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Brasil 2063
Que estranho era aquilo. O Sistema – que antes era chamado de governo – apressava as pessoas para se aposentarem. Não havia quase emprego, os robôs faziam tudo. Era uma pressão enorme. Havia uma grande necessidade de que as pessoas fossem afastadas de suas funções. Elas mais atrapalhavam do que ajudavam. O único motivo pelo qual ainda havia ocupações era porque o tédio era uma coisa séria e o trabalho, mesmo que inútil – ajudava as pessoas a não enlouquecerem.
Isidoro tinha usado todos os recursos para evitar a aposentadoria, mas agora não havia mais jeito. Lá estava ele diante daquela enorme tela côncava conversando com o PREVINTER para iniciar o processo. Tudo tinha de ser online, não havia mais pessoas atendendo em lugar nenhum, em função nenhuma, jamais.
A voz feminina do PREVINTER repetiu a ordem: o Isidoro tinha de repetir seu número de identificação para começar o processo. Uma coisa ridícula, exclamou o Isidoro, uma vez que aquela tela maldita já o tinha identificado, seu número já estava na nela, e já tinha vinculado sua imagem com seu número. A moça da PREVINTER explicou mais uma vez para o Isidoro, com falsa paciência, que era um problema de autenticação. Autenticação era fundamental, sem ela nada poderia ser feito.
Muito irritado, ele repetiu o longo número. Aí então ela disse que havia um problema de erro no processo. Havia outro Isidoro com o mesmo número. Desta vez foi a vez dele se irritar. Só que ele não procurou esconder o ódio. Eu nem quero me aposentar, disse ele, e agora você diz que há um problema?
A atendente pediu uns minutos para resolver o conflito virtual.
Enquanto ele esperava, deu um comando de voz e a tela enorme foi ocupada por seu programa favorito. Uma guerra simulada entre as bases de Marte contra as bases da Terra. Um combate bruto estúpido, mas o público gostava.
Mal o Isidoro havia imergido naquele fantástico entretenimento, veio aquele som típico de chamada do Sistema e sua “ficha” estava de novo na tela.
-Problema resolvido. Duplicata inexistente.
Isidoro pensou consigo mesmo, que idiota, eu já sabia disso. A partir daí ela tentou ser mais coloquial ou agradável e continuou:
-Vamos agora à sua aceitação da aposentadoria, bem como de tudo que ela implica. O sistema se compromete a cuidar por completo de sua subsistência, de sua saúde e de tudo que seja necessário para seu bem-estar. Senhor Isidoro, o senhor concorda em se aposentar?
Mal-humorado, Isidoro contesta:
-Tem outro jeito?
A moça do sistema retruca:
-Isso não se constitui numa aceitação. Basta o senhor dizer sim.
Com muito sarcasmo, Isidoro solta um quase inaudível ”sim”.
A voz confirmou a aceitação do usuário dizendo que estava iniciando o processo de aposentadoria. Seriam apenas alguns segundos e pronto!
Isidoro não quis saber dos “segundos” e imediatamente voltou para seu programa preferido. Não deu tempo nem de ver a primeira cena e já estava lá a moça do Sistema com algum problema novamente.
-A autenticação falhou. Estamos levantando qual é a falha e votaremos em 30 minutos. Isidoro murmurou qualquer coisa “graças a Deus, não precisa voltar nunca”. O sistema captou a fala e registrou que aquele tipo de comentário não ajudava na pontuação pessoal do solicitante, mas a essa altura ele já estava completamente imerso na luta entre o planeta Marte e a Terra.
Enquanto assistia, Isidoro chegou a sonhar com a ideia de que o Sistema não pudesse aposentá-lo, mas sabia que aquilo era impossível.
Nem 20 minutos haviam passado quando a “moça” do Sistema voltou:
-Algo inusitado havia acontecido e  não era possível processar a aposentadoria naquele momento. Era um fenômeno chamado “HR paradox”. Era um caso raro e poderia demorar dias, coisa muito rara nessa época.
-Que ótimo, posso voltar a meu trabalho amanhã cedo!
 E acrescentou um mais que irônico “Obrigado, Senhorita Sistema!
-O senhor não entendeu. Não é possível voltar, o senhor já foi desligado da rede de trabalho. Alguém já está n sua posição.
Isidoro proferiu um palavrão e desta vez ganhou 3 pontos negativos na avaliação do Sistema. Ele, ignorando a advertência do mesmo, continuou furioso:
-Tenho apenas 123 anos e vocês querem me aposentar e nem isso conseguem fazer direito! O que sou, então? Não sou ativo e nem sou aposentado, que tipo de sistema é esse?
A moça, com muita calma, respondeu:
-O senhor, agora é um “HR paradox ativo”. Fica em casa, mas não é aposentado. Mas, como disse, em alguns dias tudo será resolvido.
Isidoro soltou mais um palavrão e ganhou mais 3 pontos negativos.
Era o ano de 2063 e aquela era a estrutura previdenciária do Brasil da época. Tudo havia mudado e nada havia mudado.
 
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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 19/03/2018
Reeditado em 04/04/2018
Código do texto: T6284693
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