Quem? (Perguntou ela)

Mesmo estando a bordo da astronave mais rápida desenvolvida pela humanidade, a distância atual entre ela e a Terra - cerca de 32 milhões de km - fazia com que as comunicações sofressem um progressivo retardo. Entre uma pergunta e sua resposta, transcorriam agora cerca de 4 minutos e 36 segundos de intervalo, uma verdadeira eternidade. Todavia, para o piloto e único tripulante do veículo experimental "Vesper", capitão USAF Chase Dillon, a perspectiva de efetuar o primeiro sobrevoo tripulado de Vênus e retornar à Terra em menos de 4 h, compensava o incômodo menor de não ter comunicações em tempo real. De qualquer forma, havia muito o que fazer na cabine apertada de onde ele apreciava a vertiginosa aproximação do planeta vizinho; leituras de instrumentos, pequenos ajustes de rota, e um fluxo narrativo constante, já que os médicos em Houston desejavam saber os possíveis efeitos sobre a cognição humana quando se viaja a 1% da velocidade da luz.

- Menos de 10 milhões de km para Vênus agora... - informou Chase Dillon pelo microfone do capacete do traje espacial. - Propulsão a 100%, todos os indicadores verdes.

O segundo planeta já era reconhecível, sabendo-se o ponto exato do céu para onde olhar, como um pequeno disco escuro que obliterava as estrelas por trás dele. Em mais alguns minutos, estaria contornando o lado iluminado pelo Sol, e em seguida faria a volta para retomar o curso da Terra. O sucesso daquela missão praticamente abria as portas do Sistema Solar à exploração humana, aposentando definitivamente o uso de sondas automáticas e robôs, até então empregados pela longa duração dos deslocamentos entre os planetas. Missões interestelares ainda permaneciam como um objetivo a ser alcançado, visto que mesmo naquela velocidade alucinante, seriam necessários mais de 4 séculos para atingir a estrela mais próxima, a anã vermelha Proxima Centauri. "Um passo de cada vez", pensou. "Afinal, os primeiros navegantes levavam semanas para atravessar o Atlântico, e séculos depois, podia-se fazer o mesmo percurso em menos de 6 h".

Uma lâmpada amarela piscando no painel à sua esquerda chamou a sua atenção.

- Atenção, Houston... uma possível anomalia gravitacional foi detectada. Estou ainda muito longe de Vênus para atribuir isto à sua influência... talvez seja um asteroide ou detritos de cometa. Computando a órbita...

Os radares de longa distância tinham que ser suficientemente sensíveis para detectar qualquer objeto no curso da nave, antes que um impacto se tornasse inevitável. Naquela velocidade, mesmo um fragmento de rocha poderia causar um estrago colossal se atingisse a "Vesper". Estranhamente, não houve qualquer mudança de rota.

- Houston, parece que temos um mau funcionamento nos sensores... ou então, há mesmo algo lá na frente e só posso torcer para que seja macio!

As estrelas à sua frente tremeluziram, como se uma lâmina de água houvesse sido interposta entre seus olhos e elas. E então, sem qualquer transição ou aviso, tudo ficou escuro à sua volta.

* * *

Acordou com o vento batendo em seu rosto. Abriu os olhos, assustado, e quase entrou em pânico ao perceber que estava caindo em queda livre sobre um prado verdejante. Ao tocar a lateral do uniforme, contudo, encontrou a cordinha que disparava o paraquedas. Não podia imaginar como fora parar naquela situação, mas se não estava sonhando, era bom que o paraquedas fosse real.

Era. Sentiu-se imediatamente puxado para cima quando o dispositivo foi acionado. Agora, suspenso no ar, pôde dar atenção ao local que sobrevoava. Inegavelmente, devia ser a Terra, embora pouco antes de perder a consciência estivesse muito próximo de Vênus. O céu estava azul, com poucas nuvens, sol descambando para o poente, e abaixo dele, campos verdes, alguns bosques, lavouras, casas isoladas que lembravam sedes de fazenda ou sítios, estradas de terra, um rio de águas turvas vindo de uma cadeia distante de montanhas, picos coroados de neve. Procurou ajustar os controles do paraquedas para descer o mais próximo possível de uma das estradas, onde vira um automóvel passar a pouco. Tentaria chegar a um telefone e desvendar o mistério de sua aparição ali...

Ali... onde?

Não sabia. A paisagem lembrava o interior da Europa, ou talvez mesmo dos Estados Unidos, embora não houvesse qualquer estrada asfaltada ou torre de transmissão de energia visível. Mas, sem dúvida alguma, havia veículos motorizados em circulação, tratores em algumas das plantações e até mesmo silos e cata-ventos como sinais de tecnologia presente.

Abaixo dele, uma estrada passando ao largo de lavouras e de uma propriedade isolada. Uma camionete azul, de caçamba aberta, trafegava por ali, levantando uma nuvem de pó. Finalmente, parou mais à frente e alguém desceu pelo lado do motorista, acenando para ele. A mão não era inglesa, determinou. Já que havia sido visto, só lhe restava verificar quem era o seu comitê de recepção.

Não precisou esperar muito. Instantes depois, tocava o solo de pé, numa manobra perfeita, num campo ao lado da estrada onde algumas vacas malhadas o encararam com tranquila curiosidade. Soltou o paraquedas e só então encaminhou-se para o local onde a camionete havia estacionado.

A motorista era uma mulher atraente, de não mais de 40 anos, batom vermelho, vestido branco estampado com flores vermelhas, cinto vermelho, um lenço branco prendendo os cabelos castanhos e óculos de sol estilo "gatinho". Parecia ter acabado de sair de uma ilustração de moda de meados dos anos 1950, embora a camionete fosse bem mais recente (embora desgastada pelo uso): uma Ford Ranchero GT, provavelmente do início dos anos 1970. Ela aproximou-se de Chase Dillon e estendeu a mão direita:

- Capitão Dillon? Eu sou Noêmia Simões - disse, num inglês perfeito, embora com um sotaque que ele não soube determinar.

- Perdão... como sabe meu nome? E que lugar é esse?

- Seu nome está escrito no bolso do seu uniforme - apontou ela. - E imagino que queira usar um telefone...

- Sim, verdade... mas afinal, onde estou? E não me lembro como vim parar aqui! - Retrucou Dillon, aturdido.

- Capitão, você está confuso... é natural, acabou de fazer um salto de paraquedas. Venha comigo. Vou levá-lo até minha casa!

E sem esperar por resposta, puxou-o pelo braço. Dillon achou que era melhor não oferecer resistência. Afinal, se tivesse acesso a um telefone, poderia resolver aquela situação rapidamente.

Noêmia entrou na camionete pela porta aberta do lado do motorista e abriu a porta do carona. O capitão preparava-se para entrar, quando algo no céu chamou a sua atenção. Ver a lua em quarto crescente, mesmo durante o dia, não era exatamente uma novidade.

O problema é que, junto ao poente, havia um segundo quarto crescente, menor. Dillon engoliu em seco.

- Marte... este lugar é Marte?

- Quem? - Perguntou ela, intrigada. E, em seguida, parecendo ter entendido o que ele queria dizer, acrescentou:

- Deusas! É claro que não, capitão Dillon!

E, sem mais delongas, puxou-o para dentro do veículo e deu a partida.

- [12-04-2018]