo da porta. Calafetei a parte inferior da porta com panos, tornando impossível sua entrada se por ventura uma fumaça fosse.

Olhava pela janela, abrindo de leve a cortina, momento em que um raio iluminou o firmamento, lá estava ele, rígido e forte, sua forma parecia mais baixa e troncuda, mais parecendo uma nuvem de fumaça preta e opaca. Mais um raio para tudo iluminar, olho para onde estivera antes e nada vejo. Penso: Pela minha demora certamente Sara está preocupada e logo vira me buscar.

Por volta das vinte e uma horas, a tempestade havia cessado, olhei para todos os lados e nada vi, resolvi deixar o sitio.

Ao chegar a casa disse que tivera um contratempo com as chaves e que a chuva era tanta, que não permitira sair com o carro, por isso esperei que ela passasse.

À noite tive sonhos estremecedores e pesadelos horríveis. Sentia perfeitamente que estava deitado e que dormia... Sinto e sei... E sinto também que alguém se aproxima de mim, me olha, me apalpa, sobe em minha cama, se ajoelha sobre meu peito, agarra meu Pescoço entre as mãos e aperta... Aperta... Com toda a sua força para me estrangular.

Eu me debato preso por aquela impotência atroz, que nos paralisa nos sonhos; quero gritar — não consigo — quero me mexer — não posso.

Acordo encharcado de suor, levanto, vou até o banheiro e penso:

- Foi apenas um pesadelo, tudo está bem.

No dia seguinte chego ao sítio, por volta das nove horas da manhã, pois passara na cidade para comprar bernicida para o gado.

Quando me dirigia ao galpão nos fundos do sitio, ao passar pelo mato de eucaliptos, ao olhar para dentro dele, lá estava, alto como nas primeiras vezes. Resoluto, parto em sua direção, tenho de vê-lo de pertinho para saber de quem se trata, o inimigo tem que ser plenamente conhecido.

Agora, perto e tendo o sol a iluminá-lo com seus raios, que entre as arvores chegavam até ele, pude vê-lo com perfeição o que até então não conseguira.

Ele se movimentava dentro do que percebi ser um invólucro de fumaça preta, imagino que para não ser visto como realmente é.

Quando estava próximo, como um torvelinho embrenhou-se na mata e não mais o pude ver.

Peguei tudo o que necessitava do galpão e logo voltei para a casa.

Ao chegar pressenti que ele poderia estar lá dentro como da última vez. Só que desta eu iria fazer diferente, iria aprisioná-lo, no interior da casa, se tivesse um corpo sólido não fugiria, uma vez que, as grades de proteção da porta e das janelas são de aço.

Aproximei-me com vagar e segurança. Fechei a cadeado a grade de aço que protege a porta. Finalmente era só esperar para ver o que sairia se apenas uma fumaça ou se havia um corpo escondido dentro dela.

As horas passaram e nada se movia no interior da casa, de vez em quando eu dava uma espiada para dentro e nada.

Numa das espiadas pude ver lá exprimidos em um canto, três, não cinco pequenos seres enigmáticos visivelmente assustados. Senti que o horror que sentiam naquele momento era em muito superior ao pavor que eles me faziam experimentar.

O fato é que tínhamos medo, ou quem sabe alguma espécie de respeito grande, de quem se vê menor frente a outros seres mais fortes e inexplicáveis.

Posso descrevê-los sim, se é isso que deseja caro leitor!

Eram pequenos e maçudos, deviam ter em media uns cinquenta centímetros de altura, tinham pernas curtas e grossas, que os permitiam sentar-se sobre elas, seus ventre e tórax, ou coisa que o valha, ia ficando delgado à medida que subia, terminando em uma espécie de tromba, onde havia um olho só. Naquele momento, sabia que eram cinco, pois cinco olhos me miravam. Não tinham membros superiores, no lugar deles havia meia dúzia de tentáculos que se moviam enrodilhando uns entre outros.

De repente três deles começaram a se movimentar, subindo um sobre os outros, até chegarem a uma altura razoável que não cabia no guarda roupas. Imaginei que assim é que pareciam ser uma única criatura de grande estatura.

Tentei falar com eles, mas me pareceu que não entendiam o que dizia, no entanto emitiam uma espécie de gritinhos estridentes, que eu não conseguia decifrar.

Abri a porta e entrei, eles desmontaram a pirâmide e começaram a se mover um a um, primeiro o maior, que a meu talante, deveria ser o progenitor dos pequenos, logo saiu àquele que inferi ser a matriz, e logo saíram os pequenos. Enfileirados eles cruzaram a porta sob meus olhos expectantes.

Segui-os e eles foram se postar no alpendre, sobre o banco de madeira que havia ao lado da porta.

Sentei a frente deles, e pensei: Como será difícil a nossa comunicação. Olhava-os admirado, seus pescoços cumpridos, ondulavam e rodeavam o único olho que parecia tudo ver.

De repente veio-me a idéias de interrogá-los por pensamento. Em pensamento lhes disse:

Quem são vocês como chegaram aqui?

Nenhuma resposta, eles não haviam entendido ou não tinham recebido a mensagem. Continuei, só que desta feita, coloquei imagens em meu pensamento:

Projetei uma imagem, onde eu falava com eles. Nada, nenhum sinal de que houvessem entendido ou recebido a mensagem.

Ali olhando aqueles seres, pacíficos e todos me observando com admiração e expectativa.

Resolvi fazer mímica, com a mão fiz que colocava alimento em minha boca. Todos responderam a comunicação pondo um dos tentáculos na boca que havia no centro do abdômen.

Resolvi disponibilizar a eles todos os alimentos que tinha no refrigerador.

Coloquei a suas frentes pão, frutas, legumes e água.

Olharam pegaram com os tentáculos examinaram e logo devolveram a bandeja, onde estavam.

Retirei tudo e novamente guardei no refrigerador. Fiquei ali, perplexo, perante as cinco figuras e pensava:

- Como se alimentam? O que comem? Aparentemente não comem nada do que lhes apresentei.

Comecei a fazer gesto que eles copiavam, mas nada de comunicação.

De quando em vez, chegam ao sitio um cachorro negro de pelo comprido e duas cadelas baias de pelo curto, todos de porte mediano. Ouvi o latido do preto que eu chamo de Fuinha e logo ele apareceu sacudindo o rabo, quando viu as espécies, mostrou os dentes e rosnou agressivamente. Neste momento as criaturas, colocaram-se uma sobre as outras e lançaram uma espécie de fumaça preta que os envolveu. O cão logo se acalmou, e eles, voltaram ao normal. Tinha, pois, a explicação de como se protegiam, como um polvo larga o liquido negro, turvando a água e assim se protegendo dos predadores, eles também assim o faziam, só que se utilizando de um gás preto que os envolvia.

Tudo com o vagar que a prudência aconselha, estava sendo resolvido, só que ainda havia algumas interrogações que não me deixavam tranqüilizar, por exemplo, como se alimentavam... De onde teriam vindo... O que na realidade seriam... Por acaso seriam animais de estimação, como os cães são para nós? Nesse caso estariam a mando de seu dono e protetor. Se forem, simples animais domésticos como seria seu dono e senhor?

Isso explica a curiosidade de haverem entrado em minha casa por duas vezes, correndo perigos e enfrentando o desconhecido.

O DIARIO DE PEDRO GOIS

CAPÍTULO V

AO VISITANTES

Os cães vadios já haviam ido embora. Eu ali, olhando para as criaturas, que se movimentavam, erguendo e torcendo o longo pescoço que terminava com o único olho que tudo observava.

Por incessantes horas, tentei entendê-los, fazendo gestos, falando, pensando, criando imagens, nada os estimulava ao entendimento. Levantei e comecei a caminhar, eles em fila do maior ao menor me seguiam como fossem uma única entidade. Seus pés, individualmente em número de quatro, se movimentavam com suavidade sobre o solo, enquanto os pescoços cumpridos ondulavam para frente e para trás, o que fazia com que a perturbação que me invadira no início da narrativa terminara por se dissipar. Assim o dia passou. À tardinha tinha de me recolher e voltar ao meu lar. Foi quando ouvi um ruído ensurdecedor, que jamais tinha ouvido antes. A frequência devia estar próxima aos oito MHZ. Ao ouvirem o som agudo e estridente, todos pararam e ficaram estáticos, logo, foram cobertos pela fumaça negra e desapareceram no mato.

Confesso que fiquei embasbacado, realmente eu estivera certo todo o tempo, eles seriam animais e eram para seu dono o que os cães são para nós.

Foi quando lembrei que um cruel assassino, pode ter um cão como companheiro inseparável. A ameaça agora era real. Sem dúvida os pensamentos mais medíocres, as idéias mais estúpidas, as mais inaceitáveis saídas da minha mente amedrontada me faziam tremer perante o desconhecido. Voltara a faze inicial, quando as pequenas criaturas surgiram até que as conheci realmente como eram. Agora tudo hera incerteza e insegurança até conhecer o seu amo e senhor que certamente teria algum interesse sobre mim e minha casa, sem o qual não teria enviado os pequenos a me espionarem.

