Eu mereço isso?

O problema em pegar carona nas naves do Corpo de Monitores, haviam dito ao jovem analista Wilmer Hasselblad, é que tinham suas idiossincrasias, e o carona tinha que se adaptar à elas se quisesse chegar rapidamente ao seu destino. A outra alternativa seria pegar um transporte comercial para o planeta desejado - o que nem sempre era possível sem escalas. E assim, Hasselblad havia aceito embarcar como passageiro à bordo de uma astronave de Monitores havorianos, criaturas cilíndricas de cerca de três metros de altura, dotadas de três conjuntos de seis tentáculos cada, que circundavam seu corpo e serviam simultaneamente como órgãos de locomoção e manipulação. Visto que os havorianos respiravam uma mistura de nitrogênio e metano à cerca de -150 °C, Hasselblad teve que se submeter a circular pelo interior da nave em traje espacial. Apenas seu camarote havia sido pressurizado nas condições ambientais da Terra, e pouco antes de decolarem, foi informado de que teria que dividi-lo com outro passageiro.

- É outro respirador de oxigênio, igual a você - resumiu o capitão havoriano, com a secura habitual da espécie.

Nem adiantaria perguntar se o seu companheiro de viagem era humano, visto que todas as espécies inteligentes da Galáxia eram consideradas como tal. O simples fato de ambos poderem ser acomodados juntos, bastava para os havorianos. Inútil esperar conforto num cruzador dos Monitores, já que os mesmos costumavam ser usados basicamente para missões de patrulha e resgate.

A identidade do outro carona foi revelada pouco depois da partida: um zymork emergiu da câmara de descompressão que ligava o camarote ao restante da nave. Lembrava um camelo de seis patas e três corcovas, coberto de pelo alaranjado. Uma tromba pendendo do focinho, servia de órgão de manipulação.

- Olá! Você deve ser o terrestre, Hasselblad - Saudou-o o zymork através do Tradutor Universal que trazia pendurado no pescoço curvo, tocando em seu peito com a ponta da tromba.

- Sim, sou Hasselblad... e você é?

- Uthun, o zymork. Fico feliz por podermos compartilhar este espaço aquecido, nesta nave que parece uma geleira de metano!

- A satisfação também é minha. Onde pretende dormir? A sua espécie dorme em camas?

- Camas? Ah, entendo... vocês bípedes precisam se estender para descansar. Não, nós zymorks dormimos em pé. Um hemisfério do nosso cérebro está sempre desperto, já que nossos antepassados precisavam estar prontos para correr em caso de perigo. Nunca nos desligamos inteiramente...

- Bom, então eu fico com o beliche de cima... - ponderou Hasselblad. - Posso apagar a luz agora?

- Apagar a luz? Por que faria isso? - Indagou Uthun intrigado.

- A minha espécie costuma dormir na escuridão - explicou Hasselblad.

- Que exótico! - Admirou-se o zymork. - Quantos sóis tem o seu planeta?

- Bem... apenas um.

- Puxa, que coisa horrível... no meu planeta, temos três sóis. Esse momento de escuridão de que fala, nós só o experimentamos a cada 1000 anos-padrão. Infelizmente, isso também desencadeia um desequilíbrio entre as funções dos nossos hemisférios cerebrais...

- Desequilíbrio? - Perguntou cautelosamente Hasselblad.

- Nós ficamos violentos - declarou alegremente Uthun.

Pelo restante da viagem, Hasselblad dormiu de luz acesa. Por sorte, havia se lembrado de levar uma máscara de dormir...

- [26-03-2018]