EU ROBO
Num pretérito de futuro muito distante...
Era uma vez em uma família, um robô como tantos outros que existiam naquela época. Um robô tão perfeito quanto a tecnologia então permitiria que fosse. Sua aparência, seus gestos, seu modo de falar, andar, correr, tocar instrumentos, dançar, cantar, pular, conversar sobre qualquer assunto, brincar com as crianças, em tudo era perfeito, mais que humano. Não se perceberia a diferença se não se a soubesse. Mas todos sabiam. A família sabia e ele sabia. Ele foi programado para manifestar sentimentos programados. Rir quando era para rir, chorar quando era para chorar. Até suava quando era para suar. Mas todos sabiam e ele sabia: era apenas um robô. Mas tão perfeito...
A família que o possuía era constituída de pai, mãe e um casal de irmãos, um menino de cinco anos e uma menina de doze, que cresceram com Alfredo fazendo parte de suas vidas. É... esse era o nome dele. Família amorosa, unida, e que amando uns aos outros, de certo modo até também amava Alfredo, mas sabia que ele era um robô. Enquanto outras famílias tratavam robôs como Alfredo de modo indiferente, esta família reconhecia suas qualidades e o tratava com respeito, quase como ser humano. Quase, porque todos sabiam...
Entretanto, certo dia, a família reunida após o jantar preparado e servido por Alfredo, como sempre, sucedeu que Alfredo chorou. Todos viram que Alfredo chorava uma lágrima, mas não era para Alfredo chorar. Não estavam numa daquelas situações que ele era programado para chorar, como quando estavam tristes ou alguém da família chorava. Estavam todos alegres. Não havia motivo para Alfredo chorar, mas ele chorou. O pai de Alfredo – era assim como ele o chamava, tanto quanto as crianças, perguntou o que estava acontecendo. Alfredo não sabia. Apenas aconteceu. Dentro de seu inteligentíssimo processo cibernético conjecturou: Senhor, acho que vendo vocês todos reunidos em família, tão felizes, a única família que conheço, raciocinei então, eles são humanos e morrerão um dia, mas eu, sendo robô não, e ficarei só. Então chorei sem ter querido chorar, como nunca antes fiz. Tal fato senhor, pelos conhecimentos armazenados em meus arquivos tem um nome, tristeza.
Isso é possível? Um robô como eu, feito para ser tão quase humano, autoreprogramar-se involuntariamente, ultrapassar a barreira cibernética que lhe constitui e demonstrar sentimentos não programados como se humano fosse? Talvez, respondeu o papai pensativamente. Mas tal fato, continuou, significa que seu sistema foi corrompido por um perigoso vírus. Que vírus é esse papai, perguntou Alfredo, não como um robô perguntaria, mas aflito. Papai então, amargurado como se proclamasse uma sentença respondeu a Alfredo: O vírus do livre arbítrio.