Eles Estão Entre Nós - Capítulo Eins

Eu costumava acreditar que tudo o que via era uma verdade absoluta. Mas eu nunca buscava de fato alguma explicação a respeito. Isso me fez ter a péssima fama de alienada. Pessoas não me levavam a sério e tudo se resumia a deboches.

Frequentei igrejas por um longo período da minha vida. Passei por diversas religiões e não consegui me fixar em nenhuma delas. Eu não via nada do que os outros viam e aquilo me perturbava. Será que o problema sou eu?

Fiquei alguns meses, e talvez tenha sido o maior tempo, dentro do islamismo. Carregava meu alcorão para cima e para baixo. E eu juro que tentei aprender árabe para uma experiência mais realista. Porém nada me convencia. Nenhum Sheykh parecia ser sábio o suficiente para me provar que realmente o islã valia a pena.

Aos poucos fui diminuindo a frequência nas mesquitas e quando ninguém veio me chamar de volta acreditei ter feito a escolha certa.

Na época de escola eu era aquela que acabava sendo expulsa de algumas aulas por perguntar demais. Mas eu realmente não tinha intenção nenhuma de chatear os professores. Apenas sentia que precisava saber. Eram perguntas demais e ninguém ali parecia interessado em sanar minhas dúvidas.

Os colegas evitavam me chamar para qualquer brincadeira que fosse. E a única vez que fui convidada para algo era um tal tabuleiro Ouija. Que claramente era movido por cada um de nós mas por algum motivo eles achavam que tinha mais alguém por ali. Nos dias seguintes da brincadeira tivemos longos diálogos de experiências sobrenaturias. Alguns insistiam na ideia de que uma entidade maligna estava ocupando a escola trazendo um clima sombrio para os alunos. Outros sentiam presenças gélidas pelas costas e se assustavam com frequência com o menor barulho possível.

Achavam estranho eu manter a naturalidade nas aulas e começaram a espalhar que eu era o próprio diabo. Afinal se não sentia medo só podia ser a criatura. Então fui ficando isolada. Nos trabalhos sempre era a última a ser escolhida e faziam questão de dizer que só haviam me escolhido por ordens da professora. Era estranho pra mim ver que o meu normal era o bizarro para os outros.

Durante esse tempo inteiro em casa eu levava broncas demoradas por sempre recusar a ir me confessar com um padre. Não vejo motivos para sair de casa e falar coisas no qual me arrependo para um completo estranho. Ele não iria fazer o mesmo que eu então aquilo não parecia fazer muito sentido. Afinal, por que ele poderia saber sobre minha vida e meus segredos mais obscuros e eu não saberia nada dele?

Minha mãe era totalmente o oposto. Todos os domingos de manhã eram marcados para orações e visitas à igreja. Ela vestia uma saia comprida marrom com uma blusa de botões verde. Mantinha os longos cabelos negros completamente lisos e retos jogados pelas costas. Carregava a bíblia debaixo do braço e não saía de casa sem usar um colar de cruxifixo dourado.

Em algumas vezes me rendi e fui para a igreja de mamãe. Ouvia pessoas gritando em desespero com uma mão na bíblia, que ficava mantida junto ao peito. E outra mão levantada acima da cabeça. Eu sempre interpretei que todos ali estavam de alguma forma desesperados para alcançar o céu.

Eles gritavam, batiam os pés e as mãos. Choravam bastante e por várias vezes faziam exorcismos ali mesmo. Na frente de todos. Eles acreditavam fielmente e eu ficava espantada de ver aquele alvoroço. Apesar de mamãe dizer que a igreja era um lugar para relaxar eu me sentia bastante apavorada e não via a hora de sair de lá.

Na mesquita todos ficavam quietos. E eu posso jurar que podia ouvir o pensamento de cada muçulmana que estava ao meu redor. Em alguns aspectos a igreja de mamãe era divertida. Mas eu achava curioso ela dizer que a religião dela era a verdadeira e qualquer outra divindade era considerada maligna. Pois era exatamente a mesma coisa que eu ouvia o sheykh dizer todas as sextas.

Também tinha papai. Que dizia não acreditar em nada. O que ocasionava em grandes discussões em casa. Mamãe o chamava de maligno e o papai a chamava de louca. Eram horas de insultos e eu só observava as estrelas deitada na calçada do lado de fora da casa. Aqueles vários pontos brilhantes me hipnotizavam e só percebia que a paz havia voltado quando papai me chamava para entrar e jantar.

Eu era deslocada para os dois. Papai me achava estranha demais e reclamava de eu não decidir o que queria acreditar. Mamãe me chamava de infiel. E por várias vezes me levava para jogarem uma água gelada na cabeça.

Mas apenas o céu me conquistava. As estrelas pareciam reais. Elas brilhavam de verdade todos os dias. Eu podia vê-las e aquilo me reconfortava. Eram coisas únicas e eu não via ninguém ao meu redor brigando por causa delas. Mas nunca entendi o motivo de não existirem religiões cultuando estrelas.

*****

Quando fiquei mais velha fiz amizade com uma vizinha de rua. Ela se divertia com as histórias da minha vida e muitas vezes dizia que eu era bastante engraçada. Me mudei de cidade depois de fiz 19 anos pois a velha casa me trazia lembranças desagradáveis. Mamãe fora vítima de um câncer e papai acabou sendo assassinado na frente do trabalho.

Nessa nova casa eu tinha um longo pátio com grama e fiz questão de manter poucas luzes do lado de dentro. Não queria tirar o brilho dos seres mágicos de tanto me ajudaram na infância e adolescência.

Todos os dias após o trabalho eu trocava de roupa e me deitava para admirar o céu. Muitas vezes eu acabava pegando no sono e acordava com o vento gelado da madrugada. Então me levantava e ia para a cama esperar pelo próximo dia.

Mantive esse ritual por vários anos. Meus vizinhos iam e viam mas eu continuava na mesma casa. Fazendo as mesmas coisas. Algumas vezes passava o tempo focada na leitura na esperança de achar as respostas de todas as perguntas que eu tinha. Outras vezes me permitia perder um precioso tempo assistindo documentários sobre igrejas na televisão.

*****

Estava com 24 anos quando vi algo completamente fora do meu normal. Algo que não pude achar nenhuma explicação. Ninguém sabia de nada. Não se via comentários em jornais e a internet parecia evitar o assunto.

Cumpria fervorosamente meu ritual noturno quando vi aquela luz brilhante vinda do céu. Eu tinha certeza que não eram estrelas pois aquilo se movia rapidamente para várias direções. Não pude ver seu formato ou se é que tinha algum formato. Mas senti que havia perdido algumas horas da minha vida. Não lembro do que aconteceu no meio tempo. Apenas senti que mais perguntas surgiam na minha cabeça. E eu precisava arranjar uma maneira de buscar as respostas que precisava.

Annie Bitencourt
Enviado por Annie Bitencourt em 15/06/2018
Código do texto: T6365215
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