Redação de férias
[Atualmente]
- Policial: Senhora, fique calma! Eu não estou conseguindo entender... Me conte exatamente como isso aconteceu.
- Andreia: Era uma terça feira normal, 1º de agosto de 2017, eu estava dando aula para a turma da 3ª série, como sempre faço, perguntei como foram suas férias, o que haviam feito, e muitos começaram a falar ao mesmo tempo, tudo enrolado, então sugeri que escrevessem sobre isso, pra pararem com aquela bagunça e direcionarem aquela energia pra algo útil...
[1º de agosto de 2017]
- Andreia: não to entendendo nada pessoal! (risos) um de cada vez! Na verdade, eu quero que organizem essas ideias, e escrevam tudo que foi mais interessante, quando terminarem, vocês vão ler aqui na frente pra turma ouvir, porque com essa bagunça ninguém entende nada (risos), quem será que teve as férias mais legais?
Andreia entrega uma folha para cada aluno e enquanto eles escrevem, ela conversa por mensagem de texto com o namorado, pausando uma hora ou outra para tirar a duvida de algum aluno. Após algum tempo, todos terminam e Andreia organiza a ordem de apresentação, de acordo com as fileiras em que as crianças estavam sentadas.
As primeiras crianças contam historias sobre viagens, animais, comidas, aventuras, algumas invenções óbvias e nada de muito interessante, por isso, Andreia que se sentou no fundo da sala para observar as apresentações, só fingia ouvir, enquanto enviava mensagens de texto e ouvia sem interesse a reação da turma, com risos e chacotas, pontuando apenas afirmações gerais ao término e finalizando com “próximo”.
Durante a apresentação de um menino, Andreia que estava distraída, se espanta ao ver a reação da turma, todos ficaram tensos e apreensivos, contudo ela pega a história pela metade.
- Nicolas: ... ai os vizinhos se esconderam, não tentaram apagar o fogo, assim como os outros vizinhos, mas na outra casa a menina ficou na porta gritando com eles, eles fizeram a mesma coisa com a lata, amarraram na coluna de madeira e queimaram, a menina jogava água de dentro para apagar o fogo, e eles começaram a atirar facas dentro da casa, pra machucar ela e a família dela, ela pegou uma faca e furou um deles, mas eles continuaram jogando nela e o teto da casa começou a pegar fogo e elas correram para dentro, já tava cheio de fumaça, e os caras que fizeram isso continuavam la fora rindo, eu acho que elas morreram queimadas dentro da minha casa, queimando meus moveis, mas ainda bem que minha família não estava lá...
Andreia interrompe a apresentação do menino, para acalmar as outras crianças.
- Andreia: Nicolas, eu acho que já tá bom! Que assustadora sua história hein! Você é muito criativo...
O sinal do recreio então tocou, as crianças entregaram as redações e saíram correndo para fora da sala, Nicolas, por ter sido o último ainda pegava seu lanche na bolsa e Andreia foi até ele.
- Andreia: Nicolas, porque você não fez como as outras crianças? Porque não falou das suas férias mesmo? Não era pra inventar.
- Nicolas: mas eu não inventei tia! Eu vi tudo mesmo!
- Andreia: como assim viu tudo? Onde? Isso aconteceu na sua casa nas férias?
- Nicolas: mais ou menos, não era minha família, mas era na minha casa, tava no vídeo que o Lucas achou, ele me mostrou.
- Andreia: seu irmão achou um vídeo com pessoas morrendo queimadas na sua casa?
- Nicolas: uhum! Posso ir agora?
- Andreia: ah... Claro, pode ir.
Andreia estava atordoada com a história, era muito pesada para ter sido inventada pelo menino, ela foi então até sua mesa, pegou a redação e leu na integra, como havia perdido o começo da narração, descobriu agora que se tratava de cerca de 8 pessoas, que chegavam em um determinado bairro e iniciavam incêndios nas casas e atacavam as pessoas que revidavam, enquanto filmavam seus atos. Andreia fotografou a redação e enviou para o namorado, perguntando o que ele achava daquilo, e enquanto esperava a resposta, foi falar com Lucas, o irmão mais velho de Nicolas, para descobrir mais sobro esse evento.
