Insano

[Continuação de "O mundo está mudando"]

- Para resumir uma história longa, capitão Dillon: eu o conjurei aqui para que nos ajude na solução de um problema do seu mundo, mas que também afeta ao meu povo.

Chase Dillon lançou um olhar aturdido para Noêmia Simões, sentada à sua frente. Ao lado dela, Flora Simões apenas seguia a conversa sem ouvir realmente, com a atenção inteiramente voltada para ele. Sentiu-se quase como um animal de exposição, sendo avaliado por uma potencial compradora.

- Desculpe... a senhora usou o termo "conjurar"? Como num ritual de magia ou coisa parecida? - Perguntou cautelosamente.

Noêmia Simões esboçou um sorriso.

- Um dos seus autores, Arthur C. Clarke, escreveu certa vez que a tecnologia de uma civilização suficientemente avançada seria indistinguível da magia. Então, sim; você foi conjurado num, digamos... "ritual de magia".

Chase Dillon olhou à sua volta, sem saber o que dizer. Aquela sala de sede de fazenda e todos os exemplos de tecnologia que vira até então, inclusive os automóveis obsoletos, não condiziam exatamente com a ideia de uma civilização avançada.

- "Onde estão os automóveis voadores e os projetores de hologramas", talvez esteja se perguntando - comentou placidamente Noêmia, como se houvesse lido seus pensamentos. - Não vai encontrar nada disso aqui, capitão. Já passamos dessa fase há milênios, e decidimos adotar um modo de vida que, embora seja tecnológico, é suficientemente primitivo para que nosso povo não degenere no ócio. Somos simples, mas decididamente não simplórias. Não precisamos mais de astronaves complicadas para nos deslocarmos pelo espaço, como vocês o fazem, e retirá-lo da "Vesper" foi tão simples quanto será colocá-lo lá de volta.

Dillon engoliu em seco. Parecia insano imaginar que alguém... ou uma civilização, mesmo avançada, pudesse ser capaz de fazer aquilo. E, no entanto, ele era prova viva de que podiam. "Melhor ir devagar", pensou.

- A senhora falou que estou aqui para lhe ajude na solução de um problema... do que se trata?

Noêmia juntou as mãos e pareceu concentrar-se, como que para escolher as palavras certas.

- O combustível da "Vesper"; foi precisamente por causa dele que o trouxemos aqui. A fabricação de antimatéria em seu planeta, pode levar à uma catástrofe que irá romper o próprio contínuo do espaço-tempo. As consequências são imprevisíveis, mas potencialmente catastróficas.

- Mas eu não sou um cientista... - ponderou Dillon - apenas um piloto militar. Não tenho conhecimentos para discutir esse assunto...

Noêmia pôs as mãos no colo, um leve ar de ironia lhe assomando ao rosto.

- Capitão, estou ciente de suas limitações e tampouco pretendo discutir as especificações técnicas do seu veículo espacial.

E, voltando à sobriedade anterior:

- Na verdade, este contato está sendo feito para que, ao voltar à Terra, leve consigo novas especificações que irei lhe passar. Nelas, vocês se comprometerão a não mais produzir antimatéria, exceto para fins de pesquisa científica... e, em troca, eu lhes darei um novo método de geração de energia por fusão nuclear que poderá impulsionar suas astronaves até 50% da velocidade da luz. Além, é claro de prover o seu mundo de energia barata e limpa.

Dillon ficou encarando-a em silêncio, enquanto seu cérebro processava furiosamente as informações que acabara de receber. Finalmente, se manifestou:

- Se estou entendendo a sua proposta... deseja enviar-me de volta à Terra como emissário do seu mundo?

- Creio que podemos usar esse termo - respondeu calmamente Noêmia.

* * *

Do seu quarto, no andar superior da sede da fazenda, Noêmia Simões observava pela janela enquanto sua filha levava o capitão Dillon para um giro de reconhecimento pela fazenda. Depois, sentou-se em sua cama, pegou o telefone que estava sobre o criado-mudo e discou um número. Aguardou, até que ouvisse uma voz tranquila de mulher do outro lado.

- E então, Noêmia?

- Creio que o nosso bravo capitão comprou a ideia... - riu-se ela, descalçando os sapatos e deitando-se na cama, fone colado ao ouvido. - Por sorte, ele não é cientista, ou poderia desconfiar dessa papagaiada sobre antimatéria romper o espaço-tempo...

- O que me leva a indagar: o que dirão os cientistas de verdade quando ele contar essa história ao voltar?

Noêmia abriu um imenso sorriso.

- Dirão que enlouqueceu. Isto é, até que ele mostre as nossas especificações para geração de fusão nuclear avançada. Aí, provavelmente começarão a dizer que nós somos as loucas: lhes demos informação útil a troco de nada!

A voz do outro lado deu uma risadinha.

- Não exatamente a troco de nada...

Noêmia olhou para o teto pintado de branco, onde um ventilador de três pás a encarava.

- Sempre se perde alguma coisa, não é, Rita?

- Faz parte da vida - foi a resposta que encerrou a conversa.

[Continua em "Lar é um lugar inesperado"]

- [20-04-2018]