Uma ida ao mecânico

Ele planejava um dia curto. Mais um dia. A mesma caminhada rotineira em direção às tarefas e ao lustroso e confortável esquecimento de si mesmo, sob a erma senda de uma consciência que beira a calvice prematura. A nutricionista receita dois cigarros no café da manhã, três no almoço. (Trata-se de uma espécie de nutrição alternativa.) Dessa vez, foram três no café, dois no almoço. E num simples acender daquele cigarro extra, ele percebeu. Saíra da rotina pela primeira vez em trinta anos. Há trinta anos fumando o mesmo filtro, a mesma marca, com a mesma cor de isqueiro, frequentando os mesmos lugares que, com o tempo, tornaram-se parte do seu corpo. Uma simples mudança de rotina o faria enlouquecer? Parece que seu estômago frágil não lidaria bem com tal pedida. E Francisco – esse poderia ser seu nome – notou que havia ali uma falha na sua programação. Instantaneamente, imerso num profundo desespero, correu ao mecânico a fim de consertar o desgaste nos fios do seu meio-cérebro. “É impossível”, declarou o mecânico. Francisco não hesitou. Apesar de vestir calça bege, jogou-se de joelhos no chão engraxado, implorando por piedade. Sabia que aquela falha o levaria a assinar seu próprio atestado de óbito. E não eram poucos os homens que frequentavam nutricionistas, mecânicos e moldavam suas vidas a partir daquilo que lhes era passado de geração em geração, de canal em canal, de livro em livro. Finalmente uma sociedade ascendeu em direção à prosperidade material. A paz deixara de ser um mero conceito. Foi tão somente necessário submeter os homens à tecnologia desenfreada, e eis o homem perfeito: aquele que, através de um cérebro robotizado, obedece e vive bem. Até o cérebro humano ceder.