- Andreia: Oi, você é o Lucas né? Irmão do Nicolas?
- Lucas: sou.
- Andreia: eu sou a professora dele, e... Bem... Ele contou hoje pra turma uma história muito... Estranha, sobre as férias dele, e quando eu perguntei pra ele porque ele havia escrito isso, ele disse que você mostrou algum vídeo pra ele...
- Lucas: Ah foi... Verdade.
- Andreia: O que? Me conta! Eu quero saber mais sobre isso, que vídeo foi esse? Ele ficou muito impressionado!
- Lucas: eu não sei dizer bem o que era... Mas era na nossa casa, só que com pessoas estranhas, que eu nunca vi.
- Andreia: e o que acontecia?
- Lucas: elas morriam, queimadas!
- Andreia: porque você mostrou isso pra ele?
- Lucas: você não entendeu o que eu disse? Era nossa casa! Eu tinha que mostrar pra alguém.
- Andreia: e como você achou esse vídeo?
- Lucas: em um pendrive, tava jogado na rua e eu peguei porque achei que podiam ter perdido só, e que eu tinha dado sorte, ficou jogado no meu quarto por dias, até que fui ver o que era, e encontrei os vídeos.
- Andreia: “os vídeos”? E tem mais?
- Lucas: tem vários! Eu só mostrei esse porque era nossa casa.
- Andreia: e você ainda tem esse pendrive?
- Lucas: tenho, (mexe no bolso) é esse aqui... Eu ia mostrar pros meus amigos.
- Andreia: posso dar uma olhada nele?
- Lucas: pode, mas eu quero de volta.
- Andreia: depende do que tiver aqui, né menino!
- Lucas: (expiração de chateação) então a senhora nunca vai me devolver!
Ao fim daquele expediente, Andreia foi para casa, onde seu namorado a aguardava, conversaram sobre seu dia, inclusive sobre a estranha situação.
- Rafael: eu li a história, e acho que esse menino é criativo só isso (risos), as crianças inventam coisas
- Andreia: não, não, não! Eu falei com o irmão dele, é tudo real, ele me deu isso (mostra o pendrive).
- Rafael: aaaah, agora sim! Já viu o que tem?
- Andreia: não! Eu esperei pra ver com você!
- Rafael: vamos ver então!
Rafael estava muito ansioso para ver o que havia no pendrive, e Andreia estava curiosa, mas também assustada, os dois então correram para o quarto, ligaram o notebook e começaram a mexer... Haviam muitas pastas, denominadas como “bairros”, “aleatório”, “individual”, “animais” e muito outros. Começaram a ver em “bairros” e após vários vídeos, encontraram o que Nicolas assistiu, o casal se acotovelou na frente da tela, para ver o máximo possível, e era muito pior do que pensavam. Um deles filmava de trás, enquanto os outros ateavam fogo ou atiravam facas, cacos de vidro, puxavam as pessoas pela grade e as perfuravam com facas e riam! Era doentio!
Não havia ninguém nas ruas para ajudar, e o mais estranho era que o clima parecia frio, a imagem era meio azulada, mas não era uma filmagem ruim, antiga, pelo contrário, era muito nítida, provavelmente usaram uma câmera muito boa, mas os ângulos e a tremedeira mostravam que era uma filmagem bem amadora, Andreia não conseguiu assistir mais e foi dormir.
Na manhã seguinte, Rafael estava sentado na cama, olhando para Andreia, com olheiras pesadas, provavelmente não dormiu, então ela acordou e se assustou com ele encarando-a.
- Andreia: que isso? Que que cê ta fazendo?
- Rafael: amor, você não vai acreditar, eu assisti todos os vídeos...
- Andreia: porque você fez isso? Aquilo é loucura!
- Rafael: você não sabe o pior, encontrei a nossa casa! E é exatamente como o menino disse, eram pessoas desconhecidas, mas era a nossa casa, você não vai acreditar em como eles morreram aqui...
- Andreia: não... Não me diga então!