O claro azul do céu começou a diminuir quando o dia foi indo embora; tinha de retornar a minha casa. Ouvia os sons que iam se juntando na entrada da noite: um cachorro, ao longe; uma coruja, bem perto; o assobio do vento que movia as partes extremas dos eucaliptos. Tudo me dava medo e pavor alucinante. Arrumei o que tinha de arrumar e parti o mais breve que pude.

Pensava e não chegava a uma conclusão sóbria, sobre tudo o que havia acontecido, lembrava-me do que disse Voltaire: "Deus fez o homem a sua imagem, mas o homem fez igual com Ele." De onde teriam vindo esses serres estranhos e enigmáticos?

Dessa forma pensando cheguei a casa, mais cabisbaixo do que no dia anterior, o que fez com que minha mulher dissesse:

- Vejo que não encontraste o touro.

- Sim, procurei-o durante quase todo o dia e não o encontrei.

- Devem tê-lo carneado.

- Espero que não, ainda tenho esperança de recuperá-lo. Amanhã procurarei de novo, e assim até que o encontre.

Alegando cansaço, logo após o jantar fui me deitar. Estava certo agora, certo como da alternância dos dias e das noites, que existia um ser misterioso que assolava a região onde tinha o sitio, talvez um ser invisível.

Deito-me e espero o sono como se esperasse algo que tinha certeza que não viria. Espero por ele com o pavor de que se encontra inseguro e desolado, meu coração bate e minhas pernas tremem; e todo o meu corpo treme no calor dos lençóis, até o momento em que caio no repouso, como alguém cairia, para se afogar, num poço profundo e escuro. Logo um sonho — não — um pesadelo me engolfa. Sinto perfeitamente que estou deitado e que durmo... Sinto e sei... E sinto também que alguém se aproxima de mim, me olha, traz na mão um machado, sobe na cama, levanta-o e o deixa cair sobre o meu peito. Acordo molhado pelo suor que escorre de meus poros. Levanto e vou ao banheiro, de passagem vejo minha mulher na sala, assistindo televisão e fazendo palavras cruzadas. Retorno a cama e logo concilio o sono, que durou até o amanhecer.

No dia seguinte, cedo, retornei ao sitio, lá encontrei tudo calmo, olho para todos os lados e nada vi. Procurei atento a qualquer movimento no mato de eucaliptos, lá longe algo se move, aproximo-me com cautela e vejo uma grande lebre vermelha que pasta entre as gramíneas.

Eles não se manifestam mais, mas eu os sinto perto, me espiando, me olhando, e o mais temível, ocultando-se, sempre a minha espreita, com toda a certeza já obteve através de seus espiões, o que queria saber.

Agora sei que havia uma grande diferença das primeiras aparições, não percebi que era uma fumaça preta a envolver os anões, com toda a certeza, nas primeiras vezes fora o seu dominador, que os mandou posteriormente para me espreitar.

Dentro da casa, calcei as botas e fiquei pensativo. Apoiei a cabeça pesada com o punho e pus-me a pensar:

"Que coisa!", pensei, examinando os últimos acontecimentos que se esgueiravam para dentro de minha cabeça. Pensamentos que me levaram a um homem que não cheguei conhecer e que tinha vivido ali há algum tempo atrás. Ele se chamava Gutner, filho de emigrantes alemães, diziam que ele falara com seres estranhos que ali apareciam e que eram oriundos das profundezas da Terra.

Gutner era um homem rabugento, taciturno, azedo — um homem ensimesmado e solitário, que não se dava com ninguém, a não ser consigo mesmo e com uma velha garrafa, que lhe cabia no fundo falso do velho casaco de couro, que nunca tirava do corpo, até mesmo nos dias mais quentes. Certo dia desapareceu e ninguém nunca mais o viu.

E se foram esses seres intraterrestres que me estão rondando, tentado se comunicar comigo como fizeram com Gutner?

Levantei, comecei a trabalhar como fazia sempre. Devia ser por volta das dez horas, quando eles apareceram, em fila indiana do maior para o menor, movendo-se como fosse um único ser ondulante. Pararam diante de mim e se posicionaram a minha frente, e com seus pescoços compridos e seus olhos expectantes. Eu os olhava e ficava imaginando o que deviam querer realmente? Foi quando descobri como se alimentava. Um dos pequenos com um de seus tentáculos capturou uma mosca mutuca e a levou diretamente ao orifício bucal, acima de seu ventre. A mosca foi devorada. Eles se alimentam de insetos, por isso, não se interessaram pelos alimentos que lhes oferecera. Olhando para trás começaram a se movimentar, logo pararam, como se estivessem me esperando, comecei a me movimentar e eles começaram a andar e eu passei segui-los. Andamos pelos bosques e matos, quando notei que estávamos andando em círculos e que eles estavam me embromando, se quissem ir a algum lugar já teriam ido. Foi nesse momento que me lembrei que haviam invadido a minha casa por duas vezes e que agora estariam me afastando para que seu senhoril tivesse a oportunidade de invadir a casa. Corri até a casa e fiz o que fizera antes com eles. Fechei a grade de proteção da porta e apliquei um cadeado. Seja quem for se tiver um corpo solido não terá por onde sair.

Parei a frente da porta a uns dez metros, onde podia ver através da grade de proteção, quase tudo que acontecia dentro da casa, salvo os quartos. Ouvia algum barulho no interior da casa, parecia que aquilo que estava lá, não se importara em ter a grade fechada e continuava a busca.

De repente fiquei interdito de espanto e de terror quando meus olhos deram com uma aparição que me gelou o sangue nas veias.

Ele veio de um dos cômodos uma estranha figura, que bem poderia ser a criatura que se comunicara com Gutner, desde logo, tive a certeza de não ser gente deste mundo.

Suas pernas longas, cruzadas de maneira esquisita e espantosa estavam também encolhidas, trazia nus os braços, suas mãos descansavam sobre os joelhos. O corpo curto e peludo estava coberto por uma espécie de capa preta, que na posição em que se apresentara chegava ao solo, lhe aparecendo apenas às estranhas pernas. Sua cabeça como a pôde ver, assemelhava-se a algo parecido com a cabeça de um escamífero. Pendiam-lhe na lateral uns encaracolados estranhos, que me pareceram capilares trançados e de grosso calibre.

Algo me reteve uns segundos — perguntei, com um tremor na voz causado pelo aparecimento súbito, embora não inteiramente inesperado:

- Quem é você e o que deseja em minha casa?

Uma voz tonitruante de um timbre incomparável respondeu:

- Sou amistoso e tenho necessidade de algo que procuro em sua casa.

- Como fala a minha língua?

- Aprendi com um seu semelhante há algum tempo atrás - respondeu sem embaraços.

- O que procuras, para que eu possa ajudá-lo?

- Procuro isto- exibindo uma chumbada de caniço de pescar.

- Quer pescar peixes no açude? – perguntei-lhe com imensa admiração.

- Não, não quero o material com que é feita a peça.

- Há! Chumbo, para que quer este material?

- Para levá-lo ao meu senhor, que necessita muito dele.

- Quer dizer que é apenas um serviçal de alguém mais importante. Isso parece não ter fim, primeiro os pequenos comedores de insetos, agora este monstrengo enorme, como será o mentor de tudo isso?- pensei.

- Isso mesmo, senhor, permita que me apresente sou Avejão um simples discípulo de meu mestre.

- Posso consegui-lo para seu mestre, que quantidade ele necessita desse metal?

- Exatamente um quilo, somente essa quantia servira para o propósito de meu mestre e senhor.

- Leve-me a seu mestre e senhor, somente assim, saberei para que ele necessita do metal, para que eu possa consegui-lo?

- Sim, sim, ele acaba de permitir o seu ingresso em nosso mundo.

- Como assim! Que mundo é esse a que se refere?

- Nada lhe posso responder, meu mestre o fará quando lá chegarmos.

Segui-o atentamente e logo subi atrás dele até a metade da encosta do morro. Lá estava uma entrada subterrânea. Pareceu-me inexplicável que eu tivesse podido passar tantas vezes ao lado daquele fascinante abertura sem lhe visualizar a entrada.

Reinava ali uma atmosfera salutar, que fazia esquecer quase de imediato todos os penosos horrores que havia me causado o seu morador; respirava-se ali uma beatitude obscura, semelhante àquela que devem ter experimentado Ulisses ao desembarcar na ilha da feiticeira Circe, que mais tarde transformaria seus amigos em porcos.

O DIARIO DE PEDRO GOIS

CAPÍTULO VI

MARTINHO

Parou a leitura, para ir ao banheiro, e enquanto evacuava, pensava:

- Aquela mulher, algo me dizia que era prenúncio de incômodos. E, aqui está o jornal para confirmar minha intuição.

Olhou o relógio que marcava onze e quarenta e cinco. Já era hora do almoço, guardou tudo e dirigiu-se à porta, quando a campainha foi acionada.

Abriu a porta e ficou embaraçado ao ver dois homens, que lhe perguntaram:

- Senhor Martinho?

- Sim, que desejam?

- Somos da polícia e queremos falar com o senhor.

- Pois não, entrem, por favor.

