Não é o bastante

Quando o parque de diversões chegou à cidade, o pai nos levou, a mim e à minha irmã, num sábado à noite para vê-lo. E como naquela cidadezinha remota diversão fosse coisa rara, havia fila para entrar na área cercada que abrigava três grandes tendas de lona e várias barracas onde vendia-se lanches, quinquilharias, e praticavam-se jogos (de arremesso, quase sempre). O pai pagou um tostão por cabeça na bilheteria, e nos deu alguns vinténs para gastarmos como quiséssemos.

- Onde vamos primeiro? - Perguntou minha irmã.

- Ao Museu de Esquisitices - informou o pai, que nos conduzia pela mão; eu, à esquerda, minha irmã à direita.

Entramos numa tenda menor, por onde já circulavam várias pessoas por entre pedestais de madeira, sobre os quais estavam estranhos animais empalhados, equipamentos misteriosos e estátuas de cera. Paramos frente a uma destas, representando um homem magro de fraque escuro e expressão taciturna. O sujeito parecia nos olhar com enfado do alto do seu pedestal.

- Este é Sikhor, o telepata. Ele podia ler a mente de qualquer pessoa, dizem - comentou o pai.

- E por que ele está aqui? - Indagou minha irmã.

- A última pessoa da qual ele leu a mente, o matou. Ossos do ofício - concluiu o pai, bem-humorado.

Passamos para um animal empalhado de grande porte, sobre um estrado. Lembrava um leão, mas tinha uma cauda curta e dentes caninos enormes, que se projetavam da bocarra aberta.

- Parece vivo... - sussurrei, apertando com força a mão do pai.

- Mas não está - tranquilizou-nos ele. - Esse é um esmilodonte... mais conhecido como dentes-de-sabre. Estão extintos faz muito, muito tempo...

Finalmente, paramos em frente à uma máquina que lembrava um armário de metal, com vários botões coloridos. O pai inclinou-se para ler o cartão na base do equipamento, antes de explicar:

- Diz aqui que isso é um computador... um tipo de máquina para fazer cálculos numa velocidade muito rápida.

- Quem construiu o computador? - Questionou minha irmã.

- Os homens da Terra... parece que precisavam de máquinas como essa para viajar pelo espaço - ponderou o pai.

E levou-nos até um pedestal próximo, onde havia uma figura numa roupa prateada, encimada por um capacete de vidro.

- Vejam só... eles têm aqui o que parece ser um autêntico traje espacial usado pelo povo da Terra. Não é bizarro?

Ficamos olhando em silêncio para o rosto do homem, visível pelo capacete de vidro. Ele mantinha uma expressão de quem estava profundamente concentrado em seus próprios pensamentos, não se apercebendo do mundo que o rodeava.

Minha irmã desviou o olhar para mim, e perguntou:

- Você viu?

- O quê?

- Ele piscou - redarguiu ela.

- [22-07-2018]