O Mar Reluzente
2092 - Muito tempo depois da Grande Guerra
ACORDANDO
Desde que meus pais partiram para o Mar Reluzente, me senti desconfortável nessa casa vivendo com meus tios. A gente sabe que quem vai para o sul atrás de riquezas dificilmente volta, com meus pais não será diferente, não tenho esperança em vê-los novamente. A radiação já não incomoda mais, estamos aprendendo aos poucos como deixar as coisas limpas para não sermos contaminados, e a comida quando é feita sob alta temperatura não fica infectada.
Mas a saudade não passa. Todas as noites saio escondido e vou olhar as estrelas próximo ao monte que tem na saída do abrigo. Em uma dessas noites, eu vi um clarão enorme no céu, essa luz iluminou todo o chão em torno do abrigo, parecia dia. Consegui ver os latões de alumínio onde guardamos a água purificada, as mini plantações de onde tiramos o alimento e alguns dos nossos Yao-Guais que criamos para termos carne nas refeições.
Não senti medo, a desesperança era maior. Uma lágrima escorreu de meus olhos, pensei que fosse um deles, dos meus pais, voltando pra casa. A luz vinha de uma Patrulheira, uma nave da Irmandade, a mais velha e maior facção criada depois que a Guerra devastou nosso país.
Sentia o vento vindo das hélices duplas, a poeira subindo, mas incrivelmente, não fazia barulho, era silenciosa. Meu coração disparou e senti uma vontade enorme de seguir com eles. Lá, pelo menos, poderia ter uma condição de vida melhor se lutasse por eles e por seus ideais.
O dia seguinte amanheceu, as tarefas diárias estavam me esperando para serem feitas. Dei comida para os bichos, ajudei no preparo do desjejum, colhi as plantas para fazer o chá e finalmente sentei pra comer. Nesse dia especialmente, eu não conseguia pensar em nada a não ser na Patrulheira que tinha visto, eu sabia que eles faziam rondas, mas nunca imaginei que fosse se aproximar tanto, até porque nosso abrigo é inofensivo. Eu, com meus dezesseis anos, nunca tinha visto tão perto. Tudo o que eu olhava, tinha uma marca dágua na visão da nave e daquele breve encontro, ouvia o vento bagunçado pelas hélices e os olhos fechados por causa da claridade.
Mãe, pai, porque não me levaram?
GERMINANDO
Daqui de cima é tudo tão pacífico que parece mentira. Desde que meu irmão se fora, sinto que a vida não faz mais sentido. Não é essa armadura cheia de tecnologia que vai me convencer de que esse é o rumo da minha vida, não mesmo. Sinto falta da minha infância, com ele ao meu lado sempre me amparando.
Nunca vou perdoá-lo por ter me deixado aqui. Sonho ainda com o dia em que vou encontrar você de novo irmão, mas não sem antes te dar uma bela de uma bronca.
Hoje é meu dia de folga, aproveitei pra tirar toda essa lataria de cima de mim e colocar um vestido florido que me lembra de como esse mundo já foi uma vez. Não que eu lute pra que ele seja como antes, pois sei que isso é impossível, os níveis de radioatividade estão em níveis extremos, e apenas milhares de anos poderiam lavar essa terra. Mas eu gosto, me faz ficar calma.
Acordei com um peso no coração, ficar lembrando do meu irmão me faz refletir sobre o que eu quero pra minha vida. Será que vou ficar velha e virar uma comandante? Filhos? Bom, eu não sei. Mas quando olho pra dentro e penso, quero viajar, quero sair sem rumo, ir adiante até encontrar ele, é isso que vem de dentro.
Depois das dezoito horas é a minha vez de fazer a patrulha, terei tempo suficiente pra pensar.
Fui surpreendida por uma imagem que vi hoje na patrulha, fiquei em choque durante vários minutos olhando pela luneta. Era ele, ou pelo menos alguém muito parecido com ele. Cabelos pretos, até o ombro, forte, bonito, os olhos, boca, nariz.. Tudo era parecido.
FLORESCENDO
Eu estava num dia daqueles que não se tem nenhuma esperança de espécie alguma, meus tios coordenavam o abrigo com maestria na esperança da volta de meus pais, mas eu não queria a vida de alguém que espera, eu queria a vida de quem busca. Bolei um plano.
Iria pegar uma arma branca, uma arma de fogo, vestes pesadas e resistentes, e iria sair pela Comunidade rumo ao sul até encontrar o Mar Reluzente. Posso morrer? Sim, pelo menos não como um qualquer e sim como alguém que lutou pelo seu ideal.
Esperei cair a noite.
Andei alguns quilômetros para o sul, quando me deparei novamente com a Patrulheira, silenciosa e formosa no céu, guiando meu caminho. Não senti medo, pois eles sabem que somos inofensivos, apenas não queremos nos envolver com seus ideais. Após alguns quilômetros, percebi que a Patrulheira me acompanhava e decidi me esconder atrás de uma grande rocha pra ver se ela tomaria seu caminho. Me faltou ar quando percebi que a Patrulheira descia em minha direção, muita poeira foi jogada em cima de mim. Ela descia lentamente, fazendo um balé no céu estrelado. Quando estava bem próxima de mim, a ponto do vento bagunçar todo meu cabelo, a luz foi ligada e uma bela moça vestida com uma armadura típica da Irmandade desceu agarrada numa corda com roldanas.
- Cris?
Ela errou meu nome.
- Não, sou Tomas do abrigo 111.
- Pra onde você está indo essa hora da noite?
- Mar Reluzente.
(baseado no mundo de Fallout 4)
Autor Renan Florindo