O mais velho com ares de bom amigo, retirou um bloco de anotações e disse:

- O telefone 8967549 é seu?

- Sim, é!

- O senhor pode ver se tem uma ligação do numero5869923?

Pegou o celular e abriu, procurou as últimas ligações e lá estava.

- É tenho uma ligação perdida do telefone 5869923.

- É da mulher assassinada, segundo o pessoal do bar, o senhor foi à última pessoa com quem ela esteve e ela lhe telefonou pouco antes de ser assassinada- disse um dos inspetores.

- Sou suspeito de tê-la assassinado? - perguntou Martinho.

- Infelizmente o senhor é o primeiro da lista de suspeitos. E, por isso, terá de fazer exame de DNA, para confrontar com o exame do DNA do esperma colhido na vítima.

- Eu não a conhecia apenas nos encontramos no bar e conversamos, ela me disse que havia terminado uma relação de mais de dez anos. Dei o meu telefone para me procurar se necessitasse de companhia, afinal eu vivo sozinho.

- Então o senhor não a conhecia?

- Nunca há havia visto antes desse encontro casual.

- Acreditamos no senhor, já checamos tudo a seu respeito e sabemos que é um jornalista e tem uma vida regrada. Além do mais sabe apenas que a mulher foi abandonada pelo marido infiel, sem saber quem ele é? Não é isso?

- Sim, não sei quem era seu marido.

- É o “Fala Fina” Um dos milionários da capital, dizem, sem comprovação, que ele é o chefão e está metido com drogas, prostituição e jogos de azar. Entendo que ele poderá lhe perturbar, mas aqui tem o meu cartão com o telefone celular, pode me ligar a qualquer hora. Ah! Aconselho-o a não deixar a cidade e nos comunique se alguém o procurar.

- Com toda a certeza, não tenho que dar nenhuma saída por estes dias.

Martinho fez a refeição no lugar de sempre e logo retornou ao escritório, para continuar a leitura do relatório de Pedro Góis, quando a campainha foi acionada.

Abriu a porta. Do outro lado viu um homem magro, pálido, pele seca e manchada.

- Boa-tarde, senhor Martinho!

- Como sabe o meu nome, se eu não o conheço?

- O meu patrão me enviou para acompanhá-lo até a sua residência.

- Mas quem é o seu patrão?

- O senhor Marinoti, esposo da mulher que foi assassinada.

- Mas eu não posso atender este pedido, eu nada tenho a ver com o tal assassinato.

- Acho que o senhor não entendeu a mensagem, a ordem que tenho e de levá-lo de qualquer maneira. O senhor é que decidira se irá por bem ou por mal.

Teve de fazer um esforço para evitar que o rosto fi¬casse vermelho e os olhos brilhassem de raiva. Sacudiu a cabeça com indecisão e disse:

- Se não há outra forma, eu irei por bem, afinal sou um homem pacífico.

O carro se encontrava estacionado junto ao meio fio, ao ver os dois homens se aproximarem, o motorista abriu a porta de trás e ambos entraram.

O carro seguiu pelas alamedas e ruas, até chagar em uma mansão sombria e muito bem guarnecida.

Adentraram no casarão. Uma grande porta é aberta e lá estava um homem sentado a escrivaninha, naquele momento examinava alguns documentos e assinava.

Parou e olhou os recém chegados.

Martinho pode ver um homem robusto, tez morena, cabelos pretos, ligeiramente careca no topo, costeletas pretas, óculos escuros. Vestindo, sobrecasaca preta com lapelas de seda e colete preto.

- Aqui está chefia o homem veio de livre vontade.

O homem fitou o recém chegado como quem quer penetrar em seu âmago. E, passados alguns segundos, pigarreou e disse com ligeiro defeito de fala (fala fina):

- Posso me retirar chefia- perguntou o vassalo.

- Não, permaneça aqui, posso precisar de você.

Dirigindo-se a Martinho perguntou:

- Você é o jornalista que esteve com minha mulher antes dela ser assassinada?

- Sim, mas, quero fazer uma observação, não vim de livre vontade como disse este homem.

- Mero detalhe, se está incólume, posso afirmar que veio de livre vontade- retorquiu o dono da casa.

- O que quer saber de mim? Pergunto o forçado.

- Sei que foi você quem matou minha mulher. E, embora estivessemos separados, momentaneamente, eu senti muito a sua morte, por isso, previno-o de que não deve esconder nada de mim. Farei você confessar que a matou.

- Mas chefia! Disse Mortalha, seu capanga.

- Cale-se imbecil, você está aqui para fazer o que eu mandar, não deve interferir no que estou fazendo. Responda! Por que matou minha mulher? - gritou com sua voz fina.

- Asseguro-lhe que será pura perda de tempo, isto é, nada posso confessar, pois eu apenas a encontrei num bar, por acaso, não tenho nada a ver com a sua morte.

-Engano seu, eu tiro as minhas conclusões, o que você tem de fazer é me informar tudo o que passou entre você e minha mulher, até havê-la assassinado.

- Eu lhe dei o número do meu telefone e a deixei no bar, disse-lhe que não estava bem do estômago.

- Como já disse, sei que você a assassinou. Quero saber como e por que fez isso? – disse isso olhando para Martinho a guisa de observá-lo.

- Há um detalhe, que pode ser interessante! Ela me telefonou e eu não atendi, pois havia deixado o celular no quarto sobre um bidê e como dormi em seguida não ouvi a chamada, pois ele estava no silencioso.

- Isso está nos jornais, todo o mundo sabe. Só que eu quero a sua confissão.

- Não posso confessar uma coisa que não fiz.

- É bem simples, vou mandar que o Mortalha lhe quebre um dos braços, provavelmente o braço que segurou o punhal que a matou. Aposto que você dará detalhes de como a assassinou.

- Sim, entendi! Só que não posso dar detalhe sobre o que não fiz.

Mortalha quebre o braço direito dele.

O vassalo pegou Martinho pelo braço direito, levou-o as costas torceu.

- Torça mais- disse o “Fala Fina”.

Martinho sentindo dor insuportável disse:

- Vai quebrar o meu braço, pare com isso, eu nada tenho a ver com a morte de sua mulher.

- Pare! Deixa o homem aliviar um pouco, agora ele sabe quanto dói um braço quebrado. Esta é a oportunidade que tem para confessar tudo, antes que o Mortalha lhe quebre o braço.

- Será que você não entende? Eu não tive nada a ver com a morte de sua mulher.

- Já vi muitos culpados que terminaram confessando os crimes após serem estimulados adequadamente. Mortalha! Você sabe que eu não gosto de violência, por isso, leva o homem para os fundos e da um trato nele, e depois o traga aqui.

Mortalha pegou Martinho pelo braço e o empurrou para a saída do escritório, levando-o por um corredor até os fundos, onde havia uma sala ampla e bem decorada. Soltou o braço de Martinho que se virou de frente, momento em que recebeu um forte soco no estômago, que o fez se torcer de dor. Mal Martinho tinha assimilado o impacto, recebeu um novo soco desta vez no lado do rosto, caindo ao solo. Logo, vários ponta pés lhe foram dados por todo o corpo. Colocou-se na posição fetal e ficou ali parado e espera de novas agressões, gemendo de dor e chorando de raiva.

- Vamos levanta que vou levá-lo ao chefe.

Pegou o torturado e o fez erguer-se, este mal se matinha de pé dados as agressões a que fora submetido.

- Aqui está o homem, deu uma viagem e tanto. Parece que foi atropelado por um trem.

“Fala Fina” olhou para o incauto e disse:

- Fala homem, por que mataste a minha mulher?

Martinho se manteve em silêncio absoluto, apenas gemia com dores por todo o corpo.

- Mortalha! Leva o homem para casa, ele não quer cooperar. Mas, aqui fica uma observação, se a policia ficar sabendo de tudo o que aqui se passou, você será trazido aqui novamente e asseguro que não sairá sem ter ambos os braços quebrados.

Martinho foi colocado no carro e levado para o edifício onde morava. Como despedida, Mortalha lhe disse:

- Nada de policia, viu seu Martinho, não quero ter de quebrar-lhe os dois braços.

Tomou um banho, colocou gelo nas partes ofendidas, preparou uma dose de wiski.

Apoiou a cabeça pesada no encosto do sofá e pôs-se a pensar. Após algum tempo, sem decidir o que fazer, voltou a ler o Diário de Pedro Góis.

O DIARIO DE PEDRO GOIS

CAPÍTULO VII

A ENTRADA

O ser cujas articulações eram desajeitadas, para não dizer aleijadas, caminhava à frente sob o resplendor da farta iluminação que dispunha o lugar. Passamos para um grande salão, em cuja abóboda se destacava uma iluminação de cor verde clara. Lá no extremo se encontrava sentado, em uma cadeira à semelhança de um trono real, um ser que visualizei como sendo um homem.

O súdito se aproximou e sem qualquer reverência se pôs ao lado da cadeira e apontando com seu grosso dedo para mim disse:

- Este é o homem que poderá conseguir o peso de chumbo que quereis senhor.