- Rafael: e tem mais, o menino não escreveu isso, mas eles dizem no meio da filmagem, quando estão lançando as facas e ta tudo cheio de fumaça, eles dizem assim “Se não nos veem, não existimos, seu medo nos dá força, nos torna reais”.
- Andreia: (sem entender) e dai?
- Rafael: como assim é dai? E se falaram isso, não pras pessoas que estavam lá, que iam morrer, mas pra quem fosse assistir?
- Andreia: como se o objetivo fosse esse, que nós víssemos?
- Rafael: eu printei os rostos das pessoas da nossa casa e da casa do menino! Olha aqui (mostra as fotos), eu não conheço essas pessoas, nunca vi, certamente nunca entraram aqui, mas olha só... É a nossa TV, nosso sofá, nossa cama, e presta atenção aqui... Meu quadro que eu comprei na nossa viagem, olha aqui, a casa verde com a árvore torta... (suspiro de surpresa)
- Andreia: como assim? É tudo nosso! Menos as nossas fotos, reparou? No lugar das nossas fotos, tem as fotos deles... Como? Não acredito nisso... Mostra aqui as fotos da casa do menino... (pega e observa), aqui tem rostos de vizinhos, da pra ir la e perguntar, se conhecem alguém, né? Porque isso tem que ter alguma explicação.
- Rafael: eu posso ir com você.
- Andreia: ta! Vou ligar pro trabalho e dizer que estou doente hoje e vou ver se consigo o endereço do Nicolas com uma colega da secretaria.
Andreia consegue o endereço e junto com Rafael vai até a casa de Nicolas, para mostrar as fotos para a mãe dele e ver se ela reconhece aquelas pessoas.
- Ana: pois não?
- Andreia: bom dia senhora, é... Eu sei que pode parecer meio estranho, mas, eu sou Andreia Calisto, sou a professora do Nicolas...
- Ana: ah sim, claro, vocês querem entrar?
- Andreia: sim, por favor.
- Ana: podem sentar ai, querem beber alguma coisa?
- Andreia: não, eu queria falar sobre uma situação que ocorreu na escola...
- Ana: o que foi que o Nicolas aprontou?
- Andreia: não, ele é um ótimo aluno, eu... Na verdade, pode soar bem incomum o que eu vou dizer, mas... Seu filho, relatou que viu um vídeo nas férias, onde pessoas na sua casa... Morriam queimadas...
- Ana: (assustada) o que? Não! Meu filho não gosta dessas coisas, ele tem medo de filmes de terror... Ele não assiste nem “coragem, o cão covarde”...
- Rafael: mas ai que está senhora, isso não é um filme! São imagens reais, de pessoas que morreram aqui, na sua casa, seu filho Lucas disse que encontrou um pendrive com esses vídeos e acabou mostrando pro Nicolas.
- Ana: o Lucas achou mesmo um aparelhinho, mas eu não vi o que tinha dentro, ele encontrou essas coisas horríveis lá dentro?
- Andreia: sim!
- Ana: mas, até onde eu sei, ninguém morreu queimado aqui nessa casa, meus pais compraram o terreno e construiram, e antes disso era... Só um terreno, não tem histórico desse tipo de morte aqui ou mesmo no bairro até onde eu sei (angustiada).
- Rafael: é dona Ana, eu sei, eu dei uma pesquisada, e também não encontrei nada, mas eu tirei umas fotos do vídeo, onde aparecem algumas pessoas, queria que você desse uma olhada e veja se reconhece alguém, porque nos estamos procurando alguma explicação... Não tem nada de ruim acontecendo nas imagens, não se preocupe.
Ana olha as imagens atentamente e não reconhece uma só pessoa, contudo reconhece todo o bairro e sua casa.
- Ana: gente isso, é absurdo! Quem são essas pessoas! Isso é recente, os postes de energia, tem asfalto, até a minha parede está pintada, eu mandei pintar há 3 meses, como isso é possível? Essas pessoas nunca entraram aqui, essas pessoas nas outras casas, não são meus vizinhos.
- Rafael: durante o vídeo, alguns nomes são pronunciados, como “Denis”, “Marina”, “Paula”, “julia”, algum desses nomes é de um vizinho?
