Projeto Cidade Transversal - A Bibliotecária
- Desculpa, o que? – Perguntou ela enquanto parecia procurar por algum livro na gigantesca estante que estava a sua frente. – Por que você perguntou isso?
Um homem com um uniforme em preto e vermelho parecia impaciente. Ele fungou e passou a sua mão esquerda no rosto. Por um ou dois segundos coçou o seu queixo e, finalmente, respondeu à pergunta de sua pergunta.
- E eu preciso explicar?
- Muitas pessoas passam por aqui com milhares de perguntas, muitas delas não são completamente respondidas porque não precisam de tanto, outros não vem com nada e são prontamente respondidos. – Seus dedos corriam por uma fileira da estante a sua frente. Alguns livros estavam numa língua que ela nunca tinha visto na sua vida, outros estavam em Língua Comum, aquela que parecia ser escrita e falada naquele lugar e alguns poucos em sua língua mãe, o que era mais fácil de entender por parte dela. – Parece não ser um conceito fácil, eu sei, mas desde quando a vida é fácil.
“Pelos Profetas. ”, pensou o homem e enfezado sentou-se numa cadeira próxima onde a moça estava.
- Já ia lhe dizer que seria melhor mesmo se sentar. – E abriu um meio sorriso de volta para o homem. – As pessoas, às vezes, tentam apressar o passo e obter aquilo antes que o tempo realmente se importe com ela e o resultado sempre é o mais desastroso possível. – Retirou um livro da fileira, este em Língua Comum, e abriu-o no mesmo momento.
As luzes ao redor piscaram, uma suave brisa preencheu a sala onde eles estavam e a luz de fora parecia ter sido apagada por alguma força desconhecida. Ela fechou o livro no mesmo instante. – Definitivamente não é este livro. – Colocando-o de volta no lugar. – Talvez. – E continuou procurando.
- Olhe, eu só quero uma resposta, simples assim, será que posso conseguir algo do tipo aqui? – Ele percebeu que perto dele havia algumas colunas de livros que, vez ou outra, desapareciam e as lacunas das estantes próximas eram preenchidas, talvez pelos mesmos livros que estavam ali?
- Claro... – Ela fez uma pausa brincalhona e riu-se por alguns segundos. – Que não. A Cidade Transversal ou quem vive nela nunca tem todas as respostas ou as tem completamente. Acho que... – E o livro que ela segurava agora estava em vorash. Ela retirou do bolso um pequeno dispositivo inteligente e passou a lente do mesmo sobre o texto do livro que fora traduzido instantaneamente. “Retirando-se da Equação, fórmulas produtivas sobre o nada. ” Era o título do livro. “Ainda não. ”, pensou ela.
- E por que isso?
- E temos mais uma pergunta onde, provavelmente, não teremos uma resposta. – Disse ela com mais um sorriso. – Olhe, eu bem que gostaria de dar aquilo que você mais anseia no momento, mas se você sequer sabe o que quer, não posso providenciar isso.
- Como assim eu não sei? Estou te perguntando isso a mais de uma hora e...
- Obteve alguma resposta?
- Não. – Retorquiu ele.
- Então é porquê não é a pergunta correta para aquilo que você realmente precisa. A Cidade Transversal não é isso. Nunca foi sobre a sua necessidade superficial, mas sobre aquilo que, em seu âmago, você mais anseia. Ela existiu, existe e sempre existirá fora do tempo e no espaço para ser um local onde parte das respostas somente são respondidas de acordo com o caminhar e não por aqueles que servem de paradas para sentir as respostas. E pela sua face, creio que você está perdido.
- Claro! Estou numa gigantesca biblioteca. Um prédio com mais de dois quilômetros de altura, dez de extensão e um quão sem número de salas desconhecidas procurando por um livro que eu não sei um título num local que as pessoas que eu já vi até agora vão desde humanos passando por Lagartos gigantes, ciclopes, minotaures e, até mesmo, seres do Éter! Prédios que parecem ser da minha vizinhança, da Cidade de Nova São Paulo na Lua, outros são gigantescos castelos destruídos a séculos em Marte! Quartos que se parecem com os isocubos presentes em Isla Muerte na Terra e outros que parecem ter saído de Valhalla! O que eu posso entender sobre um lugar como esse?
Ela parou. Parecia que havia achado o livro que estava realmente procurando. O mesmo pulsava ao toque, mas tinha uma textura que misturava metal e carne. Em partes não iguais do mesmo havia um breve fulgor verde e azulado, como se alguma tecnologia desse algum tipo de vida ao objeto.
Ao abrir o livro, nada. Não havia nada escrito nele, mas ela sabia que era aquele objeto precisado naquele momento. Ela tentou jogou o mesmo na direção do homem que se levantou rapidamente e o pegou. O livro era extremamente pesado o seu tamanho minúsculo, um pouco maior que um velho tablete de sete polegadas, pegando-o de surpresa.