Eu sem saber como proceder, apenas fiz um sinal com a cabeça em sinal de ascensão.

O homem que agora podia ver plenamente, pois, colocara-se de pé, tinha a altura próxima dos três metros. Sua cabeça ostentava grandes e belos cabelos negros encaracolados, presos por uma tiara que circundava o crânio, passando pela testa. No centro da tiara, uma estrela de cinco pontas, no centro aparecia um sol com seus raios flamejante, circundando o sol, inúmeras estrelas brilhantes.

Os cabelos terminavam debruçados sobre os fortes ombros. Seus olhos de um negro chispante sob enormes sobrancelhas, parecia se destacar como duas fontes de energia. Seu rosto sem barba, que lhe davam aparência de ser jovem.

Vestia um traje estranho, com o qual nunca havia visto antes. Na minha ótica, mais se aproximava de uma túnica marrom, que atingia quase o solo. Um grande decote que lhe descobria parcialmente os ombros. Peitos grandes transbordando para fora do decote. Suas feições poderiam ser comparadas a de um habitante da América do sul, mais precisamente de um peruano.

No peito trazia pendente uma espécie de medalhão, que no interior, em alto relevo, destacava um olho dentro de um triângulo isóscele.

- Seja bem-vindo à minha casa ( disse com voz suave e mansa) - como disse meu amigo, estou necessitando de no mínimo um quilo de chumbo.

- Prazer em conhecê-lo, sou Pedro, Pedro Góis as suas ordens. Mas, quem é o senhor, se não for indiscrição minha?

- Sou um viajante, sou chamado de AHCOR MOÇAM e creia, estou muito longe de meu mundo.

- Parece-me que suas instalações aqui são as melhores possíveis.

- Ledo engano, apenas tem o necessário para ter uma estada agradável.

Nisso, aparecem os cinco apoucados e se colocam ao lado esquerdo do anfitrião.

- Já os conhece? – disse, apontando para os pequenos- eles foram os primeiros mensageiros que enviei a sua casa à procura do material que necessito, parece que não conseguiram se comunicar com o senhor. Eles são uma espécie com poucos dotes de diálogo, por isso enviei o meu assistente - apontando para o grandalhão torcido. Este sim, se comunica com perfeição, pois teve aprendizado de sua língua, com o meu amigo Gutner. Mas esteja à-vontade, me parece um pouco tenso, venha vou lhe mostrar o engenho que necessita do metal que ira providenciar.

Dirigiu-se a lateral esquerda do salão, onde havia uma luz de cor ocre pálida.

Ao chegarmos perto pude observar por uma tela de projeção de imagens, que se tratava de um grande anel, engastado na rocha, devia ter um diâmetro de no mínimo três metros e uma espessura de mais de cinquenta centímetros.

Quando lá estivermos devemos ter cuidado para não cair, seria uma viagem de mais de doze horas sem escala até o ponto zero – disse o dono da casa.

- Não entendi! O que quer dizer com isso?

- Que é muito profundo e que teria uma queda livre de mais de doze horas, até chegar ao ponto onde as gravidades se anulam.

- Continuo não entendendo, mas deixa para lá. Esse anel o que faz, serve apenas para circundar o poço?

- Não, não, ele é um propulsor, quando acionado emite uma força magnética que anula a gravidade do ponto zero até ele.

- É, não estou mesmo entendendo nada, pode ser mais especifico, fale para um leigo, que ignora totalmente todas essas coisas que disse?

- Esse caminho, o que o senhor chamou de poço, liga a superfície ao centro do orbe que habitamos. Ou seja, o seu mundo ao meu.

- Começo a entender! O senhor é um ser intraterrestre, estou certo?

- Sim, está. Descendo dos antigos povos Lemúrios que em se protegendo de um grande cataclismo ingressaram por uma grande fenda na superfície e chegaram ao centro da terra, dando assim, inicio a nossa civilização, há mais de trinta mil anos.

-E quando pretende partir para o centro da terra? – perguntei-lhe com ansiedade.

- Assim que o propulsor estiver consertado.

- E eu poderia acompanhá-lo em sua viagem?

- Sim, se assim desejar, poderá me acompanhar, terá a oportunidade, para ver com seus próprios olhos.

Gutner gostou tanto do meu mundo que dele não mais quis sair.

Dizia que no mundo em que nascera não havia compreensão entre os homens, os valores eram distorcidos, valorizavam as coisas menos importantes, como os bens materiais e o poder aquisitivo de cada indivíduo. Dizia que a terra era um bem que nos fora cedido por empréstimo. E, que o planeta podia ser comparado a um barco que nos tenha sido emprestado para uma única viagem, que é a nossa vida. Você tem de passar por mares revoltos e por calmaria de rios. No entanto terá ao final devolvê-lo a seu dono como o havia recebido para isso, você tem o dever de segurar o leme e dirigir o barco da melhor maneira possível.

Ele não compactuava com a destruição das florestas, da extinção de animais, da exploração desmedida das fontes naturais, por isso, era chamado de esquisito e rabugento.

Queixava-se de que quando era cervejeiro em uma unidade fabril, era adulado por todos os subalternos e gerentes, era visitado e convidado para festas, raramente tinha um final de semana que não havia visita em sua casa ou que fez convidado a passar o final de semana com “pseudos amigos”. Que no final de seu tempo útil, ganhara a aposentadoria e uma grande festa lhe fora oferecida. Realmente fora uma despedida, pois nunca mais foi visitado ou convidado para festas. Todos o abandonaram, o que ficou claro que a sua pessoa nada valia, apenas o seu cargo, na companhia, era considerado.

Viveu, em meu mundo, os seus últimos dias.

O anfitrião e seus auxiliares me inspiravam uma simpatia fraterna, ao invés daquele receio que em geral nasce da visão do desconhecido. Se eu quisesse tentar definir de alguma forma à expressão singular de seus olhares, diria que nunca vira olhos tão serenos e jubilosos, pareciam desconhecer o tédio e o desejo imortal de se sentir vivo.

Meu anfitrião e eu já éramos, a meu ver, velhos e perfeitos amigos. Ele me inspirava uma estranha, mas verdadeira confiança, a qual só nos inspira os nossos fraternos.

De repente, veio-me na mente um pensamento, sinistro, tudo seria irreal, estaria eu sonhando, ou quem sabe morto, dizem que muitos morrem e não chegam a se aperceber desse fato. Sacudi a cabeça, fechei os olhos e os abri em seguida e tudo continuava ali.

De volta à realidade quando ouvi:

- Você parece distante. – disse o anfitrião.

- Desculpe, eu tive um momento de reflexão, tudo isso me parece muito *surreal.

- Venha que lhe vou mostrar onde será usado o chumbo que ira nos fornecer.

Nós nos aproximamos de uma espécie de tela de recepção de imagens, ali havia projetado um quadro de comandos, ele o abriu, lá pude ver circuitos impresso e o chumbo era o elemento que mais aparecia nos circuitos.

- Tivemos uma pane e os circuitos de chumbo foram derretidos, necessitamos restabelecê-los- disse o viajante.

- Por que não utiliza o cobre para os circuitos, é mais resistente?

- Sabemos disso, mas nas condições em que estamos, seria muito difícil, fundir o cobre, que funde a novecentos e trinta graus centígrados, ao passo que o chumbo funde a duzentos e quarenta graus - disse isso e logo, projetou na tela um aparelho que deveria ser um contador de tempo, o equivalente ao nosso relógio e sugeriu:

- Está chegando à hora do refaz, está convidado a fazê-lo conosco.

- Aceito com todo o prazer- disse o convidado.

O auxiliar do anfitrião saiu e retornou com uma bandeja, muito grande, coberta por uma espécie de tecido, e a colocou sobre uma grande pedra que tinha sua parte superior plana e polida.

Ahcor Moçam, como se denominou, retirou a toalha, fiquei completamente espantando ao ver o tamanho enorme de todos os objetos. Foi posto na minha frente um prato com uma quantidade tão grande de alimentos que poderia me alimentar abundantemente por uma semana. O anfitrião me ofereceu um cacho de uva e cada uma delas tinha o tamanho de uma ameixa. Provei uma e achei bem mais doce do que qualquer uma que tivesse comido...

*SURREAL= irreal inacreditável exótico diferente

O DIÁRIO DE PEDRO GOIS

CAPÍTULO VIII

MARTINHO

Parou a leitura e se pôs a pensar:

- Serei um alvo fácil para o “Fala Fina”, afinal, não sei como posso me defender de alguém que tem capangas e é tão influente no mundo do crime. Mas, pelo sim ou pelo não, devo informar aos policiais, o que me aconteceu, eles devem me proteger.

Num surto de coragem, pegou o celular e ligou para o número dos policiais.

- Alo! É Messias falando.

- Aqui é Martinho, Policial Messias, o senhor é um dos que esteve a minha procura em minha casa?

- Sim, senhor Martinho, eu estive em sua casa, pode falar.

- Necessito muito falar com o senhor, pode vir à minha casa?

- Sim, em trinta minutos estarei ai.

Messias chegou e Martinho, relutou em contar toda a verdade, temeroso pelas ameaças recebidas.