- Ana: não! Acho que não ouvi esses nomes por aqui, e com certeza nunca vi essas pessoas! Porque isso está acontecendo com a gente?
- Andreia: não é só com vocês! Encontramos nossa casa também, do mesmo jeito.
- Ana: eu sinto muito não poder ajudar mais!
- Andreia: tudo bem! Obrigada pela atenção, se possível, não diga que estivemos aqui, só ia confundir mais a cabeça dos meninos.
- Ana: claro, com certeza!
Andreia e Rafael voltam pra casa frustrados e sem nenhuma resposta.
- Andreia: tá isso foi inútil! Não vamos descobrir nada!
- Rafael: é como se houvesse um serial killer, só que em outra versão da nossa realidade, mas que é real é.
- Andreia: temos que levar pra policia.
- Rafael: eles não vão acreditar amor! Vão dizer que somos doidos!
- Andreia: e talvez sejamos mesmo, mas eu não tenho ideia melhor, mas de qualquer forma se são serial killers, é coisa da policia, não é mais com a gente! Você vai comigo?
- Rafael: eu acho que é um erro, mas ok.
[Atualmente]
- Andreia: e foi assim, não descobrimos nada, só ficamos cheios de duvidas e assustados porque, isso é real, é fato! As imagens então ai na sua frente, é só olhar!
A policial assiste aos vídeos enquanto Andreia termina de falar.
- Rafael: eles nem se preocuparam em esconder o rosto, da pra encontrar eles pelo rosto, não é?
- Policial: aguardem um minuto aqui.
A policial sai, entra em outra sala e passa algum tempo lá, enquanto Andreia e Rafael se enchem de esperança de que agora haveria uma investigação adequada, e que tudo aquilo seria esclarecido, a policial retorna com um homem engravatado, que afirma já ter visto vídeos semelhantes e que aquilo não passava de jovens fazendo um found footage, que estava muito na moda, que eles tendem a usar imagens colatadas nas redes sociais de casas e bairros, para tornar aquilo mais real, mas que na verdade não passava de uma brincadeira idiota, que o casal não deveria mais se preocupar, pois tudo ficaria bem, que não havia assassinos em série filmando mortes por ai.
Após a saída de Andreia e Rafael o engravatado, vai até a sala de outro investigador, munido do pendrive e comentam sobre o caso.
- Engravatado: mais um.
- Investigador: é o segundo em três meses, estão ficando muito espertos, não é coincidência estarem encontrando essas coisas.
- Engravatado: eles sabem que existimos, querem que saibamos que existem também.
- Investigador: então enviando essas mensagens pra disseminar o medo, temos que impedir o máximo possível que isso se espalhe! Talvez o medo seja proporcional a força deles.
- Engravatado: se as mensagens conseguem atravessar, um dia eles vão conseguir também! É só questão de tempo.
- Investigador: (preocupado) ou de força... Destrua isso assim como outros, ninguém mais deve ver isso!
O casal chega em casa muito chateado, por terem sido desacreditados completamente e mais ainda por terem entregado um material tão convincente, com tamanha qualidade e nitidez e não ter sido suficiente para receber a atenção devida. Algumas horas, após uma longa conversa, tomam uma decisão.
- Andreia: eles não podem fazer isso, olhar na nossa cara e dizer que o que estamos vendo na nossa frente não é real, não são eles que vão decidir isso!
- Rafael: se fizer isso, não tem mais volta! Sabe disso né?
- Andreia: eu sei! As pessoas vão ver suas ruas, suas casas e vão poder decidir o que fazer com essa informação.
- Rafael: tem certeza?
- Andreia: sim!
Andreia, que já havia feito uma cópia dos vídeos, os joga na rede e no dia seguinte há centenas de comentários de pessoas que reconheceram suas casas e seus bairros, mas não as pessoas que estavam lá, o medo, desespero e confusão se espalham, uns desmentem, outros acreditam e muitos criam suas teorias, mas um comentário anônimo chama atenção de Andreia e Rafael, nele dizia “obrigado, agora somos reais”.