Robota

Cinco anos transcorreram desde a Grande Revolta de 2026, e as condições de vida e trabalho em Metropolis haviam melhorado consideravelmente; pelo menos, tomando-se por base o patamar anterior à Revolta, que era extremamente baixo. Graças à interferência de Freder Fredersen e sua agora esposa Maria, a Elite (ainda sob o comando de Joh Fredersen, Mestre da Cidade), resignara-se a ceder parte do seu lucro estupendo sob a forma de benefícios diretos (maior remuneração) e indiretos (assistência médica, direitos trabalhistas básicos, lazer e pensões por velhice, morte e incapacidade). Tratava-se, como ressaltou Joh Fredersen, de perder alguns anéis para não perder todos eles - ou os dedos. A Elite, contudo, não estava satisfeita com o acordo, já que jamais estivera disposta a abrir mão do que quer que fosse, e embora nenhum dos seus membros ousasse confrontar o ainda todo-poderoso Mestre da Cidade, esta insatisfação foi levada perante ele em diversas ocasiões.

- Entendemos que tenha cedido às reivindicações dos revoltosos diante do que poderia ter sido a nossa destruição certa, - declarou-lhe Melchior, um representante das grandes famílias de Metropolis - mas isto também significou uma redução considerável em nossa taxa de lucratividade. Como acionistas, que investiram seu capital na construção desta megalópole tecnológica, gostaríamos que nos indicasse quando iremos recuperar nossas perdas, inclusive do dinheiro gasto nos reparos feitos após a revolta, e nas benesses concedidas aos trabalhadores.

O Mestre da Cidade, que recebera Melchior em audiência no seu enorme gabinete no alto da Torre Fredersen, ouviu a peroração sem interrompê-la, cotovelos apoiados nos braços de sua cadeira reclinável, mãos entrelaçadas. Finalmente, espalmou as mãos sobre o tampo envidraçado da escrivaninha.

- As concessões que fizemos não tem volta, Melchior. Eu lamento - declarou Joh Fredersen.

O interlocutor lançou-lhe um olhar desolado.

- Mas você deve convir...

Fredersen fez-lhe um gesto para que se calasse.

- Meu filho, Freder, irá me suceder no comando de Metropolis. Ele fez um acordo com os trabalhadores dos níveis inferiores, sob a minha supervisão, o que significa dizer que o nome dos Fredersen, e nossa liderança, estão diretamente envolvidos neste processo. Nossa palavra não será quebrada. Dito isto...

E um sorriso sardônico surgiu em seu rosto ascético.

- Eu não passei os últimos cinco anos ocioso, como bem sabe; sei das minhas responsabilidades para com vocês, a Elite da cidade. E creio ter encontrado, finalmente, um modo de não só finalmente recuperarmos as perdas com a Revolta de 2026, mas aumentar nossa margem de lucro e a confiabilidade geral do sistema...

- Como fará isso sem romper o trato com os trabalhadores? - Questionou Melchior.

- Após a morte de Rotwang, ordenei aos meus engenheiros que simplificassem o seu processo de criação de vida artificial, para que pudéssemos reproduzi-lo em escala industrial. Nada tão sofisticado quanto Futura, a máquina que tomou o lugar de minha nora, Maria, e incitou os trabalhadores à rebelião...

- Amaldiçoada seja a memória de Rotwang - atalhou Melchior, que, como os demais membros da Elite, nada sabia sobre o verdadeiro papel de Joh Fredersen no quase desastre que se abatera sobre a cidade. Mortos não falam, e Rotwang não tivera tempo ou condições de denunciá-lo.

- Talvez venhamos a louvá-lo, no futuro - prosseguiu Fredersen, sem se abalar. - Como eu dizia, meus engenheiros finalmente decifraram o complexo processo de construção de homens mecânicos e estamos prontos para implantar a primeira fábrica... não nos níveis subterrâneos, mas na Cidade Inferior, com pessoal qualificado.

- Se entendi o que acabou de me dizer, iremos substituir os trabalhadores dos subterrâneos por... homens mecânicos? - Ponderou Melchior.

- Precisamente - acedeu Fredersen, juntando novamente as mãos e entrelaçando os dedos.

- E estes homens mecânicos serão utilizados em tarefas nas quais hoje utilizamos trabalhadores dos níveis subterrâneos...

- Exato. Perceba a beleza da coisa: as máquinas não se cansam, não ficam doentes, não pedem aumento de salário, nem precisam cuidar de crianças. Se alguma peça quebrar, é mais fácil e barato de substituir do que cuidar de um homem num hospital. Máquinas também são mais fortes, trabalham sem distrações e obedecem ordens cegamente, bastando que sejam programadas para tal.

E, abrindo os braços num gesto grandiloquente:

- Estes homens mecânicos serão a salvação de Metropolis!

- Percebo - aquiesceu Melchior, parecendo mais relaxado com a revelação inesperada. - Mas algo me confunde... como irá conciliar a construção destes homens mecânicos com o acordo que seu filho fez com os trabalhadores dos níveis subterrâneos? E, mais importante, o que fará com eles quando as máquinas estiverem prontas para substituí-los em suas atividades?

Fredersen arqueou as sobrancelhas.

- São questionamentos pertinentes... e que serão respondidos quando chegar o momento adequado. Por ora, o que desejo é que transmita aos demais membros da Elite de Metropolis a certeza de que nossos problemas com trabalhadores revoltosos estão muito próximos de serem solucionados... de modo definitivo.

- Sem dúvida; são boas falas, Mestre da Cidade.

Melchior ergueu-se e apertou a mão que Fredersen lhe estendera. A audiência estava encerrada.

[Continua]

- [31-05-2018]