O policial envidou enormes esforços para que não desanimasse, mas, enfim, conseguiu e Martinho relatou tudo o que havia acontecido nas últimas horas e finalizou dizendo:

- E assim, não sei o que fazer nessa situação.

- Não se preocupe, nós tomaremos conta de você, será monitorado vinte quatro horas por dia.

No dia seguinte:

- Alo! Senhor Martinho?

- Sim, Martinho falando.

- Queremos que o senhor venha à delegacia assinar o BO (boletim de Ocorrência), e submeter-se a um exame pelo médico legista.

- Sim, mas com o ficam as ameaças?

- Não se preocupe falamos com o promotor e ele mandou prender o Fala Fina e seu cúmplice, pelas agressões que lhes fizeram.

- Não pode fazer isso, eles me torturarão, quebrarão meus braços, como já lhe relatei.

- Não se preocupe o promotor, garante que se alguma coisa lhe acontecer, uma vez que ficou sob ameaça, o Fala Fina será responsabilizado, por isso ele não é louco cumprir as ameaças.

Martinho faz o BO e se submeteu aos exames médico. Logo a polícia poderia agir.

- Chefia a policia está aqui, querendo falar com o senhor, já entraram e estão na sala - disse Mortalha à Fala Fina.

- Deixe estar, que irei atendê-los.

- Bom-dia! A que devo a visita?

- Tenho um mandado de prisão para o senhor e seu capanga, pelas agressões que fizeram ao jornalista, senhor Martinho.

- Diga-me o que vocês estão fazendo para descobrir o assassino de minha mulher?

- Estamos trabalhando no caso, o senhor não pode tentar fazer justiça com as próprias mãos.

- Bem assim eu não fiquei com dúvidas de que o homem não tinha nada com isso.

- Pois bem vai responder processo por agressão.

- Tenho o direito a dar um telefonema não é assim?

- Esteja a vontade senhor Marinoti.

- Alo! É Marinoti, passa para o doutor Renato.

- Sim! Que manda senhor Marinoti?

- Encontre-me na delegacia, estou sendo preso, prepare a fiança para mim e para meu assistente.

Na delegacia, ambos foram ouvidos e saíram sob fiança. Já no carro e dirigindo-se para casa, “mortalha” ao volante disse a Marinoti:

- Chefia, não entendi nada, primeiro o senhor mandou matar a sua mulher, depois mandou buscar o tal homem, me mandou dar uma surra nele, sabendo que ele não tinha nada para confessar. Agora estamos sendo processado por ter batido no homem.

- Mortalha, você é burro, por isso não vai passar de um pau mandado. Eu prefiro ser processado por haver batido no homem, do que ser processado pela morte de minha mulher. Agora a policia não ira suspeitar de nós.

O DIÁRIO DE PEDRO GOIS

CAPÍTULO IX

A VIAGEM

- No interior da Terra todos os frutos e hortaliças são bem maiores do que os que são cultivados aqui na superfície externa. – disse o viajante, expressando no semblante uma modéstia, sem qualquer resquício de orgulhos ou soberba.

Um vinho suave foi servido em enormes copos.

As iguarias foram excelentes, todas desconhecidas para mim. O vinho, segundo nos informou tratava-se de uma safra de mais de cinquenta anos.

Após a farta refeição, fui conduzido à saída do que chamei de furna, por não saber como denominá-la. O vassalo me acompanhava enquanto o seu mestre acenava para mim.

Já no lado de fora procurei marcar o local, com alguma referência, pois teria de retornar com o chumbo. Logo que estava fora, um relâmpago iluminou tudo e a entrada desapareceu misteriosamente, como que nunca ali estivesse estado. Em seu lugar havia arbustos e pedras. Marquei uma figueira com o caule torto e escorrido pelo solo, levantando por uma tortuosidade que permitia elevar-se em uma grande copa.

Apressei-me em descer a encosta e cheguei a casa, logo fechei tudo e voltei para a cidade à procura do chumbo.

Em casa, minha mulher, vendo-me eufórico perguntou:

-Encontraste o touro fujão?

- Sim, achei-o entre as reses de um visinho, eu terminei vendendo o touro para ele a peso.

- Que bom, não agüentava mais aquele seu tédio e preocupação por causa desse animal.

Procurei o chumbo no comércio e não estava disponível.

Não tive duvida e viajei para a capital, procurei o metal em vários fornecedores, todos, disseram-me que não há utilização doméstica desse metal por eles ser prejudicial à saúde, por isso não há a venda no comércio normal.

Fui a mais forte fornecedora de metais e nada, porém lá, o vendedor me disse que eu conseguiria esse metal derretendo placas de bateria, que poderiam ser encontradas em ferro velho.

Retornei a Montenegro e para obtê-lo tive de comprar seis baterias usadas e desmanchá-las e derreter suas placas para obter chumbo puro.

Este trabalho durou o resto da tarde e a manhã do dia seguinte.

Devolta ao sítio, com o material, pensava na magia do desaparecimento da entrada e que dessa forma não há poderia encontrar, teria de esperar que alguém viesse me buscar.

Mal havia parado o carro junto ao alpendre, lá estavam eles, os cinco pequeninos, a minha espera com seus pescoços compridos, ondulando e girando aqueles olhos solitários.

Eu estava pronto, eles se ordenaram e seguiram da forma habitual a andar pelos caminhos, e eu, a seguí-los, com um quilo de chumbo nas mãos.

Ao aproximar-nos do local da entrada, um relâmpago iluminou a estrada. E, a entrada logo surgiu resplandecente como antes.

Em seu interior estava o hospitaleiro (O Ahcor Moçam), com seu colaborador.

- Como está senhor Pedro Góis? – perguntou solícito o líder.

- Bem, não foi fácil conseguir o material encomendado, tive muito trabalho para obtê-lo.

- Será recompensado pelo trabalho senhor Pedro- pegou o chumbo e antes de se afastar disse:

- Esteja a gosto, que eu devo providenciar no conserto do sistema. Levará algumas horas, se quiser retornar amanhã, certamente tudo estará pronto.

- Esteja à vontade senhor, esteja à vontade - respondi laconicamente.

Em casa, eu estava inquieto, não conseguia concentrar-me em coisa alguma, a ansiedade era desmedida. Minha mulher notou o meu estado de ânimo e perguntou:

- Que há Pedro? Pareces afoito e inquieto. Para que querias aquele chumbo que derretestes ontem?

- Não é nada, não, o chumbo era para um amigo que me havia encomendado, para fazer alguns consertos em circuito elétrico.

À noite, levantei por diversas vezes.

De manhã lia o jornal enquanto tomava o café da manhã. E também como sempre, passei o noticiário nacional e internacional — que se tornara muito vasto e com¬plexo para que eu compreendesse — e fui ler as notícias locais, nas páginas internas.

Encontrei as histó¬rias de crime. As agressões eram cada vez mais numerosas e vio¬lentas. Estremeci e me encolhi interiormente, enquanto lia os detalhes terríveis do último assas¬sinato brutal. A verdade, é que ao invés da civilização avançar, é o oposto que esta acontecendo. O próprio fato das pessoas continua¬rem a ser animais sem coração, apesar de todo o progresso cien¬tífico e intelectual, tudo indica que estamos regredindo - pensei.

Tudo estava pronto quando retornei no dia seguinte. Havia preparado minha mulher, dizendo-lhe que pernoitaria no sitio, pois um dos vizinhos me havia informado que havia transito de pessoas estranha e que era bom verem que havia gente no sitio inclusive à noite.

Confesso que na verdade eu estava ansioso para ver a “geringonça” funcionar.

Quando lá cheguei fui recebido por AHCOR MOÇAM, que me disse:

- Deixe-me lhe apresentar um nosso amigo, o senhor Sérgio. Apontando para o homem que reconheci como sendo o meu vizinho Sérgio.

Ele se aproximou e me estendeu a mão dizendo:

- Seja bem-vindo, senhor Pedro! Vejo que somos os únicos convidados do senhor Ahcor Moçam.

Em uma ocasião em que não havia mais tensão, como na vez em que nos conhecemos, apertamos as mãos e nos abraçamos.

Quando AHCOR MOÇAM falou:

- Senhores! Antes de iniciarmos nossa jornada, penso que é minha obrigação, lhes colocar nos mínimos detalhes o que irá acontecer, para onde estaremos indo e se há algum risco a ser corrido.

Nós iremos direto ao centro da terra, utilizando um aparelho que inventei para realizar estas viagens.

Mas o que significa o centro da terra? Explico:

No inicio a terra era uma esfera incandescente, nela havia inúmeros materiais em estado de fusão, eles, os minerais, entre outras substâncias, como rochas das mais variadas espécies e gases. A força centrífuga, resultante da sua rotação em torno do seu eixo, fez com que os materiais mais leves e os gases, fossem arremessados para a periferia e com o resfriamento foi sendo formada uma crosta sólida, circundada pelos gases, que compõem a atmosfera. Como a velocidade desta massa ígnea nas regiões polares era menor, formou-se duas aberturas nestas extremidades. Os minerais, mais pesados, se mantiveram no núcleo em estado de fissão e permanecem até hoje, nesse estado, formando um sol interno, que fornece luz e calor ao centro da terra.