- Às vezes as coisas pequenas podem ser surpreendentes. – Disse ela. – Veja, por exemplo, este livro. Como algo tão minúsculo pode ser tão pesado, não é? Mas aí é que está. Nem tudo precisa fazer real sentido na vida ou neste lugar. Creio que, antes de chegar aqui, você se deparou com a estátua do Beijo Eterno não? – Ele meneou a cabeça positivamente. – Se eu lhe disser que aquela estátua existe a dois mil anos, você aceitaria esta data, este tempo? Provavelmente sim, mas se eu lhe disser que aquilo dali, aquela estátua, na verdade, aconteceu ontem?
- Aconteceu ontem? – Perguntou o homem sem entender o que aquilo queria dizer.
- Entender o conceito do tempo consciente que existe na Cidade Transversal é entender a própria Cidade. O que vivenciamos agora pode ter acontecido há várias horas, anos, décadas, séculos ou segundos para alguns. Nós vivemos em bolhas de consciências temporais, onde cada pessoa, cada transeunte, cada habitante influência a consciência de um outro, a percepção de realidade, a concepção do tempo. Para aqueles que são a estátua, o beijo, aconteceu ‘ontem’ e digo isto porque eu vi acontecer na minha bolha de consciência antes de me encontrar com você, eu estava ali, como testemunha viva de um evento que perdura por mais de dois mil anos agora para a grande maioria dos moradores da cidade. Aquilo faz parte da história viva da cidade.
- Então...
- Sim, os livros que estavam sobre a mesa, que sumiram e voltaram para a estante não é magia e nem tecnologia, é o conceito do tempo consciente em sua forma mais sublime. Algo ou alguém recolheu o livro e o colocou naquele lugar para outra pessoa ou evento pudesse usar ou simplesmente porque o mesmo precisava estar ali para influenciar outra linha de tempo consciente. E são estas bolhas temporais, deslocadas de todo o resto, mas interligadas pelas linhas interdimensionais de infinitos tempos e espaços que a Cidade existe. Aqui preside todo o conhecimento de todas as vidas, ao mesmo tempo que todo este poder não é acessível. Claro que alguns tentaram e A Grande Queda foi um dos eventos mais marcantes da Cidade, assim como A Revolta dos 12.
O livro que estava nas mãos do homem parara de pulsar ao mesmo tempo que lhe dera um breve choque, ‘obrigando’ a abrir o mesmo. Ali as páginas pareciam estar escritas em sânscrito.
- Sânscrito? – perguntou ele um pouco alto.
- O livro ‘sabe’ que esta é a melhor forma de se comunicar com você. Claro que se você perguntar diretamente não vai obter nenhuma resposta. – A moça tinha uma tez morena e seus olhos castanhos agora eram mais visíveis para o homem pois ela estava frente a frente dele. – Venha aqui. – Disse ela se aproximando de uma das janelas. – Está vendo aquele homem ali?
Ela apontara para alguém que parecia vestir um uniforme bem parecido com o dele, antigo, mas bem parecido com o dele.
- Summers? – Ele reconhecia aquele homem. Capitão Summers, o homem necessário para um momento que a galáxia precisava de alguém para acabar com a Guerra contra as Máquinas. Mas para ele aquele homem havia morrido a mais de duzentos anos. – O que ele está fazendo aqui?
- Esperando o momento para retornar. – Disse a jovem morena. Ela mexeu para o lado parte do cabelo ruivo que lhe cobria a sua orelha esquerda. O homem que a acompanhava agora reparava que as suas orelhas eram levemente pontudas. – Algumas vezes a Cidade Transversal serve de ponto de transição de nossas vidas e a dele está neste momento, esperando.
- Como um purgatório?
A bibliotecária virou o seu rosto e sorriu para o homem e meneou a cabeça negativamente.
- Nenhum pouco, Sr. Jensen. Algo muito mais proveitoso e diferente, algo muito melhor que você sequer sabia que existia. Creio que agora você tem tudo o que precisa...
- Tenho?
A moça apontou para o livro e Jensen olhou para ele, abriu o mesmo numa página qualquer e lá, escrito, o paralisou por alguns segundos. Olhou para a bibliotecária e, novamente, para o livro e não tinha outra resposta. – Agora tenho. Muito obrigado, senhorita...
- Summers, Gabrielle Summers.
(...)
Jensen estava com sua pistola em punho e um gigantesco ser de energia começava a se levantar e a grunhir numa floresta que crescia próximo à Cidade Transversal. Seu amigo Cadargo Tovar estava desacordado assim como o seu comunicador não funcionava.
- Espero que as instruções do livro estejam certas. – Enquanto o monstro se levantava e urrava como se o mundo estivesse pronto a acabar Jensen pulava na direção dele.