Diante de tais elucidações, e não tendo entendido muito bem as explicações perguntei:

- Que distância teremos de percorrer até atingirmos o seu mundo?

- A crosta terrestre tem uma espessura de mil duzentos e noventa quilômetros, sendo este o espaço que devemos vencer para chegar à superfície intraterrestre, sendo que exatamente no meio dessa distância, se encontra o ponto zero, ou seja, onde a gravidade é zero.

Mais uma vez tive que perguntar, enquanto meu vizinho apenas se encontrava embasbacado com tantas coisas desconhecidas.

- Não entendi bem como é o tal ponto zero.

- A gravidade na superfície externa é de um G* à medida que vamos descendo rumo ao centro ela vai diminuindo até que exatamente no meio do percurso ela tende a zero e depois começa gradativamente a aumentar até atingir a superfície intraterrestre onde ela é novamente um G.

Por isso temos de viajar com o engenho que inventei que tem dupla utilidade, quando estivermos descendo da superfície para o ponto zero, ele freará a gravidade, para que não tenhamos uma aceleração na descida e que a velocidade seja constante. Após o ponto zero, outro aparelho que se encontra na superfície intraterrestre atuará no sentido de anular a gravidade para que possamos ser puxados para a superfície com uma velocidade constante.

Enquanto ele dava as devidas explicações, eu, em minha mente, tinha uma intuição de que todo um desconhecido vinha pela frente. Se de um lado tinha receio dele, o desconhecido, do outro, algo me dizia que coisas grandiosas ocorreriam. Não conseguiria relatar o episódio a ninguém.

É um segredo que guardaria por muito tempo, pois, se o contasse, poria em risco minha sanidade.

Retornando a prestar a atenção ao meu anfitrião, dizia ele:

- Agora vamos alcançar a nave na qual viajaremos.

Abriu uma porta metálica e surgiu um túnel redondo, suas paredes eram metálicas e muito lisas. Avançamos túnel à dentro e há mais ou menos dez metros, da entrada, lá estava um tubo que dominava todo o espaço do tubo. No centro uma porta que se abriu logo ao chegarmos.

Ahcor Moçam adentrou e fazendo um gesto com o braço, convidou-nos a entrar e tomarmos os lugares vagos, assentos cômodos se encontravam no centro do transporte. Todos colocados em seus lugares ele falou:

- Com este transporte atingiremos o ponto onde está o cilindro indutor e inibidor de gravidade e seremos levados ao centro da terra.

Acionou um dispositivo de partida e o móvel começou a se movimentar com aceleração crescente.

Quando lá chegamos, pude ver o artefato que nos levaria em nossa aventura.

O Mestre apertou um botão e, do teto da abóboda, começou a descer um prato metálico com um furo no centro, de onde sobressaia um tubo, ao redor dele, assentos se posicionaram alojando-se no anel que circundava o poço. Ele apertou mais um botão, outro prato desceu e posicionou-se sobre o anterior, encaixando-se no tubo central.

- Tomem seus lugares senhores - disse Ahcor Moçam (O viajante). Logo, os cinco pequeninos se acomodaram. O desarticulado adentrou e se posicionou, logo a seguir meu vizinho se sentou, acessei a nave e sentei ao lado dele. Ahcor Moçam falou:

- Permaneçam em seus lugares, que faremos o equilíbrio da carga.

Apertou um botão e os assentos começaram a se movimentar, afastando-se ou se aproximando em busca do equilíbrio, ficando um espaço enorme vazio, que inferi que fosse o lugar do Ahcor Moçam (o viajante).

Logo ele adentrou e ocupou o espaço vazio e disse:

- Mantenham-se eretos que braços sairão do encosto dos assentos passando por seus ombros se ajustando com firmeza aos seus corpos.

O Ahcor Moçam (o viajante) abriu placa onde estavam os controles e expôs:

- Permaneçam firmes que começaremos a descer, com aceleração até alcançarmos a velocidade de 120 kg/h, que quando atingida, passará a ser constante. Viajaremos por mais ou menos 5 horas até atingirmos o ponto neutro, onde estacionaremos para a troca de equipamento. Percorreremos 645 quilômetros.

Estão vendo este tubo no centro da nave? Internamente ele contém um disco que pode ser fechado ou aberto, na regulagem que o comando fornecer, dessa forma controlando a velocidade de avanço. A força gravitacional funciona como um peso em nossos ombros o qual temos de carregar a vida toda. Este peso é exatamente o peso dos diversos gases que constituem a atmosfera. É igual ao peso de uma coluna de água que vale um quilograma força a cada dez metros e três centésimos de coluna. A atmosfera ao nível do mar pesa um quilograma força.

Ligou a luz interna na cabina e disse:

- Contagem regressiva para a partida. Três, dois, um, zero.

Meu coração pulsava forte, de medo e ansiedade.

A nave começou a mover-se com aceleração, parecendo um elevador, porém com velocidade cada vez maior.

Meu vizinho com a língua travada deixou escapar um grunhido.

A aceleração foi aumentando até estabilizar-se a 120 km/hora.

Mal refeito do susto que me fizera bater atabalhoadamente o coração, respirei sereno, meus olhos correram em volta, estudando os outros.

Meu vizinho, de pouco falar, estava branco como grinalda de noiva. Preso a sua bengala, com as duas mãos, abandonara de súbito o suspensórios. O desarticulado parecia sereno como marujo singrando mar calmo e seguro. Os cinco pescoçudos ondulavam os seus gargalos como sempre. Ahcor Moçam (o viajante), se mantinha sereno em seu leme consultando de quando em vez os instrumentos de navegação.

Agora estávamos e uma velocidade constante e serena, poderíamos dialogar, mas, me deixei ficar calado. Senti um arrepio de frio causado pela temperatura gélida que me arrefecia. A trajetória no fundo do abismo quase infinito que nos levaria ao centro da terra me causava uma insegurança indescritível.

Para quebrar o silêncio, pois naquele momento, apenas eu e o meu vizinho estávamos com os nervos à flor da pele, disse à Ahcor Moçam:

- Que devemos fazer nestas cinco horas de viagem, senhor?

- Essa pergunta era esperada Senhor Pedro. Estou à disposição para perguntas que queira fazer sobre tudo o que está a acontecer ou o que irá acontecer no porvir.

Os dois convidados trocaram olhares furtivos.

Um breve pensamento de embaciado fulgor se fixou no meu cérebro, eram tantas as perguntas que não sabia por onde começar.

O vizinho, dentro de sua habitual timidez, disse:

- É tudo tão estranho que nada tenho a perguntar, a não ser o porquê de eu ter sido convidado a acompanhá-lo nessa viagem?

- É claro que tenho interesse em seus conhecimentos com os bovinos da superfície, nos temos o boi almiscarado e queremos aprender como lidar com tais animais, uma vez que somente os temos para fornecimento de leite, pois há muitas gerações deixamos de comer carne. O senhor verá a necessidade de fazermos algum cruzamento de espécies da superfície com as que temos no interior.

- E eu, por que fui aceito nesta viajem senhor Ahcor Moçam? – perguntei com voz mansa e respeitosa.

- Lembro que o senhor se convidou e eu o aceitei, por mera gratidão, pois me forneceu um material que muito necessitava.

- Sim, tem razão, retifico a pergunta. Em que lhe posso ser útil, senhor Ahcor Moçam?

- Será muito útil examinando o meu mundo e contribuindo, se desejar fazê-lo, com suas experiências de vida no mundo exterior do nosso orbe.

As luzes que, a frente, clareavam e também o interior da nave, faziam aparecer às rochas, ora negras, ora mais claras e até de uma cor ocre. O veículo passava rentes as rochas, dando a impressão de que as iria abalroar. Túneis e cavernas apareciam de quando em vez.

- Senhor Ahcor Moçam, o senhor me parece um tanto jovem, como pode ter tanto conhecimento? – perguntei.

- Sim, tem razão, sou jovem, que idade entende que eu tenha, contando os anos considerados na superfície?

- Acho que tem em torno dos vinte anos.

Ahcor Moçam deu um sorriso e disse:

- Não o senhor está enganado, já vivi cento e dez anos na contagem do tempo da superfície. Espero viver mais de quinhentos anos.

Confesso que fiquei embasbacado. A língua ficou pregada ao céu-da-boca e me deixara assombrado e tartamudo.

Recomposto do espanto disse-lhe:

- Conte-nos como é o seu maravilhoso mundo.

- Ele é constituído de vilas e cidades, como o mundo de vocês, só que lá não há a mesma deterioração que afeta o mundo da superfície. Não temos prisioneiros, pois não temos prisões, se não temos prisões é porque não temos delinquentes.

Os direitos dos animais são preservados. No meu Mundo não há armas, por isso não há guerras, ódio, violência. Não há fome e miséria, sem egoísmo, sem maldade ou crueldade. Temos respeito pela vida de todos os seres, pela Natureza e pelo planeta, pois o consideramos como sendo algo que nos foi emprestado, para ser utilizado da melhor maneira possível, pois teremos de devolvê-lo as gerações futuras, da mesma forma como o recebemos.

Sérgio coçou a calva, e com sinal de desolação disse:

- A verdade é que a nossa civilização, a da superfície, ao invés de avançar é o oposto que acontece. O próprio fato é que as pessoas continuam a ser bestas sem coração, apesar de todo o progresso cien¬tífico e intelectual, indica que estamos regredindo.

Assim a viagem continuou em grande harmonia e cooperação de todos. Até que o viajante disse:

- Preparem-se para a parada no ponto zero.

O veículo estacionou e logo as amarras que nos aprisionavam pelos ombros foram afastadas, nossos corpos começaram a flutuar no espaço.

- Estamos em gravidade zero, se torna mandatório o máximo cuidado, para se movimentarem flutuando movimentem-se como estivessem nadando no oceano, os impulsos devem ser lentos, e nunca em hipótese alguma, façam impulsão apoiando-se em qualquer rocha, pois poderão parar a quilômetros de distância.

- O que é aquilo? - perguntou José, os olhos apertando-se até serem meras fendas entre as pálpebras.

Ahcor Moçam, olhou e exibiu um sorriso contorcido e assustador, disse:

- São os Mugum, fiquem quietos que eles podem ser inamistosos.

Inseguro, pois não esperava surpresas durante viagem, perguntei:

- O que são estes seres estranhos que ali estão?

- Eu não esperava encontrá-los no ponto zero, nem sabia que eles vinham até aqui. Mas posso lhes informar quem são eles. Como já lhes disse os Lemúrios, há milhares de anos atrás, migraram para o centro da terra. Em sua caminhada pelas passagens subterrâneas, chegaram a um ponto onde o caminho bifurcava. O grande grupo dividiu-se e cada um seguiu por um dos caminhos. Um dos grupos chegou à superfície interna do globo terrestre e o outro se perdeu pelas entranhas da terra.

Contam os registros antigos, que o grupo que se perdeu na escuridão de túneis e cavernas, para perpetuar a espécie, de praticar o canibalismo, dessa forma, os mais fortes passaram a devorar os mais fracos. Assim foi até descobrirem uma espécie de musgo que dava nas rochas, eles passaram a raspar o musgo e se alimentar deles. Com o passar do tempo, foram se adaptando ao meio em que estavam vivendo, seus olhos passaram a enxergar no escuro, por isso eles têm aqueles olhos grandes.

Sua fisionomia se alterou até ficarem com este aspecto, mais assemelhando-se a um animal predador.

Não se tem registro de quando eles chegaram à superfície interna do globo.

Eles atualmente habitam uma parte remota, muito distante do meu habitat. Como somos de paz, não os combatemos, mas os mantemos a distância, pois, eles costumam comer carne e depredar o meio ambiente.

Devemos ter o máximo de cuidado para não enfrentá-los, eles podem ser perigosos quando acuados.

Retirando dois pequenos cilindros do alforje, os entregou um, a cada um de nós e disse:

- Meus caros! Se algum deles se aproximar de vocês, usem este instrumento, ao encostar ficarão paralisados, possibilitando que vocês escapem.

Caminhamos uns ao lado dos outros, os seres estranhos se mantiveram a distância, apenas nos observando.

Os Mogum de vez em quando se movimentavam e nos olhavam, mas não se aproximaram de nós. Chegamos a uma pequena estação, igual à primeira, na qual havia um cilindro controlador, igual ao que nós tinha levado ao ponto zero.

- Agora por esta fonte de energia, vamos chegar até a superfície do centro da terra- disse o navegador (Moçam Ahcor).

- Não posso entender como vamos subir para a superfície do centro da terra, não devíamos estar descendo? - perguntou Pedro Góis.

- Como houve a inversão da gravidade, nós vamos subir, pois no ponto zero, a gravidade é zero, daí podemos subir para uma das duas superfícies, pois a gravidade irá subindo à medida que avançamos, para um ou para o outro lado.

Todos nos seus devidos lugares começam a parte final da viagem ao centro da terra.

No meu mundo, ou seja, no centro do globo terrestre, temos uma civilização diferente da superfície, que vai desde as organizações de cidades até as moradas.

Utilizamos um modelo, primitivo, que foi há muito adotado pelos antigos Lemurios.

Nossas cidades são formadas em círculos, seu crescimento é ordenado segundo o plano de construção. No centro está tudo o que é coletivo, de dentro para fora, temos a recreações, comércio, indústrias e depois as moradias. Quando uma cidade chega a sua plenitude conforme o estabelecido, não cresce mais, estabiliza-se, enquanto uma nova cidade começa a ser formada.

A disposição das ruas é em círculos e raios. Assim, quem está na periferia, para chegar ao centro, utiliza uma rua reta e sem qualquer obstáculo, pois os círculos estão em outro plano. Não utilizamos automóveis, pois estes congestionariam as vias de acesso. E criariam colisões e abalroamentos formando incontáveis vitimas. Todo o transporte é coletivo e não usamos motores, usamos vias tubulares, que em seu interior, transitam carros transportadores cilíndricos que se movimentam por sucção. Os passageiros ou as cargas são colocadas em cilindros fechados e herméticos, com ventilação adequada. Nos extremos da tubulação, onde está à estação de desembarque e embarque, está instalado uma grande bomba de vácuo, que em funcionando puxa o tubo que desliza dentro do outro, sob amortecedores de feltro. Para que tenha uma idéia do que é este transporte, posso lhe afirmar que a velocidade chega a mais de quinhentos quilômetros por hora, sem qualquer atrito.

- Permite-me uma pergunta, senhor Viajante?

- Pode fazê-la senhor Pedro.

- Um dispositivo desse com uma velocidade de mais quinhentos quilômetros por hora, não colide com a estação em sua chegada?

- Senhor Pedro! Pense no seguinte: O tubo de transporte está na estação parado e freado por garras de aço. No final do tubo que serve de duto, onde está o transporte, está uma bomba de vácuo, ela vai fazendo vácuo, até que a depressão tenha capacidade de movimentar o que vamos chamar de vagão, para que o senhor possa entender. O vagão é liberado e sai em aceleração até o momento em que a aceleração chega num ponto onde ele passa a uma velocidade constante. Quando ele está próximo da estação, a pressão vai diminuindo e ao final, não há mais pressão, se formando um acúmulo de ar, que faz com que o transporte vá diminuindo a velocidade, quando ele está próximo a parar, o ar que se comprimiu para fazê-lo frear é liberado para o exterior, e ai, o vagão para na estação.

Assim somos capazes de viajar de cidade em cidade, sem poluir, ou criar acidentes.

Moçam Ahcor, durante a viagem, deu a seus visitantes explicações das mais variadas, sobre o seu mundo.

Finalmente haviam chegado à superfície do interior da terra.

CAPÍTULO X

MARTINHO

Interrompera mais uma vez a leitura do diário, e posse a pensar, em tudo o que estava vivendo naquele momento. Estava entre a alegria e a tristeza, com expectativa de um futuro esplendoroso, com a edição do livro que seria baseado no Diário de Pedro Góis e a probabilidade de ser admoestado pelo “Fala Fina” e seus capanga. Sentiu que teria de fazer alguma coisa para se livrar da espada de Democles que pairava sobre a sua cabeça. Pensava em tudo o que lhe havia acontecido e lhe parecia que algo havia de errado, mas não conseguia chegar a uma conclusão do que seria. Reviveu em pensamentos todos os momentos, desde que adentrara na casa do “Fala Fina”. Sim, era isso, o homem parecia calmo, se pensasse que ele era culpado, estaria esbravejando e ele mesmo o teria agredido. Interrompera o algoz quando este iria quebrar o seu braço, dando sinal de que não o queria machucar com severidade. Estava certo, a surra que teria levado tinha um único propósito o de desviar suspeitas do assassinato da esposa. E, com toda a certeza teria sido “Mortalha”, seu capanga, quem teria feito o serviço.

Como iria provar a sua tese. Levaria ao conhecimento do inspetor Messias, ele com toda a certeza saberia o que fazer para ajudá-lo.

- Alo! É o inspetor Messias.

- É Martinho, o jornalista.

- A que devo seu Martinho?

- Inspetor! Tive pensando no caso do assassinato

da mulher do “Fala Fina”. Acho que a surra que levei foi para afastar suspeitas de que ele teria eliminado a mulher, o que o senhor acha disso?

- Faz sentido, seu Martinho.

- E com toda a certeza ele mandou o seu capanga Mortalha fazer o serviço.

- Também concordo com o senhor.

- Como poderíamos desmascará-los?

- O assassino não deixou impressões digitais, usou uma arma que estava de enfeite na parede, levou tudo o que havia de valores, como jóias e dinheiro, pois revirou todas as gavetas. Como vê foi um trabalho de profissional, próprio do “Fala Fina”.

Lembra que o senhor pediu para eu fazer um exame de DNA, para confrontar com o esperma que havia na vítima?

- Sim, é isso o facínora deixou seu esperma na vítima. Certamente não foi “Fala Fina”, mas é bem possível que tenha sido Mortalha.

No dia seguinte, na casa de “Fala Fina”.

- Bom-dia senhor! Estamos aqui para falar com o seu patrão- disse Messias.

- Entre, por favor, que irei chamá-lo.

- A que devo a visita senhor, inspetor, - disse “Fala Final” ao entrar na sala de visitas.

- Temos boas noticias para o senhor. O assassino de sua esposa deixou uma pista que certamente o levará à condenação por homicídio com requintes de crueldade.

- Não me diga inspetor, de quem se trata?

- O senhor não sabe, pois foi mantido segredo de justiça, mas sua esposa foi estuprada ante de ser assassinada.

- E já descobriram quem foi o estuprador?

- Não, estamos colhendo material genético para identificar o criminoso, por isso, estou aqui para convidá-los a fazer um teste de DNA. Dessa forma isentando-os definitivamente de qualquer suspeita.

- Sim, certamente que estaremos à disposição do senhor.

O inspetor levantou da cadeira e se dirigiu a porta de entrada, abriu-a, fez entrar uma enfermeira, que trazia consigo material de coleta de sangue.

Embasbacados ambos deram o braço para a coleta.

Após a saída do inspetor:

- Seu miserável, você estuprou a minha mulher ante de matá-la!

- Que nada sô, foi o tal do Martinho, deve ter ficado com ela antes deu entrar.

- Sim entendo- disse “Fala Fina”, passando a mão sobre a cabeça. Vá buscar o tal escritor que eu quero falar com ele novamente. Mas tenha cuidado que ele pode estar sendo monitorado pela policia.

Batem a porta e Martinho, para a leitura e vai atendê-la.

- Você! que quer desta vez?

- O patrão quer falar com o senhor, deve me acompanhar, por bem é claro.

- E se eu não quiser acompanhá-lo?

- Bem, o chefe não me disse que isso poderia acontecer, ai eu decido que vou levá-lo a força.

Martinho chega ao escritório de Fala Fina, sendo conduzido por Mortalha.

- Aqui tá o homem, chefia.

- Careca, pega o homem e o amarra na cadeira- disse “Fala Fina” a um dos seus capangas.

Após Martinho estar amarrado, Fala fina diz a Careca:

- Pode fazer o trabalho, Careca.

Careca pega o revolver e dá um tiro na cabeça de Mortalha, que tomba no solo. Martinho amarrado assiste o desenrolar do assassinato a sangue frio.

Careca pega o revolver e limpa as digitais. Desamarra Martinho coloca o revolver em sua mão e pressiona para imprimir as digitais, logo o desamarra e o manda sair, dizendo:

- Fuja você acaba de matar o Mortalha, a policia certamente o irá prendê-lo pelo crime cometido.

Martinho sai desorientado, sem saber o que fazer. Caminha pela avenida, pensando em tudo o que estava acontecendo, e após acalmar-se, resolve ir à delegacia de policia.

- É isso senhor inspetor, agora eles querem que eu seja acusado de haver assassinado o Mortalha.

- Eu sei seu Martinho, meu colega foi solicitado a comparecer à casa do “Fala Fina”, certamente para acusá-lo da morte do seu capanga, mas não se preocupe que irei falar com o promotor e ver o que pode ser feito neste caso, por enquanto fique alerta, outras ações poderão ser efetuadas pelo pessoal do Meliante.

Martinho sai da delegacia e pensa em tudo o que está acontecendo naquele momento. Ao chegar ao apartamento, pega o volume manuscrito que está lendo, organiza-o, embrulha-o, amarra-o, coloca-o de baixo do braço e sai. Desce à garagem e sai em seu carro, em menos de uma hora estava entrando no sitio que fora de Pedro Góis. Tudo lhe parecia conhecido de tão bem descrito que estava no diário do antigo morador.

A casa, a oito quilômetros da cidade de Montenegro, aninhava-se em bonita posição sobre a encosta de dois morros. Por três lados, olhava do alto para frente uma repousante vista de um mato de eucaliptos, afastado da casa por capim, em uns trinta metros. Do quarto lado havia o lago, com uma ilha no centro, a qual era acessado por um trapiche de madeira que os Gois tinham de consertar todos os anos; esse lago oferecia um aspecto tão atraente a quem o contemplava do alpendre da frente como do lateral ou de qualquer altura da casa de onde pudesse ser visto.

Na casa encontrara um novo morador, pede permissão para subir na encosta do morro, diz que é jornalista e que está à procura de uma entrada na rocha.

O novo morador dá uma gargalhada e diz:

- Vai perder o seu tempo, é tudo criação do imaginário popular, desde que adquiri o sitio, pessoas tem me informado que os antigos moradores haviam entrado em uma caverna e nunca mais apareceram, eu, por exemplo, revistei palmo a palmo toda a encosta do morro e nada encontrei. Mas vá, tem minha autorização, pode ser que o senhor tenha mais sorte do que eu.

Martinho passou o resto do dia à procura da entrada, localizou o ponto onde Pedro Góis, havia descrito como sendo o local em que tinha havido a transformação, uma figueira torta. Logo a tarde caiu e Martinho retornou, disse ao morador que voltaria no dia seguinte pela manhã, para continuar as buscas.

Hospedou-se em um hotel e no dia seguinte, cedo, estava de volta no sitio. Trazia consigo um cartaz que dizia: “Sou amigo de Pedro Góis”

Colocou o cartaz aberto em duas estacas e sentou-se a esperar que algo acontecesse.

Assim, por incansáveis cinco dias, Martinho permaneceu ali parado, havia resolvido acampar em uma barraca, para ser possível estar à noite se, poderia ser mais fácil de ser encontrado pelo Viajante.

Foi no sexto dia, por volta das quinze horas, que ele ouviu um estrondo e logo tudo ficou diferente.

A entrada a qual Pedro Góis havia descrito surgira a sua frente, ele adentrou, e viu que Pedro, não havia exagerado em nada ao descrever o ambiente, era tudo realmente alucinante.

O grande desarticulado, o cumprimentou, dizendo, os amigos de Pedro Góis, são nosso amigos, queira me acompanhar o senhorio o está esperando.

A alguns metros a frente estava o Viajante, salvo as veste, tudo era igual, a descrição de Pedro Góis havia sido perfeita.

Ao se aproximar Martinho diz:

- Senhor Ahcor Moçam, permita que me apresente, sou Martinho, jornalista e amigo de Pedro Góis.

- Seja bem-vindo senhor Martinho, em que lhe posso ser útil?

Martinho relatou como tomara conhecimento do relato de Pedro Góis. E que, estivera meio atrapalhado, em vista da perseguição de um bandido e que o melhor lugar que achara para se livrar da perseguição seria procurar guarida em outro mundo, um mundo inalcançável.

Ao narrar os últimos acontecimentos, tinha a impressão de que estava num confessionário, onde um padre lhe ouvia com muita atenção. Ao final o viajante lhe disse:

- E assim o senhor quer abrigo em minha comunidade, é isso? Bem inicialmente posso lhe adiantar que tive conhecimento de tudo o que o amigo Pedro escreveu para sua esposa, uma estória incrível a não ser para os que a tenham vivido. Poderia até ser editada como um romance ficcional, jamais alguém iria acreditar em tal estória, embora fosse a mais cristalina das verdades, por isso autorizei que revelasse a verdade a sua esposa.

Senhor Martinho, não vou lhe dizer o que irá acontecer durante a viagem, pois o senhor já leu no relatório do Senhor Pedro. Mas, poderá fazer qualquer pergunta que desejar.

Uma coisa que não consta no relatório é como após um estrondo a situação do local da entrada se transforma isso em não tenho idéia de como pode ser explicado?

- Você saber que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, não é assim?

- Perfeitamente.

- Salvo quando um está em uma dimensão e o outro noutra. É assim que acontece.

- O senhor está me dizendo que estamos em outra dimensão que não é a minha?

- Sim, exatamente isso.

- E por que isso não consta no diário do senhor Pedro?

- Pelo fato de que o senhor Pedro não perguntou, talvez não tenha notado, ou não tenha achado importante esse fato.

- No relatório consta que o centro da terra foi encontrado por uma raça antiga, que após um cataclismo, penetrara nas entranhas da terra.

- Isso é verdadeiro, o fato de haver outras dimensões a serem exploradas, foi descoberta na era atual, pelos cientistas da minha civilização. Somente este espaço está em outra dimensão, no momento que damos partida para o lugar onde está o sistema pelo qual viajamos para o centro da terra, voltamos à dimensão original.

Assim, Martinho tomou chá de sumiço, como diz o ditado popular. Com seu desaparecimento “Fala Fina” foi acusado de havê-lo liquidado, havia amplo material acusatório, a agressão, a morte de Mortalha, o DNA deste coincidiu com o do estuprador da mulher assassinada. O meliante “Fala Fina” foi finalmente condenado pelo assassinato e ocultamento de cadáver de Martinho.

Matinho nunca mais retornou a superfície do planeta, encontrou Pedro Gois e se tornou um habitante do novo mundo. Os escritos de Pedro Gois, nunca foram revelados.

FIM

rocado
Enviado por rocado em 30/08/2018
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